sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A Casa da Aranha (Paul Bowles)

Fez. Vivem-se tempos conturbados, com o conflito entre árabes e franceses a gerar um crescendo de distúrbios e de tensão. Algo terá de ceder e, quando isso acontecer, nada na cidade ficará igual. Amar, jovem muçulmano sem grandes conhecimentos, mas de profunda devoção, vê-se dividido entre as diferentes perspectivas que cruzam o seu caminho. E quando se depara com dois americanos, a sua mente vê-se ainda mais fracturada. Pois, em busca do seu lugar no mundo, Amar viu-se envolvido com reflexos das duas grandes facções em colisão. E, ainda que não pareça, para eles, Amar é apenas mais uma peça na engrenagem.
Provavelmente o aspecto mais notável deste livro, onde tudo, desde os grandes distúrbios aos pequenos gestos de devoção, transpira política, é a forma vincada e meticulosa como o autor descreve o contraste entre mentalidades. Não só na diferença entre franceses e "nativos" (como uma das personagens se refere aos árabes), mas também nas questões de crença e de forma de estar. Jovem, imaturo, inocente, Amar vê o seu mundo a preto e branco: há o que diz a fé e o pecado. Mas, à medida que desenvolve novos conhecimentos, surgem também novas revelações: o mundo dos "nazarenos" tem também as suas qualidades; já os nacionalistas talvez não sejam tão dedicados à preservação dos costumes como parecem ser. E o que parecia algo simples por que lutar revela-se uma teia de intrigas e planos muito mais complexa e cruel do que parecia à mente de Amar. 
Depois há Stenham e o outro lado da história. Aí, nasce o que parece ser um romance disfuncional e, ao mesmo tempo, também uma guerra de mentalidades entre a evolução à força e a paz dos costumes instituídos. Stenham e Lee representam dois opostos e é Stenham quem parece o melhor dos dois. Mas também aqui, com o evoluir do enredo, as complexidades começam a vir à tona, ninguém é tão bom nem tão mau como inicialmente parece... e, no fim, fica a desolação do abandono, única resposta para uma história em que quase tudo é deixado em aberto.
É, aliás, precisamente este aspecto que deixa sentimentos ambíguos: tudo fica em aberto. Amar descobre, à custa de sofrimento, a crueldade do mundo em que se move. Stenham e Lee descobrem-se mutuamente. E o conflito avança, ainda que, às vezes, de forma algo velada. Mas não há para nenhum deles uma conclusão definitiva: só a estrada vazia de um final triste que é, também, sinal do crescimento do protagonista. Fica, pois, uma certa curiosidade insatisfeita, ainda que também a impressão de um certo sentido. Há vida, afinal, depois da crueldade...
Longo, pausado e meticulosamente construído em termos de cenário e contexto, eis, pois, um livro que exige o seu tempo. Mas, com a sua visão complexa do mundo e a sua história de uma inocência transformada em desolação, é também um livro que deixa as suas marcas no pensamento e no coração. Basta isso para que a leitura valha a pena. E já é muito.

Autor: Paul Bowles
Origem: Recebido para crítica

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