El Topo era um bandido que se tornou santo, mas que, ultrapassados os dias mais negros, viu o passado voltar para o assombrar. O filho Caim, que abandonara em criança, cresceu, procurou-o e, vendo-se incapaz de executar no pai a sua vingança, jurou matar o seu filho. E é assim que, de um reencontro feito em dor, nasce uma maldição. Nascido o segundo filho de El Topo, num mundo feito de falsas venerações, Caim é amaldiçoado com a invisibilidade para não poder consumar a sua vingança. Mas, num mundo onde todos desviam os olhos, Caim não está disposto a resignar-se. Nem que isso signifique obter pela força o que de outra forma não pode conseguir.
Embora possa não ser uma absoluta surpresa para quem já leu Os Cavaleiros de Heliópolis (e se não leram, estão à espera de quê?), um dos primeiros aspectos a sobressair desta leitura é a fortíssima carga simbólica que envolve toda esta história e que, neste caso, se torna ainda mais surpreendente dado o contexto envolvente. À primeira vista, o que este livro faz lembrar é uma espécie de western, tanto nos tons do cenário como no vestuário das principais personagens (e sem esquecer, claro, os rasgos de violência). Mas depois há o santo e os seus poderes, a colmeia como símbolo da imortalidade, o sacrifício como promessa do regresso e a visão da morte como um ciclo infinito. Para não falar, claro, em Caim (como na maldição) e Abel, essa tão conhecida história bíblica. Assim, um dos aspectos mais marcantes acaba por ser esta abundância simbólica e a naturalidade com que encaixa numa história que é, acima de tudo, de vingança e ódio.
É também surpreendentemente complexo em termos de impacto emocional, e é curioso notar como isto se aplica sobretudo à figura de Caim. Não é propriamente amaldiçoado sem motivo, e os rasgos de violência lembram-nos precisamente isso. Mas também não nasceu com o ódio no coração e o abandono passado, bem como a invisibilidade presente, fazem com haja também rasgos de humanidade a contrapor à crueldade maior. E, assim, Caim, o maldito, é estranhamente ambíguo - e é precisamente isso que o torna tão interessante.
Importa ainda voltar um pouco atrás para realçar ainda uma outra faceta associada ao simbolismo visual. É que, sendo um livro de grandes dimensões, permite analisar ao pormenor todos os pequenos detalhes da arte, que, principalmente nas partes do livro mais dedicadas ao santo, estão repletas de elementos simbólicos marcantes. A presença das múltiplas religiões - e a questão da pureza enquanto verdadeira força motriz - vem enfatizar a mistura de estranheza e de universalidade que define o mundo onde estas personagens se movem. E reconhecer os símbolos e as suas histórias cria também expectativas para as futuras convergências - e divergências, talvez - que aguardam os percursos de Caim e Abel.
Fica, por isso, este estranho fascínio ante uma história de vingança e de violência que consegue, ainda assim, conter uma vastíssima carga simbólica. E, entre o amor e o ódio, traçar nos corações ambíguos das suas personagens a promessa de uma história que tem ainda muito mais para revelar. Muito bom, em suma. E promete melhorar ainda mais.
Título: Os Filhos de El Topo - Caim
Autores: Alejandro Jodorowsky e José Ladrönn
Origem: Recebido para crítica
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