Todos nos lembraremos - quanto mais não seja dos tempos da escola - das categorias da poesia medieval: cantigas de amigo, de amor e de escárnio e maldizer. Mas talvez estas últimas não sejam tão conhecidas assim. E é principalmente destas, mas não só, que sai esta selecção de poemas que têm como elo de ligação o erotismo. Erotismo esse que não significa necessariamente - ou pelo menos nem sempre - sensualidade e que, ao olhar moderno, não pode deixar de parecer, no mínimo, politicamente incorrecto.
Um dos primeiros aspectos a salientar neste livro é o registo surpreendentemente actual. Voltando a lembrar a escola, uma das principais complicações da análise da poesia deste tempo era, por vezes, decifrar os significados do galaico-português. Pois bem, neste livro os poemas são traduzidos para o português actual, o que permite apreciar a rima, a métrica e as peculiaridades do conteúdo sem a barreira da compreensão dos vocábulos antigos. E, por falar em palavras peculiares, quem acha que o palavrão se banalizou nos dias de hoje poderá descobrir também, ao ler estes poemas, que é uma tradição mais antiga do que se pensava.
Outro aspecto a reter desta leitura - e particularmente das passagens pelo escárnio - é a recorrência de certas personagens. É algo de estranhamente intrigante ver a forma como diferentes autores dedicavam cantigas a uma mesma figura, evocando as mesmas histórias e rumores e usando-as como tema comum. Claro que importa ver as coisas segundo a mentalidade do tempo, pois o que em tempos foi normal pode agora ser inaceitável, mas não deixa de ser uma realidade que o comportamento da época era assim. E não deixa de haver também um elo comum com a actualidade: ainda hoje, os rumores se espalham como fogo, só que agora a uma escala mais global.
Não é propriamente fácil descrever este livro, mas uma boa forma de o referir será como um modo de dar a conhecer um lado menos divulgado da poesia medieval. Caricato, politicamente incorrecto e com um conceito de erotismo muito diferente do actual, não deixa ainda assim de ser uma parte da história. E uma parte, às vezes, deveras curiosa.
Autor: Victor Correia
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário