Saba sempre viveu em Silverlake. Com o passar dos anos, a situação tornou-se mais difícil de suportar, mas o pai nunca quis partir e, por isso, foi sempre aquele local inóspito a casa de Saba, do irmão gémeo, Lugh, do pai e da irmã mais nova, Emmi. Mas tudo muda quando, depois de uma tempestade de areia, um grupo de homens chega para levar o seu irmão. O pai morre naquele dia. E é então que Saba se vê na obrigação de arranjar um lugar seguro para Emmi, a irmã de quem nunca gostou, antes de partir em busca de Lugh, o irmão que é tudo para ela. O problema é que o mundo para lá de Silverlake é algo mais complexo do que o que Saba imagina. E aqueles que têm o seu irmão são, afinal, os que controlam o mundo que restou depois dos Destruidores. É possível que Saba precise de ajuda... mesmo da dos que pretende deixar para trás.
Um dos aspectos que, desde logo, chama a atenção neste livro é a forma como é escrito. O uso de algumas expressões estranhas e a narração dos acontecimentos sem diferenciar o diálogo do restante do texto dão forma a uma história que, contada pela voz de Saba, reflecte a sua forma de expressão. E isto é feito de uma forma bastante equilibrada: as palavras deslocadas são na medida certa para demonstrar essa diferença, sem por isso dificultar o ritmo de leitura, e a fluidez da narrativa torna fácil assimilar os diálogos ao longo da narração. Isto resulta, de certa forma, numa narrativa mais pessoal, já que não são só os acontecimentos, mas a própria forma como são contados, a revelar uma imagem da protagonista.
Também a nível de personagens há bastante de cativante, sendo de realçar a forma como são construídas. Não há, nesta história, ninguém que seja perfeito e isto evidencia-se tanto em Saba como em personagens aparentemente secundárias. Saba é forte e determinada, disposta a sacrificar o que for preciso para encontrar o irmão, mas é, também, demasiado orgulhosa, um pouco agressiva, quando contrariada, e capaz de alimentar ressentimentos, em particular para com a irmã. Também Jack tem os seus defeitos, particularmente na excessiva arrogância de alguns momentos, e o mesmo acontece até com Lugh, personagem ausente durante grande parte do enredo, mas que revela o seu melhor na fase final e o pior na inicial, quando os hábitos do pai o levam à exasperação. Todos são humanos e, portanto, falíveis, e é também isto que os torna mais empáticos. Com particular destaque, mais uma vez, para Saba, que, além do seu próprio percurso de crescimento através da interacção com os seus companheiros de missão, evolui também na relação com a irmã, que, nunca sendo perfeita, se torna, ainda assim, um pouco mais próxima para ambas.
Do enredo em si, importa referir o bom equilíbrio entre os momentos mais sombrios e a medida de esperança necessária para prosseguir. Há momentos violentos e de grande tensão, ao longo da história, mas também situações enternecedoras e demonstrações de verdadeira amizade. Tudo isto num cenário em que é urgente agir, e em que, por isso, o ritmo é intenso e de acção constante, mas onde esta intensidade de ritmo de acontecimentos se conjuga com uma boa caracterização de sistema e personagem. Com perguntas que ficam em aberto, como é natural, sendo este o primeiro volume de uma série, mas sem que fique a impressão de algo em falta.
Há, ainda a destacar, dois outros aspectos importantes para a construção da história. O primeiro diz respeito ao sistema, surpreendente pela forma como um contexto pós-apocalíptico (onde traços de um cenário próprio à realidade surgem de quando em vez) pode dar lugar a um bem caracterizado recuo civilizacional. O outro é a componente romântica do enredo que, desenvolvida como complemento (e não como base) da história, vem trazer aos acontecimentos um pouco de emoção, sem que esta se sobreponha às situações mais urgentes e aos outros tipos de afecto (dos quais se destaca a ligação entre os irmãos).
Intenso e sombrio nos momentos mais dramáticos, mas também rico em momentos marcantes e emotivos, este é um livro com muito de bom para revelar. Cativante desde as primeiras páginas, com personagens carismáticas e humanas e um enredo com as medidas certas de acção e de emoção, Estrada Vermelha, Estrada de Sangue abre da melhor forma o retrato de um mundo tão fascinante como as personagens que o habitam. Recomendo.
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ResponderEliminarAdorei a descrição feita e a opinião pessoal. Espero que não haja problema em usarmos certas ideias num dos nossos projetos. Não se preocupe que iremos colocar as fontes e todos vão saber onde fomos buscar as excelentes ideias para o nosso projeto sobre este livro extraordinário.
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