Julie já sofreu muito. Mas a sua vida está prestes a mudar. Tudo começa com mais um cliente a passar pela sua caixa de supermercado, um homem que lhe diz bom dia e que se comove com ela, apesar de não a conhecer. Habituada ao sofrimento e, por isso, desconfiada da bondade de estranhos, Julie começa por ver a simpatia de Paul como uma base para segundas intenções. Mas a verdade é que tem muito pouco a perder - e tudo a ganhar. Por isso, quando Paul a convida para umas férias na Bretanha, Julie acaba por aceitar, sem saber que esses dias idílicos são apenas o início de uma mudança radical.
Se fosse preciso definir este livro numa única palavra, por mais redutora que tivesse de ser, essa seria, sem dúvida alguma, surpreendente. E surpreendente desde as primeiras páginas e por vários motivos. O primeiro, desde logo, é a forma como o tom da narrativa se adequa aos acontecimentos, começando pelo que parece ser um simples e leve romance sobre a descoberta do amor como porta de saída para sofrimento, mas evoluindo para algo de mais profundo, de mais complexo, sem por isso perder a leveza. E este primeiro ponto é também um dos aspectos mais cativantes, pois, o que começa por ser uma mistura de estranheza e bom humor, acaba por ser um infindável poço de emoção. De emoções que todos conhecemos.
O que me leva à segunda surpresa: a capacidade das personagens de comover e de despertar empatia. Olhando para os primeiros capítulos - e para as primeiras interacções entre as diferentes personagens - não são propriamente as qualidades o que sobressai.Mas a parte interessante é que, apresentando em primeiro lugar as estranhezas e os defeitos das personagens, a autora permite-nos conhecê-los pelo que têm de pior, para depois nos surpreender com as suas mais belas facetas. Isto é particularmente cativante no caso de Jérôme, em que o seu lado rabugento - e um pouco preconceituoso - contrasta com a capacidade de confortar, bem como com a sua própria necessidade de conforto.
Ora, não é difícil deduzir, a partir daqui, que é a emoção o elemento dominante nesta história. Mas um mar de emoções, tão diferentes e tão intensas, que é quase impossível não reagir de alguma forma. Seja à ternura dos bons momentos ou ao aperto de coração perante uma tragédia iminente, há na história destas personagens tanto de comovente que, mesmo nas coisas mais simples, a empatia é quase inevitável.
E, por último, a escrita, também ela construída num ritmo de contrastes que acaba por se adequar na perfeição à história. Simples e directa, nos diálogos, quase poética nos momentos introspectivos, intensa na forma como dá voz aos sentimentos, ajusta-se, em cada ponto e em cada palavra, às circunstâncias que narra. E, por isso, consegue transmitir, com a mesma mestria, a complexidade das situações mais duras e a leveza dos momentos divertidos.
A soma de tudo isto é - mais uma vez - surpreendente. Cativante na história e na forma como a conta, marcante no equilíbrio com que aborda os momentos mais sombrios e os mais leves, e enternecedor na forma como reflecte as emoções das personagens, pode não ser a mais complexa das obras literárias. Mas não deixa por isso de ser, em tudo, memorável. Muito bom.
Título: Mesmo Antes da Felicidade
Autora: Agnès Ledig
Origem: Recebido para crítica
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