Dividido entre regressar a um manuscrito que deixou de fazer sentido e enterrá-lo de vez, Pedro escolhe tomar a decisão através de um jogo de xadrez. Para tal, preparou-se com as jogadas de um grande mestre e decidiu que, caso vença a memória do seu falecido amigo, se livrará, de uma vez por todas, daquele manuscrito. Mas eis que, quando a vitória está próxima, o sono o domina, levando-o de volta às longas conversas com o amigo e às aventuras de um grupo de velhos conhecidos. Em tempos, eles descobriram uma ilha onde fenómenos estranhos acontecem. E essas histórias, que eles partilharam com Alberto e Alberto partilhou com Pedro, continuam a querer ser contadas - mesmo que Pedro não queira fazê-lo.
Muitíssimo descritivo e centrado, em grande medida, nas paisagens e fenómenos peculiares que caracterizam a ilha, este é um livro que exige o seu tempo para assimilar todos os pormenores. Primeiro, porque há uma profusão de elementos nos cenários que só gradualmente se tornam perceptíveis. E, depois, porque o próprio entendimento das personagens vai sendo moldado por uma sucessão de acontecimentos inexplicáveis, por vezes confusos, que fazem do cenário de toda esta narrativa um ambiente estranho e sobrenatural.
Assim sendo, custa um bocadinho entrar no ritmo da história, até porque, no início, tudo está envolto em mistério. Mas é também este mistério que mantém acesa a curiosidade, mesmo quando tudo parece demasiado estranho. E, à medida que se assimilam as peculiaridades da narrativa e se começa a entrar na senda do mistério, tudo se torna mais cativante, surgindo como que um crescendo de intensidade que culmina num final tão surpreendente quanto adequado.
Mas, se a história em si vive muito dos fenómenos estranhos e da beleza sobrenatural da paisagem, há, ainda assim, um outro aspecto a emergir de todo este percurso. É que, da oscilação entre crença e cepticismo de Pedro e Alberto e, depois, da percepção da estranha realidade das coisas, emerge também um tema relevante: o da destruição de locais que não são apenas belos, mas também fundamentais, em nome da simples ambição. O espírito da ilha - e a protecção da natureza nela contida - levantam uma questão muito pertinente: quando se sacrifica a natureza ao lucro, o que restará quando a última árvore tiver sido cortada?
Não é propriamente uma leitura compulsiva. O ritmo pausado e a vastidão de pormenores exigem tempo para que tudo se assimile devidamente. Ainda assim, a impressão que fica é a de um enredo cativante, com uma mensagem pertinente e uma aura de mistério e de magia que dá lugar a umas quantas boas surpresas.
Tudo somado, a imagem que fica é muito simples: a de uma história que leva o seu tempo, mas que não deixa de proporcionar uma boa leitura.
Título: O Espírito da Ilha
Autor: Rodrigo Caiado
Origem: Recebido para crítica
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