Vivem-se tempos conturbados em Portugal. O Ultimato inglês fez com que muitos perdessem tudo o que tinham e, por isso, não há grandes simpatias para com eles no país. Entre os que mais aversão lhe nutrem está o visconde Silva Andrade, cabeça de uma família quase arruinada, mas firmemente agarrada às ideias do passado. E é para salvar a família da ruína que Sofia, filha do visconde, se vê pressionada a casar com o duque de Almoster, a quem, por razões que lhe são desconhecidas, parece ter chamado a atenção. Mas o duque pode ser um bom partido aos olhos do pai, mas está longe de ser uma boa pessoa. E quando os verdadeiros problemas se começam a manifestar, Sofia pode ver-se, mais uma vez, perante uma escolha impossível.
De todas as coisas que este livro tem de bom, a mais cativante e a que primeiro chama a atenção é a escrita da autora. Fluída, harmoniosa, poética nos momentos certos, mas directa quando tal é necessário, adequa-se em todos os pontos à história que quer contar. E se, em comparação, por exemplo, com o outro livro da autora, Alma Rebelde, há um ritmo claramente mais pausado, também é verdade que este abrandamento em nada prejudica à história.
É que há uma razão de ser para esta evolução mais lenta dos acontecimentos e também ela tem muito de cativante. Pois há um evidente cuidado em contextualizar a história, retratando o contexto histórico em todos os seus aspectos, das mentalidades às ideologias políticas, sem esquecer os hábitos do quotidiano e ainda as diferenças entre as várias classes sociais. O resultado é um livro que exige ao leitor mais tempo e mais concentração - mas que compensa amplamente essa exigência, por ser delicioso em todos os pormenores.
Mas passemos às personagens e, em particular, ao cavalheiro que dá nome ao livro. Pois, se é certo se há um amplo conjunto de personagens a dar vida a este enredo, e todas elas - nas qualidades ou nos defeitos - com algo de interessante, grande parte da história gira, ainda assim, em torno de Sofia e Robert. E é aqui que se encontra um dos grandes pontos fortes desta história: na complexidade e na evolução das personagens. Sofia é uma jovem decidida, mas presa, até certo ponto, às normas sociais, e o seu percurso de mudança é, na globalidade, muito interessante. Quanto a Robert, é uma personagem complexa, que tanto consegue cativar pelo seu lado quase inocente, como intrigar pela faceta mais sombria que o torna, em certos aspectos, misterioso. Juntem-se a estes dois todos os outros intervenientes - de papel mais ou menos discreto, mas todos capazes de despertar emoções fortes - e o que fica é um conjunto de personalidades fortes e complexas. E uma boa base para uma história cativante.
Quanto à evolução da história em si, sobressai, acima de tudo o equilíbrio construído em torno de um enredo que tem como base a relação entre os protagonistas, mas que se expande para todo um conjunto de temas e de situações, criando uma narrativa complexa, mas sempre cativante e cheia de surpresas. E em que nem tudo tem respostas claras. Fica a curiosidade em saber mais sobre a situação de Sebastião e o tal misterioso passado de Robert. Ainda assim, e tendo em conta a forma como tudo termina, a ambiguidade com que estas questões são tratadas acaba por reflectir o conhecimento da própria protagonista, sendo, por isso, adequado que fiquem em aberto.
A soma de tudo isto é um livro cheio de qualidades. Envolvente, magnificamente escrito, com personagens cativantes e um equilíbrio magistral entre as muitas facetas que compõem a narrativa - e o carácter das personagens - , cativa desde cedo e, até ao fim, nunca deixa de surpreender. Não posso, por isso, deixar de o recomendar. Muito bom.
Título: O Cavalheiro Inglês
Autora: Carla M. Soares
Origem: Recebido para crítica
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