Do nascimento atribulado até à morte precoce, a vida de Amedeo Modigliani foi, em grande parte, feita de ânsias e de insucessos, abrindo caminho por entre as dificuldades de uma existência miserável e de um génio desconhecido, para construir o percurso de um homem que a morte elevaria a mito. Dos pormenores da sua história, pouco mais se sabe que fragmentos. Mas é a partir desses fragmentos que se constrói o retrato traçado neste livro. Retrato do artista... ou do homem?
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que não é - nunca poderia ser - um relato completo da vida do protagonista. Nem pretende sê-lo. Se os factos conhecidos são poucos, nunca poderiam, nesta história, ser demasiado expandidos. Mas também não parece ser esse o objectivo. Porque, mais que de acontecimentos, este é um livro feito de impressões - de imagens, de emoções, de traços de experiência. E, a partir dessas impressões, uma história de fragmentos, em que o que fica por dizer é tão ou mais importante que o que é contado. Mas em que o todo - o equilíbrio entre a resposta e o mistério - consegue, ainda assim, ser bastante cativante.
Para isso contribui também a beleza da escrita da autora. Evocativa, fluída, poética, por vezes, mas sem perder de vista o rumo das coisas que tem para contar, dá à reconstrução dos passos do protagonista um tom introspectivo que dificilmente poderia ser mais adequado. Além disso, alternando entre a voz do próprio Modi, a de algumas das mulheres da sua vida, e a sua própria voz, a autora equilibra a impressão de proximidade da narração na primeira pessoa com a multiplicidade de perspectivas que permite saber um pouco mais.
Claro que ficam perguntas sem resposta, coisas por dizer, possibilidades por explorar. Mas o mais interessante é que, entre os momentos de distância e a quase proximidade que evoca a compaixão, há todo um percurso de sentimentos que, mais pelas impressões que pelos factos, acaba por ficar na memória. E uma vaga tristeza que, por se fazer sentir, mostra que a evocação da figura central foi bem sucedida.
E, assim, o que fica desta leitura é, acima de tudo, a ideia de uma história de impressões e de emoções. Não uma biografia nem um percurso completo através da vida do seu protagonista, mas como que um recordar de sentimentos, expressos com tal beleza e fluidez que, inevitavelmente, ficam na memória. E, às vezes, isso chega.
Título: O Olhar e a Alma
Autora: Cristina Carvalho
Origem: Recebido para crítica
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