sábado, 30 de novembro de 2019

Retrato (Katia Andrade e António Bessa)

Pessoa e Sophia. Duas vozes maiores da poesia portuguesa encontram-se aqui para servir de base a outro encontro de artes, com a poesia de Katia Andrade a misturar-se com a pintura de António Bessa. Ambos traçam para os seus temas um retrato vivo, ainda que em estilos diferentes. Pois, onde a imagem retratada, em todas as fases de construção, vai ao encontro da imagem dos poetas, já os poemas vão ao encontro da poesia.
Sendo certo que, num livro, o conteúdo é sempre o mais importante, este é um daqueles casos em que o aspecto também deixa a sua marca. Trata-se de um livro realmente bonito, não só pela presença dos quadros, mas também pela própria estrutura: a capa dura, o papel, o tipo de letra. É um livro que, mesmo antes de ler, cativa pela diferença, o que basta para despertar a vontade de o descobrir.
E o que se encontra é, acima de tudo, um livro de contrastes, não só entre as duas artes envolvidas, mas entre tema e autor. Claro que é na poesia que isto mais se destaca, pois tendo embora os poetas a servir de mote, o registo acaba por ser surpreendentemente pessoal e intimista. Como se de alguém a meditar sobre os seus ídolos, mas a reflectir sobre si mesma.
Há dois aspectos a sobressair desta poesia: a estrutura dos poemas e as surpresas que se encontram durante a leitura. A estrutura, porque, apesar de essencialmente breves, com versos bastante curtos e um embalo geralmente bastante simples, nunca fica a sensação de que algo esteja em falta. Muito pelo contrário, não deixa de ser impressionante a facilidade com que evoca uma imagem completa e marcante em tão poucas linhas. Já quanto à surpresa, que consiste essencialmente na inesperada aparição de alguns poemas em francês, poderá deixar alguns sentimentos ambíguos, pois, pese embora a simplicidade da escrita, para quem tiver pouco ou nenhum conhecimento da língua, fica uma parte do livro por entender tão plenamente como o resto.
Breve, mas feito de impressões vincadas, bonito, tanto nas palavras como em tudo o que as complementa e intrigantemente equilibrado entre a visão dos autores que lhe servem de mote e a visão dos autores desta mesma obra, trata-se, pois, de um livro que cativa em forma e conteúdo. E que vale a pena descobrir.

Título: Retrato
Autores: Katia Andrade e António Bessa
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Diz-me que És Minha (Elisabeth Norebäck)

Stella Widstrand tem uma vida equilibrada, um casamento feliz e um filho que é tudo o que alguma vez desejou. Mas carrega aos ombros um fantasma que nunca desapareceu. Há vinte anos, a sua filha bebé desapareceu e nunca ninguém conseguiu descobrir o que se passara. Agora, esse fantasma está prestes a regressar. No dia em que Isabelle entra no seu consultório, Stella reconhece-a imediatamente. Mas o que se passa? Porque está ela ali? Saberá Isabelle quem é? E o que pode ela fazer para repor a verdade? Uma coisa é certa, Stella não duvida de que Isabelle é a sua filha desaparecida. Mas como explicar isso àqueles que a julgam louca?
Alternando entre diferentes pontos de vista e prolongando o mistério através de uma sucessão de revelações impressionantes, é na capacidade de conduzir o leitor através de sucessivas possibilidades e alternativas que está a grande força deste livro. Inicialmente, o encontro entre Stella e Isabelle parece prenunciar um confronto de aversões. Depois, a história vai ganhando novos contornos, com a percepção de que o que as duas realmente sabem não é tão linear como parece. E, ao oscilar entre a vida cada vez mais caótica de Stella, a tentativa de libertação e auto-descoberta de Isabelle e o crescente descontrolo dos planos de Kerstin, a autora cria uma teia de mistérios que cresce em intensidade a cada novo capítulo, para culminar depois num final avassalador.
Basta a premissa da história para gerar emoções fortes. A posição de Stella é, provavelmente, o maior pesadelo de qualquer mãe. Mas a cadeia de revelações abre espaço também a grandes desenvolvimentos emocionais, devidos não só ao crescimento das personagens ao longo da história, mas à tensão resultante da descoberta da verdade. Há, aliás, espaço para um pouco de tudo, do crescimento de um amor jovem à deterioração de uma relação através da mentira e da suspeita, e este desenvolvimento particular de cada uma das protagonistas vem acrescentar ainda mais complexidade e intensidade à história principal que as liga a todas.
E há ainda um outro aspecto a contribuir em muito para esta intensidade viciante. Ao contar a história na primeira pessoa, dando voz a cada uma das suas personagens e retratando com precisão o que lhes vai na cabeça - sejam planos precisos ou interpretações perturbadas -, a autora cria um grau de proximidade muito mais intenso, o que é particularmente notável tendo o papel de Kerstin em toda a história. Além disso, tendo em conta que grande parte do enredo gira em torno de uma possível loucura de Stella, entrar nos seus pensamentos torna mais palpáveis as suas emoções: as certezas, as dúvidas, a determinação e a impotência.
História de um mistério antigo, mas também das emoções da perda e do reencontro, trata-se, pois, de um livro repleto de tensão, intriga e emoção, em que as personagens ganham vida e complexidade para depois surpreenderem a cada novo desenvolvimento. Intenso, surpreendente e absurdamente viciante, um livro que não posso deixar de recomendar.

Autora: Elisabeth Norebäck
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A Queda do Muro de Berlim (Ricardo Martín de la Guardia)

Foi um dos acontecimentos mais importantes do século XX, um marco histórico, princípio da reunificação das Alemanhas, do fim da Guerra Fria e de uma promessa de maior união e prosperidade. Mas não foi apenas o derrubar do muro físico: foi toda uma mudança em termos políticos, uma sucessão de ciclos de ascensão e queda e todo um percurso diplomático e negocial para dissipar tensões e posições arraigadas. A história da queda do Muro de Berlim não se resume ao momento em que o muro caiu. E é essa visão mais vasta que este livro apresenta.
Bastante completo em termos de contexto político, e principalmente de exposição das forças, personalidades e circunstâncias em acção no período que conduziu à queda do muro, bem como nos anos que se lhe seguiram, este é um livro que exigirá necessariamente algum tempo para assimilar. São muitos os nomes, as datas, as siglas, as informações, para não falar na complexidade das movimentações políticas propriamente ditas. O resultado é uma leitura inevitavelmente pausada, um pouco exigente, mas cheia de informações relevantes.
Sendo, portanto, uma apresentação bastante detalhada, há um outro aspecto que importa destacar. É que, por entre todos estes nomes - de pessoas, de partidos, de organizações - e movimentações políticas, há um cuidado em destacar não só as figuras centrais da mudança, mas também o impacto social destas mudanças na vida das pessoas comuns. Um dos aspectos mais interessantes está, aliás, na comparação entre as promessas da época e no contexto actual passados trinta anos. Centrado embora num acontecimento muito específico, reflecte, de certa forma, os ciclos da história, destacando as dificuldades e desafios e a forma como estes moldam a ascensão e queda de ideologias mais ou menos positivas.
Sendo um livro que dificilmente poderia ser de leitura leve, consegue, ainda assim, ser bastante acessível, pois o autor consegue conjugar de forma equilibrada a vasta abundância de informações pertinentes com uma análise clara, centrada nos factos e que se debruça também sobre o impacto de cada acontecimento na vida da população geral. Pode, por isso, não ser fácil assimilar todas as datas, mas o contexto global fica perfeitamente claro, bem como as questões que importa transpor para o contexto actual.
Leva o seu tempo, mas vale bem a pena, pois é um livro com muito para ensinar. Completo, equilibrado e repleto de informação relevante, uma bela obra para saber mais sobre o que conduziu a esse marco histórico que derrubou muros que hoje parecem querer voltar a erguer-se. Muito interessante, em suma.

Autor: Ricardo Martín de la Guardia
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Saga - Volume Quatro (Brian K. Vaughan e Fiona Staples)

Passaram alguns anos. Hazel passou de um bebé a uma criança transbordante de energia. E, para conseguir ganhar a vida de alguma forma, Alana juntou-se a um grupo de actores. Mas, embora a perseguição tenha abrandado, isso não significa que a sua família está segura. A relação de Marko e Alana começa a deteriorar-se devido às pressões da vida em comum e da necessidade de se manterem escondidos. E, entretanto, também os seus perseguidores se vêem envoltos em novos problemas. O príncipe Robot IV ainda não sabe que é pai - e saberá nas piores circunstâncias. A Vontade parece ter ficado num estado irreversível. E, embora nenhum deles o saiba, caminhos e destinos estão prestes a cruzar-se novamente - e os inimigos de outrora podem muito bem tornar-se aliados... pelo menos temporariamente.
Quarto volume, novos desenvolvimentos, novas revelações e uma sempre maior expansão em termos de intriga e de complexidade. E, mais uma vez, o mesmo fascinante equilíbrio entre o novo e o familiar. Pois talvez fosse de esperar que, ao quarto livro, não houvesse muito de novo para dizer, mas, embora haja segredos que importa guardar - afinal, parte do que torna estes livros tão marcantes é precisamente a incessante capacidade de surpreender -, a verdade é que cada novo volume consegue sempre superar todas as expectativas.
Algo que se vai tornando cada vez mais evidente, e um dos aspectos mais memoráveis desta série onde, bem, praticamente tudo é memorável, é a forma como, da história de um conflito intergaláctico, com múltiplas espécies e uma vastidão de intrigas e perseguições, consegue emergir uma reflexão tão eficaz sobre o mundo real. Alana e Marko: amor entre mundos diferentes. O seu percurso enquanto casal: reflexo da deterioração das relações, de como o amor não chega, de como rotinas e dificuldades podem abalar até a mais sólida rocha. Dengo: a opressão dos mais fracos e o impulso revolucionário de quem nada tem a perder... E por aí adiante. Novo e familiar, também aqui entrelaçados num equilíbrio perfeito.
Claro que, nesta fase da série, há muito que se tornou já familiar, principalmente em termos visuais. Conhecemos os traços das personagens, a forma de ilustrar os cenários, até mesmo o enquadramento dos diálogos na imagem. Mas há, ainda e sempre, algo de novo a surgir, seja na entrada em cena de uma nova personagem, seja nos novos - e peculiares - elementos da vida de algumas espécies que ganham vida com peculiar nitidez (e logo na primeira página).
Eis, pois, ao quarto volume, o mesmo exacto fascínio do primeiro - complementado por mais personagens, novos desenvolvimentos, grandes revelações e ainda mais episódios de tensão e de emoção. Mais, em suma, de todas as facetas que tornam esta saga tão maravilhosa. E tão irresistivelmente apaixonante.

Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Origem: Recebido para crítica

domingo, 24 de novembro de 2019

Águas Silenciosas (Timothy Hagelstein)

Palavras e cadência podem parecer meros instrumentos para este desfiar de águas - aparentemente - silenciosas. Profundas, poder-se-á dizer, como a sombra dos poemas que compõem este livro. Pois são palavras - e ritmo - feitas de uma estranha melancolia, como de quem contempla uma vida sem a tocar realmente. E, tal como os poemas que o compõem, também a imagem que fica deste livro é mais de impressões sensoriais e emocionais - com destaque para imagens absurdamente marcantes como "A Morte não me Apanha Vivo" - do que propriamente de raciocínios fáceis de descrever.
Nunca será, pois, um livro fácil de definir, sendo certo que o que sobressai é, acima de tudo, uma voz própria. Versos curtos e poemas longos, rimas que contrastam com versos livres e, acima de tudo, uma cadência aparentemente simples que flui como uma melodia - e que, precisamente por isso, acaba por ficar na memória. Características que, isoladamente, talvez possam atribuir-se a muitos outros autores, mas que, neste caso, formam um todo particularmente equilibrado e memorável.
Claro que, sendo um conjunto relativamente extenso, apesar da relativa brevidade de alguns dos poemas, é quase inevitável que alguns aspectos se repitam. Mas, neste caso, o que surpreende é que estas repetições não cansam, marcando antes como que um ponto de regresso que serve de elo de ligação ao todo. A morte, a melancolia, o silêncio e a solidão são provavelmente os principais pilares destes poemas - e são tão vastos que, embora recorrentes, nunca tornam a leitura cansativa.
Disto resulta uma impressão interessante: é que cada poema é um todo completo, mas a leitura consecutiva de todo o livro traça a imagem de um todo maior. Cada poema é uma unidade independente, mas juntos formam uma unidade mais vasta. E, assim, tudo pertence neste livro. Tudo faz sentido. Da aparente simplicidade dos versos à intemporalidade dos temas, passando pelo registo pessoal e intimista capaz, porém, de evocar sensações universais.
Uma voz própria, uma cadência marcante e um conjunto de temas e visões que, embora individualizados, formam um todo memorável: assim se pode, pois, definir este livro, que, sob o aparente silêncio das suas águas, esconde, afinal, profundidades insuspeitas.

Autor: Timothy Hagelstein
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Bowie - Uma Biografia (María Hesse e Fran Ruiz)

Visto por muitos como um verdadeiro camaleão da música, Bowie ficou na memória musical das pessoas não só pela diversidade de estilos e pelo brilhantismo da sua música, mas também pelas peculiares personagens que construiu para si mesmo. E, independente de um maior ou menor apreço pela sua música, dependente sempre do gosto pessoal de cada um, uma coisa é certa: vale sempre a pena conhecer a história de alguém com um legado tão grande. É essa a história que este livro pretende dar a conhecer, de forma simultaneamente simples e quase onírica, e centrada sempre no que é realmente essencial.
Provavelmente o aspecto mais cativante desta biografia, e o que mais contribui para a tornar única, é a forma como os autores se debruçam sobre certos aspectos da vida do seu protagonista colorindo-os de uma forma quase fantasiada, como que ecoando as ideias do próprio artista. É o que acontece com a presença de Z, o primeiro amigo, com a manifestação da estrela cadente e até com a sombra da fase final. E o mais interessante de tudo é que isto não retira realismo à biografia, pois os factos essenciais continuam bem presentes. O que faz é acrescentar uma certa magia... um pouco à semelhança da música, talvez.
Também as ilustrações contribuem para esta diferença, pois reforçam a aura de mistério que envolve esta história. Porque a verdade é que se lê como uma história, como um quase romance. O que acontece é que, algures no equilíbrio entre a fluidez do texto, o fascínio das ilustrações e o delicado equilíbrio entre os elementos reais e de fantasia, o Bowie real torna-se Bowie personagem sem nunca perder nada do seu realismo. 
É uma biografia que se lê como ficção: simples quanto baste, mas com toda a informação necessária; centrada nos factos, mas com laivos de fantasia a conferir-lhe um novo colorido; e trocando as habituais fotografias por um conjunto de ilustrações onde é fácil reconhecer elementos reais, mas também novos aspectos que tornam tudo diferente.
Biografia com laivos de fantasia, cingida ao essencial, mas a um essencial vastíssimo, e com uma fascinante mistura de escuridão e beleza: eis, pois, o cerne deste belíssimo livro. Leve, mas completo e fascinante, uma obra ideal para lembrar ou descobrir Bowie em todas as suas muitas e estranhas facetas.

Autores: María Hesse e Fran Ruiz
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Divulgação: Novidade Chá das Cinco

Isabelle deveria estar feliz – afinal, está prestes a ficar com o príncipe. Mas Isabelle não é a bela rapariga que perdeu o sapato de cristal e ganhou o coração do príncipe. Ela é a meia-irmã feia que cortou os dedos para que o sapato da Cinderela lhe servisse. Quando o príncipe descobre o engodo, Isabelle fica devastada pela vergonha. Afinal, ela é apenas uma rapariga comum num mundo que só valoriza a beleza; uma jovem forte num mundo que a quer submissa.
Isabelle tentou mudar, cumprir as expectativas da mãe. Ser como a sua meia-irmã. Doce. Bonita. Um a um, desfez-se de pedaços de si para sobreviver num mundo que não valoriza uma rapariga como ela. E isso tornou-a má, ciumenta e vazia. Até que Isabelle tem a oportunidade de alterar o seu destino e provar que é preciso mais do que um coração partido para vergar uma rapariga.

Jennifer Donnelly é uma reconhecida autora de livros para jovens e ganhou a Carnegie Medal com a obra A Northern Light. Nos contos de fadas, as suas personagens preferidas sempre foram os vilões, e quando começou a escrever quis dar-lhes voz, contando o outro lado das suas histórias. Pode consultar a página da autora em www.jenniferdonnelly.com.

Sarita Rebelde Quer Ser Astronauta (Lúcia Vicente e Cátia Vidinhas)

Está a chegar o dia das profissões e a Sarita já sabe o que quer partilhar com os colegas. É que, determinada e sempre curiosa por experimentar coisas novas, ela já quis ser muitas coisas, até que finalmente decidiu: quer ser astronauta. E, quando lhe dizem que há poucas mulheres com essa profissão, isso só a deixa mais decidida a aumentar esse número - e a explicar aos colegas que podem não ser as mais conhecidas de todas, mas há mais mulheres na história da exploração espacial do que à partida se poderia imaginar...
Muito breve, muito simples e também muito cativante, este é um livro que sobressai pela forma como, nas suas vinte e poucas páginas, consegue ser educativo acerca de diferentes aspectos. A Sarita quer ser astronauta, o que tem as suas exigências, e este é um bom ponto de partida para reflectir sobre a escolha de uma profissão e as exigências dessa escolha. A Sarita descobre que não há muitas mulheres astronautas e que talvez isso seja uma barreira, o que levanta a sempre relevante questão do papel da mulher na sociedade, da igualdade de oportunidades e de como a história tende a deixar as mulheres para uma espécie de fama menor. E a Sarita quer ainda partilhar as suas descobertas com os colegas, o que realça a importância de explorar e partilhar estas questões.
A componente didáctica está, portanto, mais do que preenchida. Mas há mais. Trata-se também de um livro muito bonito, pois as ilustrações vivas e cheias de cor dão alma à história da protagonista, realçando não só as suas descobertas, mas criando também um bonito contraste entre os retratos da Sarita a desempenhar diferentes profissões. E há também a agradável leveza que resulta da simplicidade do texto, mas principalmente da sua fluidez.
Muito breve, muito simples e muito cativante - termino como comecei, pois são estas as características essenciais de um livro que, ao longo das suas poucas páginas, consegue contar uma história simples e divertida ao mesmo tempo que realça várias questões importantes. Uma boa leitura para os mais novos, em suma. E um livro bem bonito.

Autores: Lúcia Vicente e Cátia Vidinhas
Origem: Recebido para crítica

domingo, 17 de novembro de 2019

The Serpent's Mark (S. W. Perry)

Nicholas Shelby está de regresso a Bankside, após uma sombria e perigosa aventura que quase lhe custou a vida, bem como a de Bianca Merton. Mas a paz é algo efémero e não tarda a que Nicholas seja de novo arrastado para o seu segundo papel de espião para Robert Cecil. Paira uma ameaça sobre o reino de Isabel I, na forma de um misterioso físico, alegadamente vindo para curar a doença de Samuel Wylde, mas cujas verdadeiras intenções são bem mais sombrias. Nicholas e Bianca dão por si uma vez mais no meio de uma conspiração que pode, no pior cenário, acabar em guerra civil... e numa morte macabra para ambos.
Um dos aspectos mais impressionantes deste livro é que, sendo o segundo volume de uma série, é incrivelmente fácil regressar a este mundo. Isto resulta em grande parte do desenvolvimento das personagens. Bianca e Nicholas são duas personagens brilhantemente construídas, com um equilíbrio perfeito de força e vulnerabilidade, teimosia e bondade, escuridão e esperança. É, por isso, fácil sentir com eles e compreender as suas reacções, o que, dado o tipo de circunstâncias em que parecem envolver-se, é algo particularmente adequado. Além disso, são igualmente fascinantes nos seus momentos de maior emoção, nas situações mais tensas e nos deliciosos momentos de humor.
Também o enredo em si é bastante impressionante, repleto de momentos de perigo, episódios sinistros e revelações avassaladoras. Nicholas pode não gostar de ser um espião, mas tem bastante talento para isso, e a mente de Bianca é bastante brilhante. Assim, o seu papel crucial, ainda que involuntário, no bloqueio desta nova conspiração não pode senão trazer consigo muitos momentos brilhantes. Além disso, há muitas outras personagens a dar profundidade a esta intrigante história, bem como um passado bastante fascinante, não só relativamente aos novos elementos, mas também ao passado mais remoto de Bianca e Nicholas.
Há ainda um outro aspecto que importa mencionar, embora possa não ser algo novo para quem leu The Angel's Mark, e diz respeito à escrita em si. O autor tem uma voz magistral na descrição dos problemas das suas personagens e uma capacidade fascinante de dar vida ao ambiente. As páginas parecem voar à medida que percorremos os recantos mais sombrios da Inglaterra de Isabel I, com a ameaça de guerras religiosas, os perigos de professar a fé errada ou aborrecer as pessoas erradas. Há no próprio cenário uma espécie de tensão, e o autor descreve-a brilhantemente.
Misterioso e fascinante, cheio de perigos, intriga e também emoção e humor, uma brilhante história de trevas e fé, na forma de uma conspiração desmontada por dois aliados improváveis. Nicholas Shelby formam a mais intrigante das duplas, e uma que vale muito a pena conhecer. Eu, pelo menos, mal posso esperar para saber o que lhes acontecerá a seguir.

