Em tempos, partiram em busca de uma ilha desconhecida e regressaram com super-poderes. Isso fez deles verdadeiros heróis na América dos anos cinquenta e sessenta, dedicados a combater ameaças alienígenas e génios do mal. Mas vivem-se tempos de mudança - de um tipo bem mais terreno de mudança. Há quem queira pôr os seus poderes ao serviço e sob o controlo das autoridades. Além disso, podem ter grandes poderes e grandes responsabilidades, mas isso não significa que tenham deixado de ser humanos. Têm paixões, vícios, conflitos. E isso significa que a sua união não é tão sólida como parece - até porque nem todos os seus membros são moralmente imaculados.
Se algo tinha ficado sem respostas absolutas em O Legado de Júpiter, era o passado da geração anterior, com todos os conflitos que isso viria a despertar. Bem, este livro abrange todo esse passado e, além de dar umas quantas respostas particularmente marcantes, constrói para essa primeira geração uma história que é um equilíbrio perfeito de revelações e ambiguidades. Dos vícios e transgressões das normas sociais à quebra de confiança e à manipulação, cada novo desenvolvimento gera novas perspectivas e sentimentos mais fortes relativamente às várias personagens.
Outro aspecto que fica muito claro é que não é de todo uma mera história de super-heróis, tendo, ainda assim, muito do que as caracteriza. Ao óbvio facto de os protagonistas serem super-heróis, o que implica fatos, um quartel-general, grandes lutas contra génios do mal e a dose certa de acção e de pancadaria, junta-se a abundância de cor (dos referidos fatos e criaturas) e de movimento (das referidas cenas de pancadaria) a nível da arte. Mas há todo um contraponto que vai dos tons sombrios associados aos múltiplos segredos e confidências, e que denuncia os diferentes tipos de transgressão, à presença de momentos históricos que, além de oferecerem um contexto à história, se tornam, nalguns casos, particularmente relevantes tendo em conta os dias que vivemos.
E eis que a ambiguidade moral se torna assim mais ampla. Particularmente evidente na situação de Skyfox, que é todo um tratado sobre manipulação e descontrolo, aplica-se também às outras personagens, e não apenas às do grupo de super-heróis. Quase todos se debatem com algum tipo de segredo ou dúvida, mas a situação de Sheldon levanta outras questões. É que, se até o homem com o coração no sítio certo dá por si a duvidar, então a ambiguidade e a dúvida têm de vir da própria sociedade. E isso traz consigo questões surpreendentemente profundas.
Mais do que uma mera resposta ao percurso da geração seguinte, trata-se, pois, de um livro vasto e complexo por direito próprio. Surpreendentemente profundo em certos temas, marca sobretudo pela capacidade de abordar com todo o impacto estes temas sérios sem nunca perder de vista a sua raiz de história de super-heróis. Cheio de acção, de cor e de intensidade - mas também de emoção e de ambiguidade - fica na memória bem depois de terminada a leitura. Que mais se pode pedir, então?
Título: O Círculo de Júpiter
Autores: Mark Millar, Wilfredo Torres e Davide Gianfelice
Origem: Recebido para crítica
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