terça-feira, 31 de outubro de 2017

Sou dos Anos 80 - Não Tenho Medo de Nada (Joana Emídio Marques)

Ah, os anos 80... O tempo em que tudo, desde os desenhos animados às brincadeiras de rua, a música, as séries, até as simples tropelias no recreio... tudo, mas mesmo tudo, falava de aventura. Um tempo em que nem tudo estava ao alcance e muito menos era fácil de obter - mas em que a liberdade se gritava aos quatro ventos e tudo era bem menos analisado. Crescer nos anos 80 podia implicar um ou outro braço partido de uma aventura mais perigosa - mas trazia também a certeza de não ter medo de nada (ou, pelo menos, não o admitir). E o que é certo é que as memórias desse tempo continuam a despertar nostalgia a quem o viveu.
Olhando para o mundo como o vemos hoje, e para todas as mudanças que ele trouxe, é difícil não pensar no passado com uma certa mistura de distância e nostalgia. Mas, para quem passou por experiências como a de tentar reanimar uma cassete com uma caneta ou de trautear ininterruptamente a música do genérico do Dartacão, esta viagem ao passado dificilmente poderia ser mais promissora. E, em jeito de contextualização, começo por dizer que eu cá sou do ano da graça de 1986, o que significa que vivi o suficiente desta era para lhe sentir a nostalgia, embora não conhecendo todas as referências citadas neste livro. O que me põe numa posição particularmente agradável: a de, por um lado, lembrar as coisas que, de alguma forma, marcaram a minha infância e, por outro, a de descobrir coisas que não cheguei a conhecer.
Ora, desta posição privilegiada, consigo ver o atractivo deste livro como tendo duas facetas. Por um lado, para quem viveu os anos 80, como uma fonte de nostalgia e de memórias agradáveis. Para quem não os viveu, como uma jornada de descoberta do passado - com todas as suas peculiaridades e bizarrias que foram precisamente o que o tornou tão único.
E isto leva-me ao que é, para mim, o grande ponto forte deste livro: o equilíbrio entre a experiência pessoal e as muitas referências que vão sendo faladas ao longo do livro. Mais que um enumerar de peculiaridades, este livro surge como um percurso pessoal, como que abrindo portas às memórias que a autora tem em comum com muitos outros filhos desta era. E este registo pessoal reforça a tal nostalgia, evocando os sentimentos que estas memórias provocam, sem nunca perder de vista o cuidado de de explicar os pontos marcantes a quem teve a infelicidade de nunca os conhecer.
Claro que o texto em si bastaria, com todas as suas referências conhecidas, para despertar essa tal estranha nostalgia. Mas há ainda todo um visual a complementar esta visão: o livro é, em si mesmo, um espelho das referências dos anos 80, com as imagens que acompanham o texto e os padrões cheios de cor de todo o livro a reforçar esse impacto na memória. E, com tanto para recordar e uma forma tão cativante para o fazer, difícil é não recuar no tempo, pelo menos por um bocadinho.
Eis, pois, um livro para recordar - ou para descobrir - uma era diferente de tudo o que veio depois. Um tempo de coisas mais simples, talvez, mas de que basta uma pequena memória para despertar todo um carrossel de nostalgia. Se são dos anos 80 - e também não têm medo de nada! - então este é o livro ideal para recordar. E se não são, mas querem saber como foi, então estas páginas são um belo ponto de partida. Recomendo.

Título: Sou dos Anos 80 - Não Tenho Medo de Nada
Autora: Joana Emídio Marques
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Topseller

MAL ME QUER
O corpo sem vida de uma mulher é encontrado no meio da estrada. À primeira vista parece tratar-se de um acidente trágico, mas quando a inspectora Helen Grace chega ao local do crime, torna-se claro para ela que a mulher foi vítima de um assassínio a sangue-frio sem razão aparente.
BEM ME QUER
Duas horas depois, do outro lado da cidade, um empregado de loja é morto, enquanto os seus clientes escapam ilesos.
MAL ME QUER
Ao longo do dia, a cidade de Southampton viverá um clima de terror às mãos de dois jovens assassinos, que parecem matar ao calhas.
BEM ME QUER
Para a inspectora Helen Grace, este dia vai tornar-se uma corrida contra o tempo. Quem vive? Quem morre? Quem será o próximo? O relógio não para…
Se Helen não conseguir resolver este quebra-cabeças mortal, mais sangue será derramado. E, se cometer algum erro, poderá muito bem ser o dela…

M. J. Arlidge trabalha em televisão há 15 anos, tendo-se especializado em produções dramáticas de alta qualidade. Nos últimos anos produziu um grande número de séries criminais passadas em horário nobre na ITV, rede de televisão do Reino Unido.
Escreveu uma nova série policial para a BBC, além de estar a criar novas séries para canais de televisão britânicos e americanos.
Os seus livros anteriores — Um, Dó, Li, Tá, À Morte Ninguém Escapa, A Casa de Bonecas, A Vingança Serve-se Quente, Na Boca do Lobo e O Anjo da Morte — também publicados pela Topseller, foram êxitos de vendas internacionais.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Os Sonetos Completos (Antero de Quental)

Procura o ideal e o absoluto - para encontrar apenas silêncio e escuridão. Fala com um deus que não sabe bem se existe. Contempla as trevas e a luz por entre o peso da vida. E sonha, ainda e sempre, com um amor que se afasta. Tudo isto e mais se poderia dizer sobre o sujeito destes sonetos - alguém que, embora fale como um eu, é uma voz mais ampla que a do indivíduo. E talvez seja precisamente isso que tanto fascínio exerce nestas páginas. O eu que poderia ser qualquer um de nós.
Em jeito de declaração de contexto, é preciso dizer, antes de mais, isto: Antero de Quental foi um dos autores que me cativou para a poesia, no tempo em que poesia eram os versos dos manuais escolares e análise era a contagem das sílabas métricas e a classificação da rima. Talvez por isso, voltar a este autor, ler os sonetos como um todo, deixar falar as impressões mais do que a forma, tem um efeito particularmente marcante. Aquilo que já antes criava empatia desperta agora sentimentos mais intensos. E a sombra dos poemas compreende-se agora melhor, porque mais viva, porque mais fácil de entender.
Porque é de sombras que falamos e, quiçá por defeito pessoal, são os poemas mais sombrios os que se me tornam mais memoráveis. Há algo de facilmente reconhecido no vulto que questiona, que duvida, que não sabe muito bem o que faz. Mas há mais, também. É que, ao ler de uma penada este conjunto, fica-se com a imagem de um percurso: das ilusões do amor ao mergulho inefável no abismo e depois à contemplação do que para lá dele se estende. É como se fosse uma jornada pela vida - e uma jornada tão diferente, nas imagens evocadas, mas contudo tão familiar. 
É como percorrer pessoalmente os caminhos do tal Palácio da Ventura de um destes sonetos - o tal que, depois de toda a glória, contém em si "silêncio e escuridão - e nada mais!" Porque há em tudo isto uma estranha harmonia, uma beleza que se projecta das palavras e que, contudo, canta trevas e sombra como se do mundo se tratasse. No fim, é isto mesmo que mais marca: a forma como, até do "mais pálido, mais triste e mais cansado" consegue brotar uma beleza avassaladora e impressionante.
E o que dizer, então, sobre este livro? Para mim, foi um regresso pessoal a um lugar muito amado, ao mundo onde a poesia é muito mais que sílabas contadas - é um coração que fala por tantos mais. Recomendo este livro? Oh, com certeza. E vale tanto a pena conhecê-lo...

Título: Os Sonetos Completos
Autor: Antero de Quental
Origem: Aquisição Pessoal

domingo, 29 de outubro de 2017

Shimmer & Shine: Pede um Desejo

As gémeas Shimmer e Shine têm um poder genial: podem conceder três desejos por dia à amiga que considerarem perfeita para os receber. Para isso, criaram um frasco que foi parar às mãos da Leah, a amiga escolhida. Mas, novas nisto de realizar desejos, nem sempre as gémeas concedem exactamente aquilo em que a Leah estava a pensar. E o resultado acaba por ser... inesperado.
Magia e diversão nas medidas certas, com uma história simples e descontraída e personagens cativantes: assim se poderia descrever este pequeno livro, evidentemente vocacionado para um público mais novo (e talvez seguidor da série de desenhos animados), mas igualmente cativante em si mesmo e para leitores... vá, menos jovens. E o primeiro aspecto a sobressair é, mais uma vez, o visual, que, não sendo surpresa para quem conhecer a série, não deixa de cativar pela cor e pela forma como completa o texto, dando mais vida à história.
Porque, claro, o essencial é a história, não é? E também neste aspecto a impressão que fica é positiva. Não é nada de particularmente surpreendente numa história de génios que a realização dos desejos nunca corra exactamente como seria de esperar. Ainda assim, a forma leve e divertida como tudo acontece proporciona um bela aventura e bons momentos de diversão. Que mais se pode pedir a um livro destes?
E depois há a mensagem, também ela simples, mas muito positiva: a de que a amizade prevalece sobre os mal-entendidos e os pequenos desastres. Shimmer e Shine podem ser génios inexperientes, mas são amigas fiéis - e, no fundo, é isso que importa. Os amigos têm defeitos, mas são amigos. 
A impressão que fica é, portanto, a de um livro simples e colorido, com uma história cativante e personagens cheias de potencial para grandes aventuras. Divertido, agradável e com uma bela mensagem, uma boa leitura para os mais novos.

Título: Shimmer & Shine: Pede um Desejo
Autor: Nickelodeon
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Imagina Que Não Estou Aqui (Adam Haslett)

No dia em que viu o noivo pela primeira vez, Margaret estava longe de imaginar tudo o que viria depois. Durante o noivado, John foi internado devido a uma depressão e, posta perante a possibilidade de desistir de tudo ou de continuar, aceitando os problemas que daí poderiam advir, Margaret decidiu escolher o amor e seguir em frente com os seus planos. Agora, com três filhos e uma vida nem sempre fácil de gerir, novos fantasmas começam a vir à superfície. O marido, longe do sucesso financeiro que almejava, nem sempre consegue lidar com as suas sombras interiores. E Michael, o filho mais velho, parece já partilhar da companhia do mesmo monstro. São uma família, os cinco - mas que tipo de relação pode perdurar quando se carrega aos ombros um fardo tão pesado? E que fim poderá haver quando as sombras de cada um são os fantasmas de todos?
Narrado na primeira pessoa pelos vários elementos da família e centrado, acima de tudo, nos demónios e provações pessoais que lhes definem os caminhos, este não poderá nunca deixar de ser uma leitura difícil. E não se entenda por difícil que seja maçadora ou cansativa - muito pelo contrário. Embora a complexidade das relações se revele aos poucos e a das personagens exija algum tempo para as conhecer realmente, a dificuldade na leitura tem a ver precisamente com a intensidade: a intensidade de um labirinto emocional que molda vidas inteiras, de um percurso onde todas as vulnerabilidades doem e em que as penas das personagens facilmente se tornam perceptíveis ao leitor. É duro o caminho e nenhum dos passos é fácil. E isso transparece até no mais simples dos momentos.
Mas é precisamente esta dureza que torna a leitura tão marcante. Não há - nunca - a tentação de reduzir aos traços mais simples ao que é, no fundo, um percurso de uma complexidade avassaladora. Seja a doença de Michael, com todos os momentos de estranheza e de agonia em que ela se manifesta, a vulnerabilidade de Margaret, decidida a tudo fazer pelo filho, custe isso o que custar, ou a dificuldade de Alec e Celia em lidar com a situação do irmão ao mesmo tempo que tentam construir para si mesmos uma vida diferente, em todos estes aspectos há um labirinto profundo: de mágoas, de vulnerabilidade, de esperanças feitas desespero, de possibilidades vividas ou deixadas por concretizar. E tudo é complexo. Tudo é profundo. Desde o início pausado onde as peculiaridades começam a revelar-se ao final de pura angústia que, ao mesmo tempo, se assume como tremendo e inevitável.
E há ainda um outro aspecto que torna a leitura mais pausada - mas também muito mais fascinante. Além da complexidade inerente ao tema da doença mental, há ainda outros elementos relevantes a pautar o curso da vida das personagens, começando desde logo pelos interesses de Michael, mas estendendo-se também às relações dos irmãos e à forma como estas lhes condicionam a vida. Em todos estes aspectos há muitos detalhes a assimilar e, no caso da relação de Michael com a música, um mundo de referências mais ou menos fáceis de reconhecer. Ainda assim, e embora o enredo avance por isso a um ritmo mais lento, há ainda um outro efeito interessante em tudo isto: a visão de uma mente (no caso de Michael em particular) capaz de abranger tanto com tanto pormenor torna o seu percurso ainda mais impressionante. E a forma como tudo termina ainda mais memorável. 
Não, não é uma leitura fácil. Mas não haja dúvidas de que justifica todo o tempo e concentração exigidos para acompanhar esta longa jornada. Pois, na intensidade das mais difíceis emoções e na complexidade com que a todos torna vulneráveis, percorrer as páginas deste livro é olhar de frente uma das mais duras - e inevitáveis - facetas da vida: a tortuosidade do caminho e a inevitabilidade do fim. E essa é uma verdade dura, mas que facilmente se grava na memória. 

Autor: Adam Haslett
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Imagina que Não Estou Aqui, clique aqui.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Quando as Girafas Baixam o Pescoço (Sandro William Junqueira)

No lote 19, vivem muitas vidas umas sobre as outras: a Mulher Gorda quer comprar jacintos e a filha, a Rapariga Magra, aceita tudo menos ficar igual à mãe. O Velho sabe que não pode deixar que a morte o apanhe a dormir, enquanto o Homem Desempregado não sabe como saciar a fome a não ser com a memória de refeições passadas. E, entre estes e outros, a vida passa: para uns, traz vinganças e ligações de amor e ódio; para outros, a apatia do que se deixou de sentir. Ao lado, o lote 17 é um buraco à espera de construção - buraco como o das vidas que o observam ao passar.
Não é propriamente fácil traçar uma linha geral para este livro - e, contudo, ela está lá. A história nasce de uma multiplicidade de fragmentos, de pequenos momentos das vidas das várias personagens, como que vistos pelo olhar de alguma entidade distante. E, ainda assim, é incrivelmente fácil entrar na vida destas pessoas, querer saber mais - sobre o que as move, sobre o que são, sobre o que perderam. Tornam-se próximas, talvez precisamente por serem vistas aos poucos - pois o que é a vida senão uma sucessão de fragmentos entrelaçados na memória?
Também fascinante é a forma como todos estes pequenos momentos estão escritos, com a brevidade sintética de quem se cinge ao estritamente essencial. Narram-se os factos, expressam-se os pensamentos e os sentimentos como eles são, sem grandes elaborações nem divagações extensas. E, no entanto, este estilo sintético e preciso abre portas a uma mais ampla complexidade: há frases que contém em si mesmas uma verdade tão vasta que é quase incrível que tenham mesmo tão poucas palavras. E essas frases que ficam na memória, associadas aos pedaços de vida que, no seu conjunto, moldam um todo maior que a soma das suas partes, são o que tornam este mundo de peculiaridades tão real - e tão estranhamente familiar.
E há tantas vidas neste livro... Talvez seja também isso que o torna tão marcante. É que, ao acompanhar tantas personagens num livro tão breve, o autor realça precisamente aquilo que as torna únicas - e, ao mesmo tempo, o que nelas mais desperta interesse e empatia e solidariedade. No fundo, todas estas personagens têm algo de estranho - mas do tipo de estranheza que existe nos recantos mais cruéis da realidade. E, sendo certo que a vida não acaba no fim de uma história, também a história destas personagens não acaba: ficam coisas por dizer, futuros possíveis, bons ou maus. E este ponto de equilíbrio onde tudo termina - pondo fim a algumas coisas, mas deixando tantas outras por dizer - faz um estranho sentido nesta história em que todas as vidas são, por natureza, incompletas.
No fim, fica uma imagem intrigante: a de um livro que marca tanto por acontecimentos específicos como pela teia de sensações e de impressões que tece em torno deles. E é isto, aliás, que torna esta leitura tão memorável: um percurso que se faz vida nas pequenas coisas - e que continua no pensamento depois do fim. 

Autor: Sandro William Junqueira
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Divulgação: Novidade Clube do Autor

Do inferno da Europa em 1945 à Nova Iorque hippie, neste romance premiado com o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa, Adélaïde de Clermont-Tonnerre conta a história dos anos loucos vividos na pele por dois genuínos filhos do século XX: Werner Zilch, nascido na Alemanha no estertor da Segunda Guerra Mundial, e Rebecca Lynch, herdeira de um homem de negócios e de uma mulher que logrou escapar com vida ao campo de concentração de Auschwitz. Uma paixão louca e proibida num cenário histórico repleto de reviravoltas e suspense.
Werner Zilch é um jovem carismático e empreendedor. Adotado desde tenra idade, vê-se confrontado com a descoberta das suas origens, tudo menos gloriosas. Aos olhos dos outros, pode ser considerado responsável pelos erros cometidos pelos seus antepassados? Como aceitar que o seu progenitor estivesse ligado ao nazismo?
A par das personagens, surgem nomes que os leitores por certo reconhecerão, todos eles figuras marcantes do seu tempo. A saber: Andy Warhol, Truman Capote, Tom Wolfe, Joan Baez, Patti Smith, Bob Dylan…
Uma complexa história de amor que é, ao mesmo tempo, um capítulo ficcionado da nossa História. O leitor não conseguirá pousar o livro enquanto não descobrir quem é, na verdade, «O último dos nossos».

Adélaïde de Clermont-Tonnerre nasceu em Neuilly-sur- Seine, a 20 de Março de 1976. Educada num meio artístico, estudou na Escola Normal Superior de Paris. Fourrure, a primeira obra publicada em 2010, recebeu vários prémios literários, entre os quais o Maison de La Presse, Françoise Sagan e Bel Ami, e foi finalista dos conceituados prémios Renaudot e Goncourt (Primeiro Romance).
Jornalista e escritora, é actualmente chefe de redacção da revista Le Point e participa em vários programas de rádio e de televisão. O Último dos Nossos é o seu segundo romance, vencedor do Grande Prémio do Romance da Academia Francesa e finalista do Grande Prémio do Romance Elle.

Divulgação: Novidade Topseller

«Tal como basta apenas um instante para se morrer, também basta apenas um instante para se viver. Fecha-se simplesmente os olhos e deixa-se que todos os receios fúteis se esvaiam.»

O meu nome é Tom Hazard. Pareço ter 40 anos, mas não se deixe iludir… sou muito mais velho do que isso. Séculos mais velho. E este é o meu perigoso segredo.
Fui contemporâneo de Shakespeare, vivi em Paris nos loucos anos 20, cruzei os mares de uma ponta a outra. Eternamente a fugir do meu passado e à procura daquilo que me foi roubado. Mas sem identidade ou raízes, a vida eterna pode tornar-se um vazio.
Numa tentativa de voltar à normalidade, arranjei trabalho como professor de História. (Quem melhor para relatar o passado do que alguém que o viveu realmente?) Talvez desta forma consiga perder o medo de viver.
A única regra para pessoas como eu é nunca se apaixonarem. Infelizmente, descobri isto tarde demais.
Escrito com alma e coração, Como Parar o Tempo celebra aquilo que nos torna humanos e ensina-nos uma verdade universal: a vida deve ser vivida sem medos.

Matt Haig foi jornalista, tendo colaborado com o The Guardian, o Sunday Times e o Independent.
Escreveu o seu primeiro livro em 2004 e, desde então, nunca mais parou. Autor bestseller com obras para adultos e para o público mais jovem, venceu o Blue Peter Book Award, o Smarties Book Prize e foi três vezes finalista do prémio literário Carnegie Medal. Os seus livros estão traduzidos em mais de 30 línguas e os direitos deste seu mais recente romance foram adquiridos para adaptação ao cinema.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Psicopaita (Luís Coelho)

Há crianças que vieram ao mundo para semear o caos - nomeadamente na vida dos pais. E quem acha que ter filhos é só uma sucessão de momentos fofos e ternurentos bem pode preparar-se para a verdade... nas páginas deste livro, por exemplo. Numa vasta série de crónicas sobre as agruras da paternidade, o autor percorre todas as situações de que ninguém fala a alguém que está a pensar em ter filhos, sejam elas as vergonhas, as preocupações, os diferentes graus de irritação... e todo um leque de problemáticas capazes de dar cabo do juízo dos pais. E quem já os tem... bem, decerto que se poderá identificar com algumas das muitas experiências partilhadas neste livro.
Basta olhar para a capa deste livro e para aquele muito evidente "tudo o que as crianças fazem que dá vontade de as esganar" - para não falar no próprio título, é claro - para adivinhar que uma boa dose de experiências razoavelmente irritantes (para o protagonista, não para os leitores, entenda-se) se avizinham. Mas uma das primeiras surpresas neste livro e também um dos aspectos mais divertidos está nas pequenas biografias que abrem cada secção - biografias de famosos psicopatas que, contadas de forma sucinta e caricata, surgem como estranhamente adequadas às variadas provações (mais uma vez, do protagonista, não dos leitores) que se lhes seguem. 
Mas passemos ao cerne da questão e às muitas tribulações contadas ao longo deste livro. Há dois aspectos que sobressaem: primeiro, a capacidade de contar episódios que, quando vividos, devem, na verdade, ter sido frustrantes, com um belíssimo sentido de humor; e segundo, o facto de que, experiências difíceis à parte, o afecto continua a transparecer em cada um dos textos. E isto é particularmente interessante porque, se tivermos em conta o título, é apenas expectável um certo toque de humor negro (e, oh, ele está lá...). Mas sendo facilmente reconhecível como tal, e complementado por um afecto igualmente expressivo, o resultado é um equilíbrio muito interessante, reflexo dessa mesma tal vontade de os esganar - e, ao mesmo tempo, de os proteger de tudo.
Claro que será um livro mais facilmente apreciado por quem tem filhos, até porque só quem os tem poderá entender verdadeiramente o tipo de experiências de que o autor está a falar. Ainda assim, já todos convivemos com as crianças dos outros. E é interessante considerar a forma como algumas das experiências de que o autor fala se aplicam, até certo ponto, ao contacto com qualquer outra criança. Quanto a quem tem filhos... bem, de certeza que se poderá identificar pelo menos com algumas das coisas que o autor conta. 
Tudo somado, temos uma leitura leve e descontraída que traça um retrato divertido - ainda que talvez não para o protagonista - das aventuras e desventuras de se ser pai. Divertido e cativante, um bom livro para descontrair.

Título: Psicopaita
Autor: Luís Coelho
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Topseller

Emily Vale é uma escritora em ascensão ao abrigo do seu pseudónimo, Lady Justiça. E a sua escrita incendiária está a deixar Colin Gray furioso. Para além de Conde de Egremoor, Colin é também Peregrino, o líder do secreto Clube do Falcão, que se dedica, entre outras actividades, a encontrar pessoas desaparecidas.
As exigências constantes de Lady Justiça pelos mais pobres e as suas intromissões na política do reino, pondo em causa tanto a nobreza como o Clube, fazem com que Colin a considere sua némesis. E está decidido a desmascará-la.
O que Colin não sabe é que por detrás de Lady Justiça está uma amiga de infância, a quem salvou a vida quando eram crianças. Emily, por sua vez, também desconhece o papel de Colin como Peregrino.
Quando a sua irmã desaparece, Lady Justiça vê-se obrigada a recorrer ao Clube do Falcão e a Peregrino. Quando se encontram, Emily fica chocada ao descobrir a verdade, mas consegue proteger a sua própria identidade com um véu.
Conseguirá Emily proteger o seu segredo do rapaz que tanto adorava?
Será ela capaz de aceitar a ajuda do homem que ele se tornou, símbolo de tudo o que ela detesta? E, no meio de tanto conflito, poderá o amor florescer?

Katharine Ashe é uma autora bestseller do USA Today, de romances de época, com uma vasta legião de fãs. Os seus livros estão traduzidos em várias línguas, sendo amplamente elogiados e recomendados por importantes media internacionais como Publishers Weekly, Booklist, USA Today, Library Journal e Kirkus Reviews.
A autora foi também finalista do prémio RITA (Melhor Romance Histórico). Vive no sudeste dos Estados Unidos com a sua família, dedicando-se, além da escrita, ao ensino de História Europeia. Katharine Ashe acredita que os leitores modernos merecem, além de grandes aventuras, uma boa dose de sensualidade de cortar a respiração.

sábado, 21 de outubro de 2017

The Room by the Lake (Emma Dibdin)

Incapaz de lidar com os problemas na sua vida, Caitlin mudou-se impulsivamente para o outro lado do oceano, mas agora sente-se só e perdida. Não sabe ao certo o que fazer, por isso limita-se a vaguear, tentando encontrar alguém e deixar para trás o nevoeiro que lhe turva os pensamentos. E então, um dia, conhece Jake e ele parece ser tudo o que ela tem andado a procurar. Até que uma promessa de conhecer a família dele se transforma em algo diferente. Junto ao lago, um grupo de apoio isolado vive em comunidade, partilhando tudo uns com os outros. Mas há algo de estranho nesse grupo e, embora Caitlin questione o que se passa à sua volta, a necessidade de pertencer é mais forte que as dúvidas. Não tarda, os seus pensamentos começam a ficar turvos e o seu maior medo começa a emergir-lhe da própria mente… Fugir deixou de ser possível. Ou talvez nunca tenha sido.
Um dos aspectos mais intrigantes deste livro é que, embora leve o seu tempo a chegar às partes assustadores, há sempre nele uma certa aura inquietante, como uma estranha sensação que diz que há coisas mais negras para vir. E assim, o que começa como uma história um pouco triste (embora intrigante) sobre uma rapariga que deixou tudo para trás para não encontrar nada melhor do outro lado, não tarda a transformar-se numa narrativa mais perturbadora, sobre pessoas que parecem viver em tranquila comunhão, mas que na verdade guardam segredos no seu seio. Tudo evolui gradualmente, mas de forma envolvente. E, à medida que as páginas passam, a intensidade aumenta. E os últimos capítulos… bem, são simplesmente assustadores.
Também surpreendente, e uma das grandes forças deste livro, é o facto de, apesar de haver segredos perturbadores e episódios assustadores a acontecer, o caminho nunca é previsível. A comunidade não é, obviamente, o refúgio que devia ser, mas as coisas más que acontecem nunca são as mais expectáveis. E, ao contar a história do ponto de vista de Caitlin, o impacto deste percurso sai reforçado, pois muitos dos segredos obscuros têm origem na manipulação da mente, e a autora dá-lhe o tom ideal ao narrar tudo pela voz por vezes confusa da protagonista.
Há também muitas questões relevantes a ter em conta ao longo desta história: a ideia de comunidade e as possibilidades de adaptar este conceito a intenções perversas; a doença mental e o impacto que tem sobre a família; a impressão de crença, de querer, e como a mente constrói narrativas reconfortantes para se adaptar ao objectivo desejado. Tudo isto está, de algum modo, presente na história de Caitlin e o facto de estas questões pertinentes surgirem da narrativa de forma totalmente natural e sem diluírem a intensidade global do enredo é outra das muitas qualidades deste livro. E, no fim, tudo o que precisa de ser dito está lá. E o que não está… bem, faz sentido que fique por dizer.
A soma de tudo isto é, portanto, um livro intenso e misterioso, com grandes (mas falíveis) personagens e uma história que vagueia pelos labirintos da mente para criar uma teia de intensas e intrigantes surpresas. Envolvente, inesperado e fascinantemente construído, uma leitura bastante impressionante, e um livro que não posso deixar de recomendar.

