A escrita de um diário pode assumir muitas formas, desde a descrição precisa de acontecimentos mais ou menos importantes à anotação de pensamentos e emoções, passando pelas meditações mais ou menos poéticas inspiradas por uma ou outra experiência. E pode ser tudo isto em simultâneo ou algo que não é bem nenhum deles. Neste caso, estes diários são ao mesmo tempo uma mistura de todos, pois surgem datas e locais, e até, por vezes, uma história, a contrastar com rasgos poéticos, associações de palavras e observações tão crípticas como certeiras. É um diário que, às vezes, podia ser poema... e outras parece abrir as portas a pensamentos que são simultaneamente singulares e familiares.
Não é fácil descrever este livro, até porque, feito em grande medida de fragmentos e impressões, vive mais das sensações e pensamentos que desperta do que de qualquer linearidade que possa existir. É um registo pessoal, porque é um diário, mas revela muito poucas características específicas, deixando antes rasgos de uma essência a apelar à imaginação. E, assim, não é transmitida uma história (ou quase, porque tem os seus momentos) mas sim uma visão de uma identidade que, apesar de algo críptica, se vai dando a conhecer aos poucos.
Tem uma voz muito própria, que é, aliás, o aspecto mais marcante. Uma cadência singular, onde tudo parece fazer sentido, mesmo quando as línguas estrangeiras vêm rasgar o texto e o pensamento é ambíguo ou evoca imagens estranhas. E, sendo certo que é um texto que vive tanto das interrogações como das respostas, até porque, como já disse, não há uma cronologia linear nem grandes descrições de acontecimentos, não deixa de ser impressionante como, às vezes, uma única frase projeta no pensamento uma imagem completa.
Críptico e singular, mas estranhamente próximo, trata-se, pois, de um diário que, apesar de pessoal, tem muito de transmissível. Pinta imagens com as palavras, e imagens que ficam na memória. E basta isso, no fim de contas, para que valha a pena descobrir este livro.
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