sábado, 3 de novembro de 2012

A Cidade da Saúde (Artur Portela)

Uma nova política para a saúde, figuras importantes e revoltas sem rosto. Doentes, psiquiatras e psicólogos que se perguntam se são médicos ou não. Um lugar onde todas as ruas têm nomes de figuras importantes da saúde e onde pessoas de todo o tipo se cruzam e se relacionam, sem conhecer o que há para além dos seus interesses individuais. E, no meio de tudo isto, o Inquilino, aliás Sr. O Inquilino, que ninguém está certo de ter visto, mas que foi avistado até em múltiplos de si próprio. Assim é o ambiente da Cidade de Saúde. Assim é a sua história.
Narrado em capítulos curtos e com uma história e um cenário com bastante de peculiar, este é um livro que evoca, em primeiro lugar, impressões de estranheza. Estranheza pelas figuras que o protagonizam, muitas delas sem nome e definidas essencialmente pelas suas características mais vincadas, bem como pelas situações caricatas que parecem definir todo o enredo. 
Há, ao longo de toda a história, a ideia de um contexto com algo de surreal, mas que se aproxima das questões dominantes da conjuntura actual. Isso evidencia-se em situações como a sempre invocada Nova Política de Saúde Mental, e no que a define, bem como na presença das agências de rating e na revolta aparentemente discreta d'O Inquilino. O enredo é, todo ele, feito de situações bizarras que, no seu estilo muito próprio, representam de forma cativante, embora peculiar, alguns dos grandes problemas do mundo actual. E é provavelmente essa aproximação à realidade que faz com que esta estranha sátira resulte tão bem. É que, apesar de toda a estranheza de personagens e situações, há, em toda a construção do enredo, algo de estranhamente viciante, para o qual contribui também o estilo de escrita, directo na exposição de cada situação e cada um dos seus protagonistas.
Sendo tão abundantes as situações improváveis, não surpreende que o enredo esteja longe de ser linear. Não há propriamente uma conclusão muito definitiva e há várias questões que ficam sem resposta, até porque a linha que separa a identidade própria de cada personagem daquilo que pretende representar nem sempre é bem definida. Há antes uma série de situações que se cruzam, relacionando de forma mais ou menos próxima os seus protagonistas, para dar forma ao que é, mais que o percurso individual dos seus habitantes, a estranha história de um lugar.
O que fica pois deste livro é a ideia de uma história improvável e caricata, que, apesar da persistente impressão de estranheza, cativa pela forma como as suas peculiaridades representam algo maior que a simples história narrada. Trata-se, pois, de uma leitura estranha, mas estranhamente viciante. E, por tudo isto, de uma boa leitura.

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