Título: The Room by the Lake
Autora: Emma Dibdin
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Divulgação: Novidade Bertrand

Chegado à sua quarta escola em seis anos, Osei Kokote, filho de um diplomata, sabe que precisa de um aliado se quiser sobreviver ao primeiro dia de aulas. É uma sorte dar-se tão bem com Dee, a rapariga mais popular da escola. Mas há um colega que não suporta aquela relação: Ian decide destruir a amizade entre o rapaz negro e a menina de ouro. Chegados ao fim do dia, a escola e os seus principais actores (professores e alunos) nunca mais serão os mesmos. A tragédia de Otelo é transportada para o recreio de uma escola suburbana de Washington nos anos 70, onde os miúdos se apaixonam e desapaixonam antes da hora de almoço e praticam um racismo casual que vem de casa e dos professores. Tracy Chevalier cria um fortíssimo drama de amizades despedaçadas pelo ciúme, pelo bullying e pela traição.

Tracy Chevalier é autora de nove romances, incluindo o bestseller internacional Rapariga Com Brinco de Pérola, que vendeu mais de 5 milhões de exemplares e foi adaptado ao cinema. Americana de nascimento, britânica na geografia, vive em Londres com o marido e o filho. Tracy é membro da Royal Society of Literature e pode ser encontrada no site: www.tchevalier.com.

Divulgação: Novidades Topseller

As histórias não podem ser aprisionadas.
Subhi é um rapaz cheio de sonhos. Desde que nasceu, vive com a mãe e a irmã num campo de detenção permanente de refugiados.
Nunca conheceu nada para lá das cercas e das tendas de lona, mas a sua imaginação não tem limites.
Todas as noites, Subhi ouve o longínquo canto das baleias e escuta o que os pássaros vêm sussurrar-lhe ao ouvido. As histórias que ouve, que lê e que conta tornam-se o centro da sua vida.
Até que, um dia, Subhi conhece Jimmie, uma menina que vive do lado de lá da cerca de arame. Ela traz consigo um caderno escrito pela sua mãe, já falecida. Mas Jimmie não conhece as letras e é Subhi que lhe lê as histórias daquele livro tão especial e mágico.
Cada conto dá lugar a uma revelação. Cada revelação dá lugar a novas histórias contadas dos dois lados da cerca. Pelo caminho, uma amizade profunda vai crescendo, trazendo consigo o conforto e a coragem de que Subhi e Jimmie vão precisar até conquistarem, finalmente, a liberdade.

Zana Fraillon nasceu em Melbourne, na Austrália, mas passou a sua infância em São Francisco, nos Estados Unidos.
Já escreveu livros para crianças e jovens de diferentes idades. Quando não está ocupada a ler ou a escrever, adora explorar museus e recantos secretos espalhados pela cidade. Na sua opinião, ambos oferecem aquela mesma emoção que se sente ao abrir um livro: tudo pode acontecer.
A autora regressou recentemente à sua terra natal, onde mora com os três filhos, o marido e dois cães.

No mundo da Nightingale Books serve-se romance e a cura para um coração partido. Este é o sítio onde as melhores histórias não se encontram apenas nas páginas dos livros, mas nas vidas dos que por lá passam.
Depois da morte do pai, Emilia regressa a Peasebrook para gerir a velha livraria da família, Nightingale Books — o sonho de qualquer bibliófilo e um refúgio para os moradores desta pequena vila. Mas agora que está responsável pelo seu futuro, Emilia terá de afastar potenciais compradores, ao mesmo tempo que tenta cumprir o último desejo do pai.
Uma livraria extraordinária com pessoas extraordinárias…
Desde a mulher que a visita há anos, ao recém-divorciado que tenta reaproximar-se do filho, e ainda a tímida chef de cozinha que se apaixona na secção de culinária… há algo de magnético neste sítio. Até Emilia sente as forças da livraria a conspirarem por si quando se cruza com um homem a quem não consegue ficar indiferente. Com todos a depender dela, conseguirá Emilia encontrar um destino feliz para a livraria e os seus leitores?
No mundo da Nightingale Books serve-se romance e a cura para um coração partido. Este é o sítio onde as melhores histórias não se encontram apenas nas páginas dos livros, mas nas vidas dos que por lá passam.

Veronica Henry é filha de militares, o que a levou a mudar várias vezes de cidade e de escola. Formou- -se em Estudos Clássicos, na Universidade de Bristol, e complementou a sua formação com um curso de secretariado bilingue. Após a conclusão, trabalhou como assistente de produção na radionovela britânica The Archers, que lhe deu bases para trabalhar como guionista numa estação de televisão.
Em 2000, publicou o seu primeiro livro e desde então a sua obra cresceu, tendo mais de 15 livros no currículo e muitos artigos publicados na imprensa.

Na pequena aldeia islandesa de Siglufjördur, o jovem polícia Ari Thór Arason procura refúgio do seu passado e dos horrores que nele se escondem. Apesar do isolamento da aldeia, acessível apenas por um pequeno túnel nas montanhas, mantém uma relação difícil com os aldeões, que o acham estranho. Exausto, e com a sua vida privada a intrometer-se no trabalho, Ari Thór mete baixa.
Com Ari Thór ausente, o polícia que o substitui, e seu único colega, é assassinado à queima-roupa, a meio da noite, numa casa deserta. Cabe agora a Ari Thór deslindar um caso que rapidamente se torna muito mais complicado do que parecia: a comunidade fecha-se, a política local dificulta tudo, e o novo presidente da Câmara envolve-se no caso muito além da sua função.
A investigação vai levar Ari Thór até bem longe da aldeia. O que terá a ala psiquiátrica de um hospital em Reiquiavique a ver com este crime? O que será que todos em Siglufjördur estão a tentar esconder? E conseguirá Ari Thór aguentar uma investigação tão exigente?

Ragnar Jónasson nasceu na Islândia e é um autor bestseller internacional publicado em 18 países, com amplo sucesso junto da crítica. Trabalhou em televisão e em rádio, inclusive como jornalista da Radiotelevisão Nacional da Islândia. Actualmente é advogado e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Reiquiavique.
Autor em ascensão na literatura policial internacional, Jónasson traduziu 14 livros de Agatha Christie para islandês e viu já vários dos seus contos serem publicados em revistas literárias alemãs, inglesas e islandesas.
Noite Cega é o segundo livro do autor na Topseller, seguindo-se a Neve Cega, e continua uma série de extraordinário sucesso em todo o mundo, agarrando os leitores portugueses da primeira à última página.

Divulgação: Novidade Porto Editora

«No meio do inverno, aprendi por fim que havia em mim um verão invencível»
Isabel Allende parte da célebre frase de Albert Camus para nos apresentar um conjunto de personagens próprios da América contemporânea que se encontram «no mais profundo inverno das suas vidas»: uma mulher chilena, uma jovem imigrante ilegal guatemalteca e um cauteloso professor universitário.
Os três sobrevivem a uma terrível tempestade de neve que se abate sobre Nova Iorque e acabam por perceber que para lá do inverno há espaço para o amor e para o verão invencível que a vida nos oferece quando menos se espera.
Para lá do inverno é um dos romances mais pessoais da autora: uma obra absolutamente actual que aborda a realidade da migração e a identidade da América de hoje através de personagens que encontram a esperança no amor e nas segundas oportunidades.

