quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Parábola do Cágado Velho (Pepetela)

Depois de tantos conflitos, o kimbo parece ter finalmente alcançado a paz. Mas não por muito tempo. Não tarda a que chegue gente de fora, para falar com os jovens de uma cidade cheia de promessas e de uma luta que é necessária para conquistar a verdadeira paz. Cedo os jovens da terra se deixam encantar pelas palavras e não tardam a partir para se juntar a um dos lados do conflito. E, pouco depois, começam a aparecer os soldados. Primeiro vêm pedir comida, depois exigem, depois matam e destroem ao mínimo sinal de oposição. E é assim que as gentes do kimbo, que nem sabem ao certo quem é o inimigo ou quem devem apoiar, se vêem ante a perda de tudo o que possuem, uma e outra vez. Assim Vivem também Ulume e a Muari, com um filho em cada lado do conflito e apenas a decisão de tentar viver o melhor possível como guia.
Tendo as impressões e recordações de Ulume como foco central, é natural que o primeiro impacto deste livro seja o de uma certa estranheza, já que os primeiros capítulos partem de um ponto em que o protagonista contempla o que aconteceu e, em certa medida, as mudanças que o conduziram até ali. Isto gera alguma confusão, já que estas divagações ocorrem quando a história e as personagens são, ainda, pouco familiares, dificultando um pouco a compreensão de algumas referências.
Ultrapassada esta fase mais dispersa, e uma vez assimilado o ritmo da linha narrativa, a história torna-se muito cativante. A vivência de Ulume com a sua família, as perdas vividas e a tentativa de responder a um amor criado por supostos presságios, bem como a sua muito peculiar percepção da guerra, servem de base a uma história com tanto de inesperado como de emotivo, dando forma a momentos de grande impacto emocional.
Para esta força emotiva contribui também o equilíbrio entre a história pessoal e a perspectiva global. É que o percurso de Ulume e da sua família, rico e cativante por si só, representa também o de muitos como eles, gente arrastada para os meandros da guerra, forçada a renunciar a quase tudo sem compreender sequer em que consiste essa guerra. Dessa ignorância resulta o grande impacto das circunstâncias de gente perdida e lugares destruídos sem outra razão que não os interesses de outros, de inocentes sacrificados no altar do conflito. Ulume e os seus representam na perfeição esse sacrifício, ao mesmo tempo que as suas escolhas individuais os tornam mais que simples imagens, mas figuras humanas completas. Aí reside o seu carisma e o fascínio da história: as personagens, no que são e no que representam, na conjugação mais adequada.
Trata-se, pois, de uma história que, apesar de um início um pouco disperso, cedo revela os seus muitos pontos fortes. Envolvente, emocionalmente intenso e com uma história individual forte a servir de base para uma reflexão sobre as consequências e as vítimas da guerra, vale bem a pena ler este livro.

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