Dylan nunca conheceu o pai, mas isso está prestes a mudar. Mas, no comboio que a leva rumo a Aberdeen, a passagem de um túnel dá lugar a uma tragédia terrível - e a uma viagem muito diferente da que planeara. Dylan dá por si num lugar estranho, aparentemente a única sobrevivente, excepto por um rapaz de ar triste que parece estar à sua espera. Só que as coisas não são o que parecem. Ela não é uma sobrevivente e Tristan não é apenas um rapaz. É o barqueiro e a sua missão é conduzi-la em segurança à passagem para o outro lado. Porque aquele lugar não é seguro. As fúrias andam à caça de almas humanas e o cenário é cada vez mais desolador, lá fora e no coração dos dois jovens. Pois nenhum deles pertence entre os vivos - mas como podem aceitá-lo, quando o amor começa a florescer?
Provavelmente o aspecto mais cativante desta leitura é a estranha harmonia que parece definir-lhe o ritmo. Basta a premissa - de uma viagem pelo mundo dos mortos - para despertar curiosidade, mas a novidade desta viagem implica também longas descrições e algumas repetições que talvez pareçam quebrar um pouco a magia. Ainda assim, há um estranho equilíbrio na forma como os elementos se conjugam e isto deve-se em grande medida à fluidez com que a autora entrelaça cenários e emoções.
Cada momento, cada revelação, está associado a um impacto emocional, e é isso acima de tudo que marca nesta viagem. A situação delicada de Dylan, além, é claro, da do próprio Tristan, despertam desde muito cedo sentimentos fortes e cada situação por que passam contribui para aumentar esses sentimentos. E, quando as emoções de ambos começam a misturar-se... então o impacto das coisas torna-se ainda maior, até porque, dado o cenário onde tudo acontece, é difícil acreditar num final feliz.
Nem só das emoções vive esta história, ainda que elas sejam a sua verdadeira alma. Há todo um cenário a explorar - um mundo inteiro para além da vida, desolado, mas cheio de complexidades e a fazer lembrar, a espaços, os círculos infernais de Dante. É, aliás, difícil ignorar os paralelismos e não reconhecer o mesmo impacto: afinal, não é por acaso que algumas histórias se tornam intemporais e a ideia de uma vida depois da morte - e de um possível regresso à vida - nunca perde o seu estranho fascínio.
E, claro, a história não termina aqui. Mas, embora fiquem algumas questões em aberto, gerando boas expectativas para o que se poderá seguir, destaca-se também um outro aspecto: este livro é um ciclo completo em si mesmo e põe fim a uma fase específica do caminho das personagens. O que vier será inevitavelmente diferente e, por isso, fica, além da curiosidade, a sensação de uma conclusão satisfatória.
História de vida e de amor para além da morte, trata-se, pois, de um livro que abre literalmente portas para outro mundo. E que, com os seus cenários complexos mas harmoniosos e as suas personagens marcantes, nos leva a viajar para lá da morte - e a descobrir o que importa na vida. Uma boa história, em suma, e uma bela viagem.
Título: O Barqueiro
Autora: Claire McFall
Origem: Recebido para crítica
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