Isabel Allende, nascida em 1942, de nacionalidade chilena-americana, viveu no Chile entre 1945 e 1951, quando começou a viajar seguindo o seu padrasto, um diplomata chileno. Iniciou no Chile a sua carreira como jornalista. Após o golpe militar de 1973, refugiou-se na Venezuela, onde residiu treze anos, e aí começou a escrever. Desde
1988 vive na Califórnia.
Em 1982, o seu primeiro romance, A casa dos espíritos, transformou-se num dos títulos míticos da literatura latino-americana. Desde então escreveu vinte e dois livros, que se tornaram êxitos internacionais. A sua obra foi traduzida para trinta e cinco línguas e vendeu mais de sessenta e sete milhões de exemplares. Recebeu mais de cinquenta prémios internacionais e treze doutoramentos honorários. Em 2010 foi galardoada no Chile com o Prémio Nacional de Literatura, e em 2014 recebeu a Medalha da Liberdade, o galardão civil mais importante dos Estados Unidos.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Um dos Nossos (Daniel Magariel)

A guerra acabou, finalmente - e, por guerra, entenda-se o processo de divórcio. Agora, são só eles os três: ele, o pai e o irmão mais velho, rumo a uma vida nova no Novo México, onde poderão finalmente ser livres e recomeçar. Mas recomeçar como, se os fantasmas que os levaram até ali continuam vivos? E como, se o que começa por ser um recomeço promissor não tarda a resvalar para velhos vícios e não tão velhas violências? Não tarda, o que parecia apenas estranho transforma-se numa espiral de autodestruição. E, sozinhos num laço cada vez mais disfuncional, os dois irmãos precisam de se escolher a si mesmos e não à necessidade de ser apenas "um dos nossos."
Não é propriamente fácil falar sobre este livro, pois um dos primeiros aspectos a destacar-se é o facto de marcarem mais as impressões emocionais do que a narração em si. A história é contada pelo mais novo dos dois irmãos e, posto perante uma situação de mudança e de escolha num tempo em que vive ainda toda a inocência (e lealdade por vezes distorcida) da infância, é como se cada momento fosse uma espécie de revolução. E é fascinante como esta impressão - a de uma criança confusa que só quer pertencer - facilmente passa para o leitor. Sem elaborações desnecessárias, sem grandes descrições ou introspecções, o autor dá ao seu protagonista a voz de que precisa para expressar a sua vulnerabilidade.
E é de vulnerabilidade que se trata, de uma fragilidade que se revela a cada novo acesso das trevas que, aos poucos, começam a rodear a vida do protagonista. O que parecia ser uma relação difícil (e bastam os primeiros momentos para perceber que há, de facto, uma guerra a acontecer) não tarda a revelar-se como algo ainda mais negro. E ver esse crescendo de escuridão pelos olhos do mais inocente dos intervenientes... bem, é angustiante. E mais o é ainda pela precisão com que o autor constrói a história - realçando em actos todos os erros, toda a manipulação, toda a violência... todo o abandono. No fim, é impossível não ficar de coração apertado por estes dois irmãos que, num mundo onde ninguém é perfeito, parecem ter de carregar todo o peso da imperfeição aos ombros.
Há ainda um outro aspecto curioso a sobressair desta viagem: é que, em pouco mais de cento e cinquenta páginas, fica-se com a sensação de ter percorrido uma vida inteira! O que não pode senão fazer todo o sentido, até porque, na infância, cada dia pode parecer uma eternidade, e ainda mais nas condições destas personagens. Além disso, esta relativa brevidade tem ainda o efeito de maximizar o impacto de cada momento, fazendo da história uma constante sucessão de revelações perturbadoras que, por mais angustiantes que sejam, não é possível abandonar antes de saber o que acontece depois. E, bem... o que acontece depois - o que é contado e o que não é - é também algo que faz um estranho sentido, deixando em aberto todas as possibilidades.
Intenso, angustiante, perturbador, eis, pois, um livro capaz de despertar um amplo espectro de emoções, e que, na sua relativa simplicidade, consegue conter a complexidade de uma vida inteira, em toda a sua glória e destruição. Memorável em todos os aspectos - e principalmente na voz que conta toda esta história - um livro que não posso deixar de recomendar. 

Título: Um dos Nossos
Autor: Daniel Magariel
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Topseller

Para sobreviver a um assassino, é preciso ter um instinto assassino.
Há dez anos, Quincy Carpenter, uma estudante universitária, foi a única sobrevivente de uma terrível chacina numa cabana onde passava o fim de semana com amigos. A partir desse momento, começou a fazer parte de um grupo ao qual ninguém queria pertencer: as Últimas Vítimas. Desse grupo fazem também parte Lisa Milner, que perdeu nove amigas esfaqueadas na residência universitária onde vivia, e Samantha Boyd, que enfrentou um assassino no hotel onde trabalhava.
As três raparigas foram as únicas sobreviventes de três hediondos massacres e sempre se mantiveram afastadas, procurando superar os seus traumas. Mas, quando Lisa aparece morta na banheira de sua casa, Samantha procura Quincy e força-a a reviver o passado, que até ali permanecera recalcado.
Quincy percebe, então, que se quiser saber o verdadeiro motivo por que Samantha a procurou e, ao mesmo tempo, afastar a polícia e os jornalistas que não a deixam em paz, terá de se lembrar do que aconteceu na cabana, naquela noite traumática.
Mas recuperar a memória pode revelar muito mais do que ela gostaria.

Riley Sager (pseudónimo) é natural da Pensilvânia. Escreve e trabalha em edição e design gráfico.
Vidas Finais: As Sobreviventes é o seu primeiro thriller e foi um verdadeiro êxito, tendo sido publicado em mais de 18 países.
Além de escrever, Riley adora ler, ver filmes e cozinhar.
Actualmente, vive em Princeton, New Jersey

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Os Melhores Contos de Edgar Allan Poe - segunda parte

Continuando na senda das leituras de Poe, e deste livro tão fascinante no aspecto como no conteúdo, volto aos ambientes sombrios deste livro para lhe percorrer os labirintos de mistério e imaginação.

E com sombras começo, pois O Poço e o Pêndulo é precisamente o relato da mais terrível e tenebrosa das sentenças de morte. Descrito com um detalhe avassalador e, precisamente por isso, aterrador na sua exactidão, este é um conto de emoções intensas - e onde o sinistro toma formas inimagináveis.
Segue-se O Mistério de Marie Rogêt, e o regresso do fascinante Auguste Dupin. História da resolução de um crime por via estritamente racional, este é um conto que, bastante extenso e elaboradíssimo na sua análise dos pormenores, consegue ser um pouco cansativo. Mas há na forma como tudo, incluindo o mais pequeno detalhe, encaixa na resolução do mistério um estranho fascínio - e esse contempla amplamente o muito pausado ritmo da narrativa.
Passando do racional ao sinistro, segue-se O Coração Delator, mais breve e consideravelmente mais intenso, mas com a mesma aura de mistério que tanto cativa neste autor. A história é a de um crime longamente planeado e a da mais imprevista forma de revelação. E é essa surpresa final - não de quem é o culpado, mas de como este se revela - que torna o conto tão sombrio e fascinante. 
O Escaravelho de Ouro conta como a descoberta de um simples, embora invulgar, insecto dá origem a uma descoberta muito, muito mais preciosa. Intrigante pela aura de mistério e perplexidade da fase inicial, este conto surpreende, acima de tudo, por partir de um grande desconhecido, para depois aplicar à descoberta um processo dedutivo digno de um  - aqui ausente, mas inevitavelmente trazido à memória - Auguste Dupin.
Segue-se O Gato Preto, história de um temperamento que se torna perverso e de uma também perversa espécie de justiça poética. Sombrio, cruel, sinistro a espaços, mas estranhamente fascinante na sua caminhada progressiva ao que desde muito cedo se sente que será um final revelador, este é um conto que, apesar de não ser particularmente extenso, consegue, ainda assim, transmitir toda a força do cenário - físico e mental - em que decorre.
Montanhas Escabrosas une duas vidas através de uma visão, numa história enigmática e um tanto ambígua, onde parecem ficar algumas explicações por dar, mas em que as perguntas deixadas sem resposta nada tiram ao fascínio do mistério.
O Anjo do Bizarro, por sua vez, explora as relativas probabilidades dos acontecimentos bizarros, na forma de uma sucessão de peculiaridades... premeditadamente induzidas. Caricato na sucessão de acontecimentos, mas principalmente na figura que os faz surgir, um conto inesperadamente leve e cativante - e uma boa surpresa por entre tantas sombras.
Segue-se A Carta Furtada, mais um dos intrigantes casos de Auguste Dupin. Neste caso, a resposta parece fugir até aos métodos de investigação mais sofisticados, mas as capacidades de Dupin nunca desiludem. Intrigante, misterioso e - desta vez - também com um leve toque de vingança pessoal, mais um conto cheio de surpresas.
Depois vem Pequena Discussão com uma Múmia, que traz um antigo egípcio do seu sarcófago para um aceso debate entre os méritos das diferentes épocas históricas a que pertencem múmia e seus interlocutores. Peculiar, mas muitíssimo cativante, surpreende também pela forma como põe em contraste os sucessos alegadamente inovadores e os seus semelhantes do passado. 
O Demónio da Perversidade abre como que num registo de introspecção, ponderando nas razões que levam a fazer o que não se devia - para depois exemplificar com um caso prático em que fazer o devido significa guardar segredos mais negros. Breve e inicialmente pausado, este é um conto que surpreende pela súbita mudança de registo, marcando também pela forma como, tanto na introspecção como na acção, se sente precisamente o mesmo fascínio.
O Sistema do Doutor Alcatrão e do Professor Pena, conto de longo título, narra uma estranha visita a um asilo de loucos, cujo famoso método parece ter sido substituído por algo de consideravelmente mais estranho. Não sendo propriamente imprevisível, este é um conto que se destaca pela bizarria do ambiente, bem como pela relativa inocência com que o narrador parece encarar as circunstâncias em que se meteu. 
Segue-se A Verdade sobre o Caso do Senhor Valdemar, história de uma experiência realizada na iminência da morte e dos seus surpreendentes e tenebrosos resultados. Intrigante e sinistro, também neste conto não é difícil antecipar de que forma as coisas poderão terminar. Ainda assim, esta relativa previsibilidade nada retira à intensidade de um relato onde tudo no seu aspecto sombrio desperta como que uma estranha intensidade.
Também um dos contos mais conhecidos do autor (e também um dos meus favoritos), A Pipa de Amontillado conta a história de uma vingança meticulosa, num registo tão mais sinistro pela aparente leveza que parece mover os gestos do protagonista. Intenso e memorável, um conto que, apesar do ambiente também sombrio, perturba muito mais pelas acções que pelos cenários.
E o último conto é Hop-Frog, também ele uma história de vingança, e esta ainda mais elaborada que a do conto anterior. Além do cenário impressionante e da habitual intriga sombria e fantasticamente construída, sobressai ainda um outro aspecto neste conto: a forma como a vingança de Hop-Frog contém também em si como que um laivo de justiça poética. 

Que faltará dizer sobre este livro? Não muito, até porque a melhor forma de lhe conhecer as qualidades (e são tantas...) é mesmo lendo-o. Mas importa realçar ainda uma vez mais que, ao dar a tão vasto e impressionante conteúdo um aspecto também ele impressionante, este extenso e belíssimo volume torna a viagem ainda mais memorável. E, num cenário tão vasto e sombrio como o dos contos de Poe, até o mais pequeno dos detalhes impressiona. A imagem que fica é, portanto, muito simples: a de uma belíssima forma de conhecer estes contos para quem nunca leu nada de Poe - e a de um livro imperdível para os apreciadores do autor. Magnífico.

Autor: Edgar Allan Poe
Origem: Recebido para crítica

domingo, 15 de outubro de 2017

O Monstro das Cores (Anna Llenas)

O monstro das cores está confuso. Tem as emoções todas emaranhadas e agora não sabe o que está a sentir. Mas, felizmente, também tem uma amiga capaz de ajudar, explicando-lhe as sensações de uma forma ordenada, que lhe permita entender melhor o que sente e porquê. Numa história de cores - e de emoções também com cor - o monstro descobre que aquilo que sente pode nem sempre ser fácil de explicar - mas talvez não seja assim tão difícil de identificar.
Muito simples, muitíssimo breve, e contudo muito relevante, a primeira coisa a cativar neste pequeno livro é o aspecto visual. Trata-se de um livro pop-up, o que significa que há uma pequena surpresa à espera ao virar de cada página e também de um livro muito colorido, o que certamente chamará a atenção dos mais novos para a pequena história contida no seu interior. 
Mas o tema são as emoções e, além de despertar curiosidade, o aspecto ajuda também a entendê-las melhor, pois cada pequeno episódio ilustra de forma simples, mas bastante clara, a emoção a que corresponde. Ora, isto é interessante porque, se às vezes até para os adultos é difícil dizer o que se está a sentir, para uma criança que está a descobrir as emoções, ter um guia simples e divertido como este não pode deixar de ser útil. Além disso, há algo de enternecedor nesta forma tão simples de expressar as coisas. Pois o mundo adulto pode ser muito complicado - mas, às vezes, o essencial vê-se por olhos mais inocentes.
E, ao ser tão breve, é também um livro fácil de ler em voz alta. É essa, aliás, uma das primeiras impressões ao abrir o livro - a ideia de ir explorando as imagens e contando a história - como que possibilitando uma partilha de momentos. Que melhor impacto poderia ter um livro sobre emoções?
Tudo somado, a impressão que fica é a de uma leitura muito, muito simples, mas também muito interessante. Bonito, inocente, divertido e relevante, um bom livro para ler - ou dar a ler - aos mais novos.

Título: O Monstro das Cores
Autora: Anna Llenas
Origem: Recebido para crítica

sábado, 14 de outubro de 2017

Saudação a Walt Whitman / Canto de Mim Mesmo (Álvaro de Campos / Walt Whitman)

É possível que haja algo de inspirado em Whitman nas múltiplas personalidades de Pessoa - até porque as influências que, a dado momento, são negadas, podem num outro instante ser admitidas de outra forma. E, se a influência molda o influenciado, não será também mutável a visão que este tem de quem o influencia? É este talvez um dos aspectos mais curiosos deste livro: pois, lendo Campos, vê-se um Whitman um pouco diferente do que se vê... bem, em Whitman. E, lendo Whitman, vê-se uma influência que talvez não se estenda apenas especificamente a Álvaro de Campos.
Um dos aspectos mais interessantes destes Livros Amarelos, e escusado será dizer que este não é excepção, é a forma como a junção das duas obras põe em evidência relações que, não sendo propriamente óbvias à primeira vista, fazem do livro total uma unidade maior que a soma das suas partes. E isto é particularmente evidente neste livro, já que o poema de Álvaro de Campos tem o autor do Canto de Mim Mesmo como tema central. Será, aliás, esta relação entre as duas obras o aspecto mais memorável do livro, já que, tanto pelos poemas em si, como pelos sucintos e esclarecedores textos que os acompanham, a tal delicada relação de influência sai claramente realçada. 
Mas nem só de interacções vive o livro e é preciso considerar cada uma das obras como uma entidade completa e individual. E aqui surgem sentimentos diferentes. A Saudação a Walt Whitman parece traçar o retrato de um ídolo imaginado, de uma influência parcialmente assumida que se entrelaça na voz peculiar do próprio autor (ou, digamos, desta personalidade específica do autor). Por sua vez, Canto de Mim Mesmo, mais longo, mais conjunto que unidade, é um percurso mais amplo, mais diverso, através das múltiplas facetas do mundo. Facetas essas que conseguem, por vezes, ser descritas até à exaustão, deixando o lado lírico para um notório segundo plano e assim distanciando-se um pouco do impacto das visões descritas. 
O que me leva novamente à influência - e ao sempre delicado equilíbrio entre influências e identidade própria. Álvaro de Campos pode ser influenciado por Whitman, mas é, ainda e sempre, muito diferente. E, embora este seja um poema em que essa influência se evidencia (ou, pelo menos, até certo ponto, pois o Whitman que Campos descreve não é bem o que emerge do Canto de Mim Mesmo), são também muito claros os traços próprios do poeta. E são esses, afinal, os que realçam a diferença entre as duas partes.
O que fica, então, desta leitura? Para começar, duas obras relevantes e fascinantes, à sua maneira, dois retratos de um mundo traçado segundo uma visão particular. E, principalmente, a imprevista coesão que nasce da união de duas obras tão diferentes (e, contudo, tão próximas) formando um livro que deixa uma marca maior do que qualquer das suas partes lida separadamente. Cativante, inesperado e muito, muito interessante, um belo reforço para os Livros Amarelos. 

Título: Saudação a Walt Whitman / Canto de Mim Mesmo
Autores: Álvaro de Campos / Walt Whitman
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Os Melhores Contos de Edgar Allan Poe - primeira parte

Edgar Allan Poe. Senhor de histórias de horror e de poemas igualmente sombrios. Se me conhecem, não será propriamente uma surpresa se eu disser que é um dos meus autores de eleição - ou não tivesse esta minha casa o nome que tem. E esta edição dos melhores contos de Poe é algo de muito especial. Para começar, vejam o livro ao vivo e vão reparar que tem um aspecto fantástico. Aspecto esse que se estende também ao interior, onde as ilustrações dos vários artistas parecem funcionar como o complemento perfeito para as palavras do mestre. O livro é lindo, portanto, e isto basta para o descrever. Mas, como em todos os outros livros, o mais importante é o conteúdo. E, sendo um livro de tão vasto conteúdo, importa considerá-lo conto a conto. Por isso, vamos por partes.

