Às portas da morte e com a mente turvada, Amanda não tem senão um emaranhado de memórias confusas - e um estranho companheiro para a ajudar a recordar. Ao seu lado, David, uma criança, incita-a a procurar respostas com uma série de perguntas tão urgentes quanto misteriosas, guiando-a através de um passado também ele turvo, mas onde parece estar escondida a única verdade que importa. E as memórias vêm, como fragmentos atados - memórias de umas férias onde se fez uma nova amizade, de uma amizade que trouxe consigo um segredo sombrio e de uma partida adiada que abriu portas a um veneno sem nome. Presente sempre, a distância de segurança que insiste em unir uma mãe à sua filha, mesmo quando tudo indica que, na verdade, já é tarde demais...
Há algo de estranhamente fascinante na forma em como, de uma história tão breve, se consegue fazer emergir uma tão vasta complexidade. São pouco mais de cem páginas e, no entanto, há todo um mundo a descobrir no desfiar das memórias de Amanda. E um mundo de mistérios, entenda-se, pois, se o que move a protagonista é o simples e insuperável amor protector de uma mãe, o estranho cenário onde tudo parece acontecer desperta grandes e pertinentes perguntas. Afinal, a doença de Amanda, o misterioso passado de David, as estranhas decisões de Carla... em tudo isto há grandes enigmas - e nenhuma verdade absoluta (como não as há, de resto).
E, claro, tendo isto em conta, é inevitável a sensação de que ficam perguntas sem resposta. Mas também particularmente impressionante é que o facto de tudo isso ficar sem resposta só acrescenta à intensidade da narrativa, pois, sendo tudo tão estranhamente peculiar, faz apenas sentido que também as grandes tragédias pessoais das personagens sejam deixadas entre a explicação possível e a verdade maior que, embora presente, fica encoberta.
Mas há ainda a escrita, e uma escrita que impõe ainda uma nova repetição do mesmo adjectivo: impressionante. Directa, de uma simplicidade aparente mas com um ritmo avassalador, reforça ainda um pouco mais a intensidade que as circunstâncias já lhe conferem. E adensa também o mistério, pois a presença de David junto de Amanda - sentida ao longo de todo o seu percurso - ganha outra vida pelo facto de se assumir como um longo diálogo, onde todas as interrogações parecem querer encaminhar-se para uma derradeira revelação.
Breve no tamanho, mas imenso no conteúdo, eis, pois, mais uma daquelas leituras que reforçam a ideia de que um livro não precisa de ser grande para ser um grande livro. Intenso, complexo e impressionante em múltiplos aspectos, um livro para ler de uma assentada - e para guardar na memória bem depois de terminada a leitura. Recomendo.
Título: Distância de Segurança
Autora: Samanta Schweblin
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário