quinta-feira, 19 de maio de 2022

Paraíso (Pedro Eiras)

O caminho começou no Inferno e foi progredindo. Agora, abrem-se as portas do Paraíso. Mas nada é, também aqui, como esperado. Longe da rutilante glória da paz perfeita e da absoluta impassibilidade, este é um paraíso de fúria salvífica, de interrogação aos dogmas do mundo, de contemplação dos mártires da bondade e de abertura aos desenquadrados da vida. Um paraíso mais ambíguo, e povoado até de matizes sombrios, mas por isso mesmo mais glorioso.
Conclusão de um tríptico que, qual Divina Comédia, nos levou já a Inferno e Purgatório, este último livro é como que o culminar do caminho. Contempla um Paraíso de imperfeitos, tudo questionando. E, através de imagens verdadeiramente notáveis, evoca quotidiano e espiritual, fé e ausência dela, almas de bondade e crueldades absurdas.
Existe uma evidente coesão entre as três partes da viagem, mas este livro chega ainda mais longe. Se, na fase inicial, é possível distinguir os poemas como unidades independentes, a partir de um certo ponto, e embora continue a haver divisões, torna-se clara a unidade de um apelo que, em tom de exortação e de quase profecia, transmite um crescendo de intensidade que funciona como uma espécie de exaltação.
E, claro, muito à semelhança dos livros anteriores, também aqui não há grandes imposições em termos de regras estruturas, o que significa que as palavras - e as imagens por elas evocadas - fluem com uma liberdade avassaladora.
Chegamos ao fim do caminho, e o Paraíso está longe de ser o das promessas. Já o que este livro prometia é amplamente superado, com o seu equilíbrio de luz e sombra, a sua voz única e cativante e a capacidade de tornar naturais as mais inesperadas imagens. Não é o Paraíso esperado, não. Mas é certamente glorioso.

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