Metzengerstein, o conto que abre este volume, fala de duas famílias rivais e de um misterioso cavalo cuja singularidade desperta obsessões. Enigmático, com tanto de inexplicável como de fascinante e a aura de mau presságio que parece pautar muitos dos contos do autor, abre da melhor forma esta viagem aos meandros do mistério, com um enigma que, deixando tanto em aberto, atinge, ainda assim, o mais perfeito dos finais.
Segue-se Berenice, história de uma obsessão tornada horror. Centrado em grande medida nos pensamentos do protagonista, o mais marcante neste conto é a forma como o ritmo pausado da narrativa, como que ao fluir do pensamento do narrador, dá lugar a uma revelação intensa e inesperada.
Em O Rei Peste, dois marinheiros embriagados fazem uma visita acidental ao Palácio da Peste. Sombrio em todos os seus muitos detalhes e particularidades, e especialmente fascinante no ambiente sinistro - e um tanto ou quanto caricato - que evoca, cativa, acima de tudo, pela forma como faz surgir, a partir de um ambiente tão ominoso, um episódio quase que divertido.
Sombra, um dos contos mais breves, narra um estranho velório e uma ainda mais estranha aparição, no mesmo registo sombrio, descritivo e estranhamente fascinante que é característico do autor. História de uma manifestação sobrenatural, um conto sem explicações, mas cativante pelo acontecimento em si.
Segue-se Silêncio, também um conto breve, onde duas maldições se confrontam: a desolação e o silêncio. Ambíguo na forma como no conteúdo, parece reflectir muito mais do que uma história contada pelo diabo, surgindo antes como uma estranha e elaborada metáfora para os terrores silenciosos... do silêncio.
O Diabo no Campanário fala de um burgo ordeiro e onde os elementos reinantes são relógios e couves. Extensamente descritivo e com um início um pouco confuso, cativa, em primeiro lugar, pela bizarria do cenário, e depois pela rápida passagem da ordem ao caos.
O conto que se segue, A Queda da Casa de Usher, é possivelmente um dos mais conhecidos do autor, e fala de uma casa antiga e dos últimos elementos da família que lhe dá nome. Sombrio, enigmático, com uma aura tão sinistra como os acontecimentos que narra, este é um conto que, pese embora o ritmo pausado e as elaboradíssimas descrições, prende desde a primeira até à última palavra.
William Wilson, história de dois seres iguais, e porém opostos, parece traçar um rumo diferente para a ideia do gémeo maligno. Intrigante e misterioso, como é, aliás, apanágio do autor, parece deixar muito sem resposta... e é, contudo, precisamente esse enigma que torna o conto tão memorável. 
O Homem da Multidão traça como que uma estranha taxonomia da sociedade, para depois apresentar ao observador um mistério insolúvel. Retorcido, intrincado, imprevisível, também este é um conto amplamente descritivo, mas em que o mistério que pende sobre a cabeça do protagonista mantém acesa a intensidade da busca de respostas.
Segue-se Os Crimes na Rue Morgue, também sobejamente conhecido. A história é a de dois crimes misteriosos que deixaram a polícia perplexa, mas não Auguste Dupin, com a sua apuradíssima capacidade analítica. Fascinante pelas peculiaridades do crime, mas, acima de tudo, pelas de Dupin, também este é um conto de ritmo pausado, mas irresistível na complexidade do seu mistério.
Uma Descida no Maelström pondera um tipo diferente do horror - o dos grandes fenómenos da natureza. Provavelmente um dos contos mais descritivos deste livro - e porém também um dos mais intensos - fica na memória pela sensação de desespero crescente que tão bem retrata.
Eleonora fala de amor inocente e trágico e de juramentos que não podem durar. Breve, mas elaboradíssimo, é talvez um conto mais contemplativo do que propriamente misterioso. Ainda assim, a sua visão de vida e morte não deixa de ser estranhamente fascinante.
Segue-se O Retrato Oval, história de um retrato demasiado vívido - e do porquê de ser assim. Relativamente breve, mas bastante impressionante na nitidez dos detalhes, consegue, em poucas páginas, tornar palpável o mistério, para depois o desvendar como um enigma ainda maior.
Outro dos contos mais conhecidos do autor (e um dos meus preferidos) é A Máscara da Morte Rubra, história de um grupo que se isola num mosteiro para fugir a uma doença misteriosa, mas que, num estranho e fascinante baile de máscaras, se vê visitado pelo mais terrível dos estranhos. Impressionante pelo cenário, mas principalmente pela aura de mistério e temor que parece pautar o desenrolar de todo o enredo, este é um conto que fascina em todos os aspectos - e que surpreende do início ao fim.

Como já devem ter reparado, esta opinião já vai longa - e ainda faltam muitos contos de que falar. Por isso, volto em breve, para vos contar o que mais se esconde nos labirintos deste maravilhoso livro. 

Autor: Edgar Allan Poe
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade 4 Estações



terça-feira, 10 de outubro de 2017

Desenha os teus Sonhos (ZAG)

Nathan passa a vida a desenhar, passando para o caderno o que lhe vai na imaginação. O problema é que tem o hábito de o fazer nas aulas e, um belo dia, é apanhado. Como se não bastasse a humilhação de ser descoberto pela professora, deixa cair o caderno para revelar um segredo comprometedor - Nathan tem uma paixoneta pela Marinette. E esta conjugação de embaraços torna-o vulnerável a um inimigo sempre disposto a aproveitar as oportunidades. Nasce um novo inimigo para os Miraculous - e uma nova batalha a travar.
Em tudo semelhante aos volumes anteriores excepto na história, não há muito que se possa dizer sobre este livro que não tenha já sido dito antes - pelo menos não sem contar demasiado sobre os acontecimentos. Mas é interessante notar que, mesmo seguindo precisamente a fórmula dos anteriores e com o mesmo exacto tipo de personagens, a história nunca se torna demasiado repetitiva. Talvez pelo ritmo de acção constante, talvez pelo surgir de novas personagens, talvez ainda por um aspecto visual que nunca deixa de cativar, o que é certo é que este livro - tal como os anteriores - proporciona uma leitura leve e agradável, para os mais novos e não só.
Também interessante - e, mais uma vez, comum aos livros anteriores, mas ainda assim um aspecto que importa referir - é o curioso entrelaçar de momentos de humor, muitas vezes associados ao mistério (bem, mistério para as outras personagens) de quem são a Ladybug e o Gato Noir. Além disso, há muito de divertido nas interacções entre estes dois, o que, associado ao facto de haver sempre algo de emocionante a acontecer, mantém acesa a curiosidade de saber mais.
Há mais aventuras para ler e, assim sendo, continua a haver questões deixadas por encerrar. O inimigo continua tão decidido como sempre a deitar a mão aos Miraculous. E, quanto à Ladybug e ao Gato Noir - bem, continuam a esconder quem são um do outro. Ora, isto tem um efeito interessante, pois, por um lado, cada livro é uma história completa. Por outro, fica sempre aquela vontade de saber o que se segue para estas personagens que já se tornaram tão familiares.
Tudo somado, a impressão que fica é a de um livro simples, divertido e igualmente capaz de cativar leitores mais e menos jovens. Leve, cativante e de leitura agradável, uma boa história para descontrair.

Título: Desenha os teus Sonhos
Autores: ZAG
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Uma Mulher Desnecessária (Rabih Alameddine)

Aaliya Saleh vive sozinha e não quereria que fosse de outra forma. Divorciada, com uma má - ou inexistente - relação com a família e sem amigos, Aaliya encontra nos livros todo o conforto de que precisa. Todos os anos, no dia 1 de Janeiro, começa uma tradução que nunca será publicada. E, agora que o novo ano se aproxima, é tempo de escolher o seu novo projecto. Mas a vida está em constante mudança e, depois de ter sobrevivido a tudo, até à guerra civil, Aaliya dá agora por si a recordar o passado, e o retrato que a memória lhe devolve não é propriamente o mais agradável...
Retrato de uma mulher em luta com o seu próprio envelhecimento, e principalmente com a memória de um passado demasiado longo, este é um livro em que sobressaem, logo à partida duas características: a primeira é a vastidão do mundo literário do protagonista, e a forma como este mundo se transmite ao leitor. A segunda é a capacidade de, num registo pausado e introspectivo, conseguir, ainda assim, manter constante o interesse pela história de Aaliya e pelo mundo que a rodeia. 
É provavelmente da fusão destes dois aspectos que nasce o impacto que este livro acaba por ter: um livro que se lê aos poucos, tantas são as referências que há para assimilar, e que, contudo, nunca deixa de cativar, não só pela complexidade da protagonista como pela própria escrita, que lhe confere uma voz tão peculiar. Mas na alma de tudo estão os livros e é a visão de Aaliya da leitura e da tradução, a forma como toda a narrativa é uma viagem por mil e um mundos literários, que torna a leitura tão memorável. Seja a citação de uma outra, seja um pensamento particularmente certeiro da protagonista - "A literatura dá-me a vida e a vida mata-me." - há em todo este percurso uma estranha e fascinante harmonia, que faz com que, apesar de pausado, este seja um daqueles livros que dá gosto ler.
Mas nem só da escrita e do intrincado entrecruzar de referências surge a complexidade deste livro. Não. Também o cenário é complexo, as muitas memórias são complexas. A própria Aaliya, com o seu percurso e convicções e recordações, é uma personagem elaboradamente complexa. Mas a magia está na forma como todas estas teias intrincadas se conjugam para moldar um sentido mais amplo. A partir do percurso de Aaliya é possível desvendar o muito que tem de admirável. Das suas idiossincrasias, sobressaem as vulnerabilidades. E, do equilíbrio entre todas as suas facetas - e também das daqueles que, ao longo do tempo, cruzam o seu caminho - surge uma personagem complexa e fascinante. Como, aliás, tudo neste livro.
Não é uma leitura compulsiva. Não o poderia ser, com tantos elementos entrelaçados, com tantas pequenas coisas a alimentar o todo maior. Mas o que é, sim, é um livro memorável, maravilhosamente escrito e com uma personagem tão complexa quando a dimensão da sua humanidade. Recomendo.

