À procura de uma ligação com o passado, ou de partes da história que nunca conheceu, David volta à aldeia que o viu nascer e que agora é, aparentemente, um lugar deserto. Percorre os lugares que conheceu e, ao fazê-lo, encontra recordações de quem foi - e do que era a vida - naquele lugar. Mas é lá que jaz também a história do seu passado e de uma mãe que nunca chegou a conhecer. As respostas que procura estão lá, naquele lugar parado - ou perdido - no tempo. Mas isso não significa que a verdade seja fácil de assimilar.
Bastante descritivo e num registo que se demora tanto nos pensamentos como nos acontecimentos, este é um livro que dificilmente será de leitura compulsiva. Narrado a dois tempos, percorre no mesmo registo pausado a história do protagonista e a da sua mãe, narrando tanto o seu percurso particular como o da vida mais ampla que é a da aldeia onde viveram. Assim, há todo um conjunto de rotinas, de comportamentos, de mentalidades e de hábitos peculiares que, aos poucos, vão sendo descritos na narrativa, ao mesmo tempo que os próprios pensamentos e memórias dos protagonistas vão sendo expostos. E o resultado é, por isso, uma narrativa de ritmo lento, quase introspectivo.
Para este ritmo pausado contribui também a própria escrita, um pouco densa, bastante elaborada, evocando imagens e paralelismos que tornam a ideia do todo bastante mais vasta. Uma escrita que, tal como o enredo em si, exige também tempo e concentração, mas que, com laivos de quase poesia e uma fluidez que, a ritmo lento, mas harmonioso, se vai revelando, acaba por ser estranhamente cativante.
Além disso, esta caracterização meticulosa, quase exaustiva, de hábitos, ideias e peculiaridades acaba por ser parte do que define o livro, já que a aldeia acaba por ser tão relevante para o enredo como aqueles que nela habitam. E, ao representar um mundo já perdido (ou quase), Banrezes é quase que ela própria uma personagem, sendo por isso relevante - e interessante - conhecer também as suas características.
Todos estes traços se conjugam numa obra que, não sendo particularmente extensa, é bastante detalhada naquilo que tem para contar. E, assim, numa leitura de ritmo lento, mas envolvente, com uma escrita cativante e uma história que é tanto um retrato do que se perdeu como daquilo que perdura nas memórias. Um livro com muito de interessante, portanto.
Título: O Ser que Me Habita a Memória
Autor: Fernando André Gonçalves
Origem: Recebido para crítica
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