domingo, 25 de abril de 2021

Noites Azuis (Joan Didion)

Noites azuis, diz-se, são as noites de longos crepúsculos que preparam a chegada da escuridão, noites em que a luz se demora, mas que anunciam também a sua morte. E são estas noites azuis - alerta para as trevas que se aproximam - que servem de base a um livro feito de memórias, mas que não é só memória, mas também reflexão sobre o abandono, a mortalidade e o envelhecimento. E é uma história também: da autora, das pessoas que, ao longo do tempo, povoaram a sua vida e das suas muito pessoais noites azuis.
Sendo, acima de tudo, um registo muito pessoal de emoções, experiências e impressões da autora, este não é propriamente um livro fácil de descrever, até porque o seu registo impressionista faz com que, também aos olhos de quem o lê, sejam mais as impressões que ficam no pensamento, e não algo que possa ser descrito de forma absolutamente palpável e linear. É um livro que vive de memórias, e a memória tem os seus ritmos peculiares. E, apesar de pessoal e intransmissível, não deixa de despertar também impressões de proximidade.
Um óbvio aspecto que se destaca é, ainda assim, a escrita propriamente dita, pois a voz da autora parece reflectir na perfeição o impacto dos temas que pretende abordar. Fala do envelhecimento, e evoca - não só nas memórias, mas na própria construção das descrições - fragilidade, confusão, nostalgia. Fala de morte, e reflecte não só toda a dor e tristeza, mas também as diferentes formas de assimilar a perda - ou de viver com ela. Fala de família e de abandono e recua à infância da filha para traçar uma teia de impressões complexas, mas onde é fácil encontrar pontos de identificação. Tudo com laivos de introspecção e de poesia que fazem com que a leitura pareça, a espaços, quase uma conversa intimista.
São, curiosamente, os aspectos mais ambíguos - ou mais vagos, poder-se-á dizer - que acabam por ter mais impacto, e não tanto aqueles em que figuras específicas assumem mais protagonismo. Também isto resulta um pouco do facto de serem memórias pessoais, e vindas de um meio muito específico, pelo que é mais a ligação que essas pessoas têm com a autora, e não os seus próprios percursos, que realmente chama a atenção. E são também esses momentos - viagens, ensaios, festas - os que parecem mais distantes, criando um contraste interessante com aqueles em que as emoções vêm à tona.
Introspectivo, pausado, mas surpreendentemente poderoso na sua reflexão sobre o envelhecimento e a perda, trata-se, pois, de um livro mais de impressões do que de enredos, mas capaz, ainda assim, de despertar emoções intensas. E, num livro como este, tão pessoal e tão poético, basta isso para o fazer ficar na memória.

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