terça-feira, 26 de junho de 2018

Munmun (Jesse Andrews)

Imaginem um mundo em que tamanho e riqueza são a mesma coisa. Os mais ricos são gigantes. Os mais pobres, mais pequenos que ratos. E a única forma de crescer é, claro, enriquecer. Warner e Prayer estão entre os mais pequenos e sempre à procura de uma vida melhor. Mas como é que se consegue isso, sem saber ler, sem poder aprender, quando se leva séculos a chegar de um lado ao outro e basta um passo errado de um dos mais ricos para se acabar morto de uma forma bastante desagradável? A situação é desesperada – mas a cabeça de Warner está cheia de planos. E, com um pouco de sorte, alguns desastres pelo caminho e a estranha magia dos seus sonhos, ele começa a construir um caminho para si e para a sua família.
Inesperado em todas as suas facetas, desde a estranheza do mundo onde tudo acontece às escolhas morais ambíguas de todas as personagens, esta é uma história que, apesar de muito diferente do mundo real, tem muito em comum com a realidade quotidiana. Aos mais ricos, tudo é permitido. Aos mais pobres, nem sequer uma oportunidade. E, nesta visão de um mundo de grandes ricos e pequenos pobres, de banqueiros e serviços e políticas que parecem manter tudo sempre no seu lugar – lugar esse que é, naturalmente, definido pelos mais ricos – há todo um mundo de temas e questões relevantes. E uma visão bastante sombria, mas também bastante perspicaz, da nossa própria realidade.
Dado este cenário, não se pode realmente esperar uma história limpa, e muito menos um simples final feliz. Mas também isso faz parte do que torna tudo tão intrigante. Warren e Prayer estão a lutar pela vida, mas viver no seu mundo implica tristeza e raiva e amargas desilusões. E há algo de particularmente impressionante na forma como o autor torna estes sentimentos tão nítidos. Além disso, há um contraste notável entre o mundo dos sonhos e o mundo real, e muita criatividade e possibilidades, o que torna muito mais impressionante quando os sonhos vastos e brilhantes dão lugar a uma realidade tão sombria.
Nada é perfeito nesta história – e é isso que a torna tão única. E, se há personagens e atitudes que são difíceis de entender, e gente que fica para trás no meio de todas as mudanças... bem, faz algum sentido. A vida não é perfeita nem simples. E nunca seria possível alcançar um fim perfeito e bonito no mundo de Warner. Por isso, parece apenas adequado que haja um fracasso para cada sucesso – e que nunca nada termine em perfeição.
Peculiar, mas com muito em comum com a realidade actual, a soma das partes é uma história de personagens imperfeitas num mundo igualmente imperfeito – capazes do melhor e do pior, mas sempre a tentar chegar a um lugar melhor. Intrigante e inesperada, uma boa leitura.

Título: Munmun
Autor: Jesse Andrews
Origem: Recebido para crítica

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