Godofredo Alves tem uma vida pacata. Dá-se bem com o sócio, a sua vida doméstica é tranquila, ama a sua Lulu e nada lhe falta na vida. Mas essa tranquilidade desfaz-se no dia em que, ao voltar a casa, encontra Lulu nos braços do seu sócio. A cólera é insuportável. O primeiro que lhe ocorre fazer é pôr a esposa na rua. Depois exigir a Machado o preço daquela traição - de preferência em sangue. Só que, passada a fúria inicial, começam a vir à tona os obstáculos logísticos. E os amigos que escolheu como testemunhas começam a fazê-lo ver a razão e tudo o que perderá se persistir na ideia do duelo.
Um dos aspectos mais surpreendentes deste livro é que, embora relativamente breve, (principalmente se o compararmos com, por exemplo, Os Maias) contém a mesma exacta precisão na descrição dos hábitos e pensamentos das personagens. O cerne da história é um acontecimento dramático, mas, em volta dele, giram questões bastante mais práticas: se a mulher é posta fora, é, ainda assim, preciso pagar-lhe uma mesada; se vai haver duelo, então tudo tem de ser acertado; e, se houver reconciliação, então tanto as relações pessoais como as profissionais têm de ser acauteladas. É uma história de traição, e isso implica dramatismo, mas é também uma história em que as minúcias da vida quotidiana assumem o seu respectivo peso. Do equilíbrio destas duas facetas resulta uma história muito surpreendente.
Também interessante é a forma como este contraste entre dramático e pragmático é transposto para a mente do próprio protagonista. Se inicialmente o marido traído surge como a figura compreensivelmente exaltada e furiosa, o certo é que não é só na mente dos amigos que as questões pragmáticas começam a surgir. O próprio Godofredo, que primeiro anseia pela morte, depois pela vingança, começa a ver todas as possibilidades de uma forma mais lúcida - pesando não só a justa retribuição, mas também o que poderá perder com ela. Surpreende, pois, este contraste, mas acaba também por fazer sentido - pois a vida da personagem não se resume a Ludovina e o mundo continua a girar.
E há, claro, uma análise de mentalidades a retirar desta história: fruto do seu tempo, Godofredo pensa em primeiro lugar em lavar a honra, de preferência com morte. Mas, à medida que o bom senso se manifesta, as coisas vão mudando, gradual, mas naturalmente. É também esta a beleza da escrita de Eça de Queirós: há toda uma mudança de pensamento escondida nas linhas do enredo. E também ela não deixa de surpreender.
Lê-se de uma assentada e surpreende a cada instante. E, com a sua mistura de grandes gestos dramáticos e superação pragmática das circunstâncias, traça também um retrato de um pensamento em mudança - em Godofredo e também no mundo que o rodeia. Vale, pois, a pena descobrir esta história. Vale muito a pena.
Título: Alves e Cª
Autor: Eça de Queirós
Origem: Aquisição pessoal
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