António e João são dois homens que, sem nunca se terem conhecidos, partilham dois grandes pontos comuns: a voz poética e uma grande solidão. Um retirou-se para um lugar remoto para viver os seus últimos dias em pouca, mas boa companhia. O outro, decidido a vingar a morte da neta, foge temporariamente para o estrangeiro, levando consigo apenas a promessa de voltar para cumprir a sua vingança. E, entre viagens pelo mundo e viagens pela mente, encontram, cada um à sua maneira, a paz dos últimos dias - esperados ou desconhecidos, mas inevitáveis, ainda assim.
Breve na dimensão e muito conciso no estilo de escrita, este é um livro que, deixando pelo caminho muitas perguntas sem resposta, vive, em grande medida, do impacto emocional que gera. A história de João é do tipo que desperta particular empatia, o que faz com que, por um lado, fique uma vontade insatisfeita de a conhecer mais a fundo, mas, por outra, a impressão de que as linhas - e as emoções - essenciais estão lá. Já no caso de António, o ambiente enigmático em que se move faz com que a ambiguidade faça especial sentido, ainda que também aqui fiquem certas questões em aberto.
É, de certa forma, inevitável a sensação de que as cerca de cem páginas deste livro poderiam facilmente ter sido muitas mais. E, ainda assim, há um estranho equilíbrio na brevidade. A história cinge-se ao essencial, deixando aos poemas o papel de reflectir o coração das personagens. E se mais haveria a contar sobre os percursos, particularmente no que diz respeito aos muitos intervenientes na fuga de João, também é verdade que esta história não é a deles. E quanto a João, com a ânsia de vingança que carrega por dentro, o que fica é sobretudo a sensação de um caminho circular, porque predestinado por um necessário regresso, mas ainda assim muito cativante.
É tendo tudo isto em vista - brevidade e simplicidade associadas a um equilíbrio eficaz - que importa, talvez, desviar um pouco o olhar para a forma. O livro oscila entre a poesia e a prosa, prosa que conta a história das personagens, poesia que dá voz aos seus pensamentos. E esta forma invulgar de construir um romance consegue, além de lhe conferir especial peculiaridade, realçar o melhor desta história breve. O percurso dos protagonistas pode ser simples, mas os sentimentos são profundos e reflectem-se com precisão numa poesia que é também simples, mas que encaixa perfeitamente no carácter das personagens.
Um livro não precisa de ser longo para ser memorável. Neste caso, bastam cem páginas de grande simplicidade e poesia para fazer da história de António e de João uma caminhada digna de se acompanhar. Breve, sim, simples, e ambíguo em certos aspectos - mas com a medida certa para deixar a sua marca emocional.
Autor: António Tavares-Teles
Origem: Recebido para crítica
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