Ao encontrar um papel no chão após a execução de um prisioneiro condenado à morte, o guarda prisional responsável pelo acto sente-se suficientemente intrigado para o levar consigo para casa. Afinal, é apenas um papel com um número escrito. Mas eis que, subitamente, o número começa a aparecer-lhe, em toda a parte, nas mais improváveis sequências e com as mais imprevisíveis consequências. Aparentemente guiado pela sorte, o homem vê-se impelido em direcção a um destino que parece almejar: o mesmo que lhe pôs o papel nas mãos e o leva agora a cruzar-se com uma mulher bonita e a possibilidade de fazer fortuna. Mas a fortuna é uma dama caprichosa... e quanto maior a ascensão, maior a queda.
São muitos os aspectos a impressionar neste livro, mas o primeiro e o mais notável de todos eles é a sua capacidade de dizer tanto sem uma única linha de diálogo. Não há palavras pronunciadas - ou, pelo menos, palavras que cheguem ao leitor - e, ainda assim, a história é ampla, completa e emocionalmente marcante. É fácil sentir com o protagonista, da curiosidade inicial ao entusiasmo ante a promessa de uma felicidade possível e depois ao caos da fúria e da vingança.
Tudo isto é ainda mais notável tendo em conta que se trata de um livro a preto e branco, o que torna o impacto global ainda mais impressionante. Com um estilo muito próprio e de expressividade vincada, o autor dá voz aos pensamentos, emoções e perplexidades do protagonista através de uma muito eloquente expressão facial. Expressão esta que ganha ainda mais força devido ao contraste do mundo de sombras que o rodeia. Entre ruas escuras, lugares de sonho que se transformam em ruínas de pesadelo e um percurso de eterno retorno ao ponto onde tudo começou, tudo converge para a imagem de um círculo vicioso: o inevitável destino que é a verdadeira tragédia desta história.
E há ainda um último contraste: entre a profunda queda que é o cerne deste livro e os pequenos momentos quase enternecedores que fazem com que os momentos mais negros resultem num choque ainda maior. Lucky pode ser um arauto de tragédia futura, mas não deixa de arrancar um sorriso. E é impossível não sentir o contraste entre os laivos de esperança e os de desespero que, em diferentes momentos, surgem no rosto do protagonista.
Surpreendente em todos os aspectos, mas, acima de tudo, na expressividade, trata-se, pois, de um perfeito exemplo do ditado que afirma que uma imagem vale mais do que mil palavras. Intenso, marcante e, a espaços, estranhamente comovente, um livro para recordar durante muito tempo.
Título: O Número 73304-23-4153-6-96-8
Autor: Thomas Ott
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário