Basta uma palavra e, de repente, a vida muda. Um diagnóstico - positivo - transforma-se num eco presente em todas as acções. Nesse momento, abrem-se os portões da Perda e nada fica igual. Mas dizem - será? - que a vida continua. E, entre viagens e regressos, metáforas e significados, um luto feito de fases e uma vida que ainda não acabou, cabe ao indivíduo encontrar o seu caminho. Ou fazê-lo, talvez.
Introspectivo, melancólico, feito mais de impressões do que de acontecimentos, ainda que haja, na verdade, grandes acontecimentos na base de tudo, este é um livro que surpreende, em primeiro lugar, pelo facto de, apesar de ter uma doença como base da narrativa, não se cingir, de forma alguma, ao percurso com a doença. A história do narrador é tanto a da descoberta do diagnóstico - e da forma como vive com isso - como das relações e experiências que lhe definem a vida. E, assim, surge uma história em que o homem é mais importante que a sua condição, sendo que as suas vivências - emoções, pensamentos, decisões - se tornam aplicáveis a outro tipo de circunstâncias.
É este, aliás, o grande ponto forte do livro. É que, apesar da doença, ou precisamente devido a ela, a forma como o narrador pensa nas suas circunstâncias cria paralelismos com outros tipos de provação. A Perda, o seu grande mundo da Perda, tem inúmeras faces, e é particularmente interessante a forma como, tendo sempre em vista um percurso pessoal bem definido, as ideias e os sentimentos associados se expandem para outros tipos de dificuldade.
Há ainda um outro aspecto surpreendente neste livro, e este diz respeito à escrita. Introspectiva, poética, por vezes, pejada de referências musicais e literárias, surpreende por, ao mesmo tempo que reflecte a complexidade das circunstâncias e a vastidão de referências daquele que as vive, evocar uma estranha leveza, como que num reflexo da fluidez do tempo. Fluidez que, espelhando de tal forma o ritmo do pensamento do seu protagonista, ora se resume à crueza dos factos, ora se estende em divagações, ao ritmo, precisamente, de um pensamento que nem sempre é controlável.
Quanto aos acontecimentos propriamente ditos, e voltando à questão da doença como cerne da narrativa, acaba por ficar muito em aberto no final e, por isso, uma certa insatisfação com aquilo que é deixado por dizer. Apesar disso, e tendo em conta as circunstâncias, este futuro deixado por contar - reforçando a tal ideia de que a vida continua - acaba por se ajustar na perfeição ao tom do livro, deixando no ar um delicado equilíbrio entre memórias e possibilidades.
O que fica de tudo isto é uma leitura de emoções, em que, mais do que uma condição, importa a vida e o que dela se retira. História de perda - ou da vida para além da perda - e de um reencontro com o próprio ser, fica na memória pelas emoções e pelo estranho equilíbrio de luz e sombra que faz de Como o Musgo na Pedra uma leitura tão cativante. Gostei.
Título: Como o Musgo na Pedra
Autor: Daniel Simon
Origem: Recebido para crítica
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