Prepara-se a encenação das Cortes de Júpiter, um auto escrito por Gil Vicente para celebrar a partida da infanta D. Beatriz para a sua nova vida como duquesa. Mas, se o auto promete comédia, já as emoções que se movimentam nas sombras são bem menos sombrias. É que, com a muito relutante mas abnegada colaboração da filha de Gil Vicente, Bernardim Ribeiro vive os últimos momentos do seu amor proibido com a infanta. E está decidido a que o seu último adeus seja dramático e memorável - nem que para isso tenha de se infiltrar no auto...
Menos célebre, talvez, do que Falar Verdade a Mentir, a tão conhecida peça que muitos de nós estudaram na escola, esta é uma peça que assume um registo algo diferente. Embora tenha também os seus rasgos de leveza e de humor, a linha geral do enredo é muito mais dramática, com uma teia de amores proibidos, movimentações secretas e até declarações de amor tragicamente eloquentes. Não perdendo de vista, é certo, um certo tom de crítica - ou não fosse o amor proibido da infanta com Bernardim um perfeito reflexo de como as aparências e o estatuto ditam a suposta pureza de uma reputação. Ainda assim, é o drama que tudo move e o resultado é uma leitura muito mais sóbria, ainda que também pautada por uma saudável dose de estranheza.
Situada no reinado de D. Manuel I, pretende também retratar as movimentações da corte, o que significa um grande número de personagens e também uma algo surpreendente componente descritiva. Ora, isto torna o texto mais pausado, pois, mesmo imaginando as indicações transpostas para um cenário, também os longos diálogos têm o seu quê de caracterização introspectiva. Fica-se, porém, com uma visão mais clara das coisas, o que, mais do que em comportamentos e cenários, acaba por ter um impacto particularmente forte ao debruçar-se sobre as ambiguidades do coração. De Bernardim e da infanta, claro, mas... não só.
Importa ainda fazer referência aos textos iniciais, do autor e dos editores, que, não sendo cruciais para a leitura, permitem uma maior contextualização da obra no seu tempo, bem como uma breve reflexão sobre o estado do teatro português na altura em que ela foi escrita. Também estes textos são pausados, até porque oscilam entre a crítica e a explicação, mas contribuem para uma visão mais completa da obra e do seu contexto. E, sendo assim, não podem deixar de ser interessantes.
São menos de cem páginas, mas não lhes faltam pontos de interesse, quer na caracterização da obra, quer no drama propriamente dito. E assim, apesar de relativamente pausado, não deixa nunca de ser um livro cativante, sobre dramas e amores proibidos... e também sobre teatro, poesia e emoção.
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