quinta-feira, 1 de abril de 2021

Espíritos dos Mortos (Richard Corben)

Edgar Allan Poe. Dispensa apresentações, não é verdade? Todos conhecemos, pelo menos vagamente, uma das suas histórias ou um dos seus poemas, seja o corvo com o seu eterno nunca mais, seja a tão actual morte vermelha, seja ainda Montresor com a sua terrível vingança. São múltiplas e variadas as adaptações que já foram feitas tendo por base a sua obra. Esta? Esta é particularmente notável, não só porque muitas das obras adaptadas são poemas, mas sobretudo porque realça em toda a sua sinistra glória a complexidade e a intensidade das sombras que habitam os contos e poemas deste autor.
Uma das primeiras coisas a salientar neste livro é o delicado equilíbrio que faz com que seja ao mesmo tempo uma adaptação relativamente fiel dos originais e uma perspectiva própria e singular. Sobretudo no que respeita aos poemas, como é natural, já que a transposição para um percurso visual contínuo (ainda que não necessariamente linerar, lhes confere imediatamente uma aura diferente. Mas tudo tem algo de novo, sem por isso divergir em demasia do material de base. Continua a ser Poe, mas Poe de uma forma diferente. E, por isso, é perfeitamente capaz de cativar recém-chegados à sua obra sem desiludir quem já a conhece de outras formas.
Para quem sempre gostou de Poe, é também um delicioso reencontro, complementado com facetas distintas, pois muitas destas histórias estão entre as obras mais conhecidas do autor. Ainda assim, há muito a desvendar nessas facetas distintas: começando pela enigmática figura que serve de elo de ligação às várias histórias, narrando-as, em parte, pela sua própria voz, e sem esquecer a forma como as paisagens sombrias e misteriosas, os rostos grotescos e a escuridão geral que parece transbordar das páginas evocam na perfeição não só o lado sinistro dos enredos, mas a tão conhecida sensação onírica de "sonho dentro de um sonho".
E, finalmente, mais Poe, porque, sendo a inspiração, é também uma presença inevitável. Texto e imagem podem seguir os seus próprios caminhos, mas continua a ser possível ouvir a voz de Poe, sobretudo nos excertos dos textos originais que, de forma perfeitamente natural, parecem fazer questão de salientar o laço que une original e adaptação. É uma adaptação diferente - mas continua a transbordar da vida que lhe deu origem.
Simultaneamente familiar e única no seu equilíbrio entre a fidelidade ao original e a perspectiva própria de uma visão mais brutalmente palpável, trata-se, pois, de uma adaptação notável da obra original de Poe. Uma visão visualmente mais sombria, mas igualmente complexa e poética. Igualmente memorável, em suma.

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