Autor: Rabih Alameddine
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Revoltada (Evgénia Iaroslavskaia-Markon)

Revolucionária por natureza e capaz de tudo questionar num sistema onde poucas questões eram permitidas, foi no confinamento da solitária e pouco tempo antes da execução que Evgénia Iaroslavskaia-Markon escreveu a sua autobiografia. Um texto que, longe das reminiscências e das nostalgias, vinca antes uma história de luta e um ponto de vista muito firme sobre o sistema soviético. Em breves páginas, Evgénia traçou a sua vida e a do marido, Aleksandr Iaroslavski, num registo intenso, feroz e claro que é todo um retrato do tempo e das mentalidades.
Embora seja a autobiografia de Evgénia o cerne deste livro, importa dizer que nem só deste texto é possível retirar informação pertinente. É do conjunto do todo - incluindo prefácio, anexos e posfácio - que se retira uma visão mais ampla do que terá sido a vida e morte da autora. E é claro que, sendo este, acima de tudo, o registo de um percurso pessoal, há ainda todo um mundo mais vasto que fica por abordar, ainda que os pontos de vista de Evgénia consigam vincar com toda a clareza muitos dos grandes problemas do seu tempo. Mas é Evgénia o cerne. É a sua história a base em que todo este livro assenta. E, sendo certo que fica sempre a vontade de saber mais, tudo o que é essencial está bem presente.
Também há muito material para reflexão neste livro, não só no que diz respeito ao percurso de Evgénia, mas principalmente no que concerne às suas ideias. A busca da revolução entre os criminosos, a ideia de um regime que nunca pode ser revolucionário, pois sê-lo implica a pretensão de um derrube, a visão de um sistema que adulterou as suas próprias ideias... tudo isto emerge das páginas da autobiografia, levantando várias questões pertinentes sobre os limites do poder, o autoritarismo, e as diferenças entre um sistema idealizado e a sua aplicação prática.
Por último, importa destacar a importância do livro enquanto retrato das arbitrariedades possíveis. Curiosamente, esta impressão não surge tanto do relato da própria Evgénia, mas antes do do guarda presente no momento da execução. Ainda assim, este é um elemento bem presente em todo o livro, já que o próprio percurso de Evgénia e de Aleksandr é também demonstrativo dessas mesmas arbitrariedades.
A impressão que fica é, portanto, a de um livro relevante, organizado e bastante esclarecedor, em que o cerne pode estar num percurso único e pessoal, mas a partir do qual se pode vislumbrar muito claramente o cenário mais amplo. Interessante e pertinente, uma boa leitura.

Título: Revoltada
Autora: Evgénia Iaroslavskaia-Markon
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Shimmer & Shine: Um Sonho Tornado Realidade (Nickelodeon)

Leah gosta muito de brincar com a sua casa de bonecas, mas tudo é mais divertido quando se tem companhia. E Leah tem a melhor companhia do mundo: Shimmer e Shine, as suas amigas geniais, estão sempre prontas a conceder-lhe três desejos. Só que os desejos nem sempre correm como previsto e, para resolver o primeiro desejo, pode muito bem ser preciso gastar os outros dois. Ainda assim, há sempre uma forma de resolver o problema - e Leah sabe que terá sempre nas gémeas as suas melhores amigas.
Um pouco à semelhança do que acontece com os livros da Patrulha Pata, também as histórias de Shimmer e Shine parecem assentar, em grande medida, na série de desenhos animados. E, assim, é bem possível que seja para quem segue esta série que os livros se revelam mais interessantes. Mas, e este é o primeiro aspecto a destacar-se, não é preciso conhecer a série para ficar a conhecer as personagens. E basta a história, simples, curta, mas cheia de ternura, para entrar facilmente no mundo destas gémeas geniais.
Claro que é um livro pensado para os mais novos e, assim sendo, faz todo o sentido a brevidade da história. Mas, curiosamente é esta mesma simplicidade que cativa: as peripécias sucedem-se, os mal-entendidos também (ou não fosse esta uma história de génios e de desejos) mas, no fim, prevalece sempre a amizade. E é isto, afinal, o mais importante deste livro: de uma aventura divertida, surge uma mensagem positiva.
E depois há o aspecto visual que, também muito cativante e cheio de cor, não só completa na perfeição o texto da história, como desperta até uma certa curiosidade em descobrir os desenhos animados. Claro que, para quem já os conhece, o reconhecimento das personagens será muito mais imediato. Ainda assim, o livro vale por si mesmo e a história que contém é um todo completo.
Tudo somado, temos uma história breve, simples e positiva, perfeita para cativar os mais novos para os prazeres da leitura. Agradável, divertido e muito, muito bonito, um bom livro para ler - ou sugerir - aos mais pequenos.

Título: Shimmer & Shine: Um Sonho Tornado Realidade
Autor: Nickelodeon
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O Último Reino (Bernard Cornwell)

Aos dez anos, ao conhecer a guerra pela primeira vez, Uhtred de Bebbanburg perde o pai e é levado pelos dinamarqueses. Primeiro, a intenção seria receber por ele um bom resgate. Porém, Bebbanburg foi usurpado pelo tio de Uhtred e consentir no resgate seria aceitar a sua morte. É então que o dinamarquês que o capturou, Ragnar, o Destemido, escolhe comprá-lo e acolhê-lo na sua vida. Mais que um escravo, Uhtred torna-se filho do conde Ragnar e com ele aprende as artes da guerra. Mas os dinamarqueses não se contentam com a Nortúmbria e, à medida que avançam para a desejada conquista de toda a Inglaterra, intrigas e inimizades começam a ganhar forma. E, tendo diante de si a maior das traições, Uhtred vê-se forçado a virar costas às gentes que o acolheram e a regressar para o lado onde pertence. Ainda que também aí haja ódios e intrigas em abundância.
Parece ser uma característica comum nos livros deste autor - e este não é excepção - o delicado equilíbrio entre um contexto histórico vasta e pormenorizadamente descrito e uma história em que é incrivelmente fácil entrar na pele das personagens, equilíbrio esse que faz com que a vastíssima componente descritiva, que inevitavelmente confere ao livro um ritmo mais pausado, nada retire à envolvência da narrativa e à necessidade de saber sempre mais. Este é um aspecto que se evidencia desde muito cedo - com a extensa caracterização dos poderes da época a contrastar com a imagem inicial de um muito jovem Uhtred a descobrir um mundo muito mais duro do que imagina. E este contraste entre a dureza do mundo e a humanidade das personagens - contraste que se mantém bem vivo ao longo de toda a narrativa - realça o impacto dos grandes momentos, bem como o significado dos pequenos gestos.
Escusado será dizer que Uhtred, protagonista e narrador do livro, é a alma e o cerne de tudo isto. É também de uma complexidade fascinante, e, ao longo de toda a narrativa, é possível acompanhar não só o seu crescimento e compreensão do mundo como vê-lo assumir o papel que o destino lhe atribuiu. Uhtred tem todas as características de um herói - e tem também as vulnerabilidades que o humanizam. É forte, é capaz, tem tudo para ser um líder - mas tem também a arrogância da juventude, as mágoas e as perdas que marcam qualquer ser humano, as dúvidas escondidas sobre uma fachada de confiança. É complexo. É completo. E é provavelmente por isso que é uma personagem tão carismática.
Há ainda um outro ponto que sobressai. Da mesma forma que a história se constrói sobre um equilíbrio entre contexto histórico e percurso individual, também as batalhas de Uhtred se dividem entre as motivadas por razões pessoais e a batalha maior pela sobrevivência do reino. Ambas com a sua devida relevância, ambas devidamente equilibradas e ambas repletas de momentos memoráveis. E, sim, claro que ficam várias questões em aberto - ou não fosse este o início de uma série maior. Mas, curiosamente, até o fim parece estar precisamente no sítio certo - no término de uma batalha que fica devidamente encerrada, mas que pode também ser ponto de viragem para algo mais.
Complexo, cativante e com um equilíbrio quase perfeito entre as múltiplas facetas que constituem a história, eis, pois, um livro em que todos os pormenores são relevantes. Com um contexto interessantíssimo e um enredo repleto de grandes momentos, um início mais que memorável para uma história que promete muito mais. E, assim sendo, um livro altamente recomendável. 

Título: O Último Reino
Autor: Bernard Cornwell
Origem: Recebido para crítica