A viver os seus últimos dias e finalmente com tempo para considerar a vida e a forma como viveu, Adriano escreve para aquele que, espera, ocupará um dia o seu lugar. E recorda. Recorda as suas batalhas e as intrigas tecidas em seu redor, aqueles que amou e os que o desprezaram. Recorda, acima de tudo, o que foi, o que quis ser e o que viram dele. É esse longo registo de memórias o que este livro apresenta. E, com elas, mais que um retrato do império e do seu imperador, é a figura do homem que se torna mais visível.
Denso, divagativo e com uma forte componente descritiva, este não é nem um livro fácil de seguir nem uma leitura rápida. Todos os eventos são narrados do ponto de vista do homem que recorda, e, como tal, é através dos olhos dele que todos os protagonistas dos acontecimentos são caracterizados, o que cria uma impressão de distância. Além disso, basta um pequeno gesto para inspirar uma longa reflexão, filosófica ou emocional. Os pensamentos têm, portanto, tanto ou mais protagonismo que as acções, o que não deixa de ser surpreendente num livro cujo narrador se apresenta mais como homem de acção.
Trata-se, portanto, de um livro que exige atenção constante, quer pelos muitos pormenores relativos à época histórica e às figuras que a povoam, quer, e principalmente, pela forma como a vida de Adriano se entrelaça na sua forma de pensar. O resultado é um livro de ritmo pausado, claro, com uma linha narrativa que se dispersa um pouco nas longas divagações, mas que surpreende principalmente pelo retrato complexo do imperador que recorda.
E é neste ponto que importa referir o grande ponto forte deste livro: a beleza da escrita. Tanto nas longas reflexões como nos momentos mais descritivos, o que mais sobressai ao longo da leitura é a harmonia das frases, a forma como as palavras evocam, da forma mais adequada, os sentimentos e as impressões do imperador. Isto é, naturalmente, mais evidente no presente, quando Adriano se encontra face a um fim próximo, mas prevalece ao longo de todo o livro, tanto na forma como questiona as suas decisões ou avalia o que fez pelo império como na inesperada intensidade da sua recordação de Antínoo e do que os unia.
Não é, de forma alguma, uma leitura compulsiva e, com a profundidade e a complexidade da forma como pondera sobre a mortalidade e a passagem do tempo, será tudo, menos um livro leve. Há, ainda assim, muito de fascinante nestas Memórias de Adriano, em parte devido ao retrato preciso e completo que traça para o seu protagonista, mas principalmente pela quase poesia de uma escrita que tanto encanta pela beleza como apela à reflexão. Trata-se, por tudo isto, de um livro a ser apreciado com calma, pois exige a máxima atenção. Mas é também tudo isto que faz com que valha a pena.
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