quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Despertar do Nefilim (David Costa)

Gonçalo teve em tempos uma vida de sucesso, mas tudo isso acabou quando um incidente estúpido lhe levou a namorada. Deixou para trás todos os contactos e amizades e envolveu-se no mundo dos combates clandestinos. Agora, porém, começa a sentir que é altura de retomar um pouco da antiga normalidade... só que a vida não está disposta a permitir-lho. Embora não saiba, Gonçalo descende do maior dos arcanjos e o seu sangue é procurado pelos demónios, que precisam dele para abrir as portas do Inferno e desencadear o Apocalipse. Mas é também quando um novo caos o alcança que Gonçalo descobre que não está sozinho na sua luta desesperada...
Provavelmente a mais notável das várias qualidades deste livro é o ritmo a que toda a história é contada. Desde o início que há momentos marcantes, sejam do ponto de vista emocional, do mistério, da intriga ou até mesmo do horror. Além disso, a forma como a história é contada, em capítulos curtos e num registo directo quanto baste, mas particularmente certeiro nas descrições, transporta-nos para a história desde as primeiras páginas, numa envolvência que cresce cada vez mais à medida que a parte sobrenatural ganha impacto e intensidade.
Há também muito de fascinante no desenvolvimento do aspecto lendário da trama. Anjos e demónios, a iminência do Apocalipse, caçadores e exorcismos e os traços da narrativa bíblica moldados em algo completamente diferente da versão "oficial" - tudo isto serve de base a uma história em que a acção está sempre em primeiro plano, mas em que o contexto cria razões ponderosas para tudo o que as personagens fazem. O resultado é, claro, uma sucessão de surpresas e, sobretudo, de escolhas difíceis para os intervenientes nesta longa batalha.
O que me leva a outro ponto: a construção das personagens. Aqui, sobressaem sobretudo a empatia e a ambiguidade. Empatia porque é muito fácil a proximidade com o protagonista, não só pelo facto de ter sido subitamente lançado num combate que nunca pediu, mas sobretudo pelas sombras e fantasmas que carrega. E isto aplica-se também a outras personagens, e sobretudo a João, que, além de despertar profunda empatia nos seus momentos de maior vulnerabilidade, é também o reflexo perfeito da tal ambiguidade moral. As coisas que as personagens são obrigadas a fazer são, no mínimo, questionáveis - mas no contexto em que ocorrem... bem, ganham uma perspectiva diferente.
A batalha não acaba neste livro. Longe disso. E, assim, o que acontece não é que fiquem muitas perguntas em aberto. Fica tudo em aberto, sobretudo se tivermos em conta as revelações do epílogo. Mas a impressão que fica não é a de algo incompleto: é a de uma fase que chegou ao fim e que abre agora caminho para outras possibilidades. Além disso, a forma como tudo é deixado em suspenso - mas com um rumo indicado - tem ainda o condão de deixar uma curiosidade praticamente irresistível em descobrir o que acontece a seguir.
Intenso, empolgante e cheio de surpresas, trata-se, pois, de um livro que cativa desde as primeiras páginas, intriga, abala e chega até a comover em todos os momentos certos e encerra com a promessa de novas e ainda mais intensas aventuras. Muito bom, em suma.

Autor: David Costa
Origem: Recebido para crítica

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