No último dia de um ano, um centenário recorda o percurso da sua vida, desde o primeiro impulso de atravessar o oceano tendo como motivo (ou desculpa) a revolução e até aos últimos dias de uma vida nem sempre feliz, mas sempre completa. Percorrendo as suas memórias, recorda épocas, lugares, pessoas, pensamentos. E descobre-se nos outros, ou aos outros no que guarda dentro de si, pesando, talvez, os valores do que viveu contra a marca do que poderia ter sido. Mas o que é a vida senão o que se faz dela?
Apesar da relativa brevidade da narrativa, não se pode dizer que este seja um livro de leitura fácil. Bastante descritivo e introspectivo, reflectindo, talvez, a vastidão das memórias do narrador, este é um livro que se demora na exposição de características de épocas e de lugares, nos pensamentos e meditações das personagens e, acima de tudo, na percepção um tanto ou quanto filosófica do que passa por nós enquanto passamos pela vida. É um livro que vive tanto ou mais de pensamentos do que de acontecimentos e que, por isso, cai inevitavelmente num ritmo bastante pausado.
Há também uma certa repetição de ideias, mas esta acaba por fazer todo o sentido tendo em conta que a história é, acima de tudo, a de alguém que recorda. E o mais interessante é que, apesar do registo introspectivo e da relativa calma que caracteriza toda a narrativa, fica, ainda assim, a impressão de uma vida repleta de experiências. É que, ao ver a vida pelos olhos do narrador, levantam-se questões relevantes, percorrem-se as mudanças operadas pela passagem do tempo, e pondera-se até sobre o sentido da própria existência. Pode não haver grandes acontecimentos - ou até acontecer que estes fiquem para segundo plano ante a experiência pessoal. Mas as ideias ficam, ainda assim, e esse é, sem dúvida, o grande ponto forte deste livro.
Importa ainda referir a escrita. Sendo um livro tão introspectivo, tão centrado em ideias e características, sem grandes diálogos ou momentos de concreta acção, torna-se particularmente relevante a fluidez e a harmonia da escrita, pois esta reforça o impacto das ideias transmitidas. E, num registo que, tendo as suas elaborações, nunca se torna demasiado hermético, sobressai uma certa harmonia quase poética que reforça a impressão de um tom introspectivo, quase intimista, que define toda esta narrativa.
E eis, pois, um livro que, exigindo tempo e concentração, se define tanto pelo que acontece no mundo exterior como pelo que vai na vida interna dos pensamentos do narrador. E, assim, uma narrativa introspectiva, quase filosófica, que, longe de ser de leitura compulsiva, se revela, ainda assim, como bastante cativante. Uma boa leitura, em suma.
Título: A Invenção da Vida
Autora: Lourença Baldaque
Origem: Recebido para crítica
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