Quando o cadáver de uma jovem é encontrado perto de Argel, a comissária Nora Bilal é encarregada de investigar. As primeiras pistas apontam para um caso misterioso - mas cuja resolução poderá ser mais simples do que se espera, pois há um noivo com um historial duvidoso e algumas pistas claras a servir de base para a investigação. Mas tudo se complica quando, dessas primeiras pistas, emerge um cenário mais perigoso: um que envolve os figurões da sociedade, aqueles que estão dispostos a tudo para manter os seus segredos. É então que mais cadáveres começam a aparecer. E que a incapacidade de Nora de fugir aos seus princípios a põe também em perigo.
Tendo como ponto de partida um crime e a sua investigação, este é um livro que surpreende pela forma como, partindo de um registo algo diferente, consegue, ainda assim, revelar os mesmos pontos fortes de outras obras do autor. E o mais relevante de todos estes aspectos é, mais uma vez, um olhar muito perspicaz sobre a sociedade que retrata. Aqui, a história é tanto a do mistério da jovem morta como a da teia de intrigas e interesses que movimenta a sociedade corrupta de Argel. E, através da investigação, o autor consegue reforçar - individualizando-os, mas sem perder de vista a sua influência global - os aspectos mais perniciosos da forma como essa mesma sociedade opera.
Cria-se, neste aspecto, um equilíbrio muito interessante, pois, ao acompanhar as diferentes personagens, o autor desenvolve tanto a história particular do caso que Nora tem em mãos, como as repercussões mais vastas da sua investigação. Nora, Ed Dayem, Zine, Guerd e todos os outros, todas as personagens que povoam esta impressionante história, têm, ao mesmo tempo, um papel individual nas circunstâncias, e uma posição que reflecte a globalidade. E aqui destacam-se, é claro, Nora e Zine, divididos entre a rectidão dos seus valores e um sistema que está, à partida, viciado.
A própria escrita contribui para realçar estes contrastes. Envolvente, fluída, mas demorando-se nas reflexões pertinentes, evoca todo um conjunto de questões que, no seu todo, põem em causa o tecido da sociedade que pretendem retratar. A própria posição hierárquica de Nora - e a forma como os seus subalternos a vêem - reflecte uma mentalidade bem definida. Mas esta é só uma de muitas questões relevantes, que, ao longo de todo o livro, vão surgindo e que são também uma parte fundamental naquilo que o torna memorável.
Junte-se este lado mais pensativo a um conjunto de acontecimentos que, a cada novo desenvolvimento, apresentam uma nova surpresa, e o resultado é uma história que, não sendo de leitura compulsiva, não deixa nunca de ser cativante. E que, de surpresa em surpresa, abre caminho para um final particularmente intenso... E, tendo em conta todos os acontecimentos, estranhamente adequado.
Quase um policial, mas mais que isso, este é, portanto, um livro que parte de um crime em particular para questionar as falhas e transgressões de toda uma sociedade, realçando, ao mesmo tempo, através delas, valores e princípios tantas vezes subestimados. Cativante, muitíssimo bem escrito e cheio de surpresas, é, sem dúvida alguma, um livro que vale a pena ler. Recomendo.
Título: Que Esperam os Macacos
Autor: Yasmina Khadra
Origem: Recebido para crítica
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