Autor: S. W. Perry
Origem: Recebido para crítica

sábado, 16 de novembro de 2019

Saga - Volume Três (Brian K. Vaughan e Fiona Staples)

Perseguidos por todos e sem saber muito bem o que fazer a seguir, Alana e Marko decidem viajar para Quietus, em busca do autor do livro que mudou dramaticamente as suas vidas. E, se a viagem parece tranquila, com os seus mais recentes adversários a terem de lidar com os seus próprios problemas, a verdade é que essa pausa está condenada a ser efémera. Pois, num mundo dividido em duas facções, não escolher um lado é impossível. E querer uni-los, então... inaceitável. Quietus marcará uma nova viragem nos percursos destas personagens... um caminho que está muito longe do fim.
É absurdamente brilhante a facilidade com que se regressa ao mundo e às histórias desta série. Basta a capa, basta um folhear às páginas, e tudo volta imediatamente à cabeça. Tão fascinante é este mundo, tão memoráveis são as personagens, que basta um novo contacto e é como se o tempo não tivesse passado. Estamos lá novamente, a acompanhar Marko e Alana, bem como seus aliados e inimigos, numa busca constante cujas consequências não podem senão ser imprevisíveis.
Esta é, aliás, outra boa palavra para descrever estes livros, pois nunca sabe o que vai acontecer a seguir. Esta dúvida constante, mistura de tensão e de mistério, faz com que seja impossível parar de ler. E o investimento emocional que resulta da força - e da vulnerabilidade - das personagens faz com que a viagem facilmente se torne pessoal. Sentir com eles, torcer por eles, torna-se natural. E o mais curioso é que isto está longe de se aplicar apenas a Marko e Alana...
Não é propriamente algo de novo, pois é uma característica bem presente desde o primeiríssimo volume, mas importa sempre salientar o deslumbrante fascínio da componente visual. Sendo uma história que envolve múltiplos planetas - e múltiplas e peculiares espécies -, escusado será dizer que a forma como estas diferentes figuras são retratadas é algo de essencial ao poderoso impacto desta leitura. Mas há muito mais além disso: há as expressões faciais das personagens, tão expressivas como qualquer dos diálogos, e mesmo nas figuras de aspecto menos humano; há os cenários maravilhosos, que vão da estranha beleza onírica do foguetão de madeira à bruma de Quietus, passando por muitas outras localizações fascinantes. E há... bem, como que uma espécie de choque resultante da percepção visual de que esta é uma história onde ninguém está realmente seguro. Saber que tudo pode acontecer às personagens de que gostamos é uma coisa. Ver... é ainda mais impressionante.
Eis, então, que ao terceiro livro se confirma, com a máxima força, a já brilhante impressão inicial: a de que esta é uma série tão bela pelos cenários e pelas peculiaridades das espécies como pelo fabuloso equilíbrio entre os mistérios, os grandes momentos de acção, os deliciosos laivos de humor e, principalmente, a emoção que transborda de cada instante. É lindo, é brilhante, é maravilhoso. E preciso do próximo. Já.

Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Inverno - Uma Nova Vida (Mónica Guerra)

Neta do rei, embora relegada para uma vida distante da sua herança, Leónia Lencastre sempre foi vista pela corte como uma ameaça, não só devido à sua linhagem, mas também os conhecimentos médicos que levaram a que muitos a vissem como uma bruxa. E, agora que o estado do reino está periclitante, com o rei às portas da morte e outro dos seus herdeiros a conspirar nas sombras, Leónia vê-se empurrada para um afastamento ainda maior. A verdade, porém, é que isso não a preocupa assim tanto, pois encontrou em Alexandre Toledo, um cavaleiro da Ordem, amor suficiente para levar uma vida feliz. Retiram-se, pois, da capital para construir uma vida juntos. Só que o sangue de Leónia continua a ser o mesmo... e, com o reino a pender para o caos, o simples facto de estar viva faz dela uma ameaça para os seus inimigos.
Provavelmente o aspecto mais marcante deste livro é a forma como consegue conjugar uma história de amor, conflitos familiares e uma sucessão de intrigas de corte num todo que não só é bastante fluido, mas também bastante viciante. Importa, por isso, começar por dizer que é pena a existência de alguns descuidos a nível de revisão, pois, sendo que estes acabam sempre por quebrar um pouco o ritmo da leitura, a impressão que fica é a de que o impacto de tudo seria ainda maior sem estas pequenas interrupções.
É que, lapsos à parte, se há coisa que não falta a esta história são qualidades e pontos de interesse. Ao acompanhar diferentes personagens, a autora cria diferentes graus de empatia e aversão, para depois virar o jogo ao revelar novas facetas dessas mesmas personagens. Além disso, não faltando surpresas ao longo de todo o percurso, a maior de todas é a forma como tudo converge para um final tão intenso quanto adequado, cheio de tensão e de emoção. Emoção é, aliás, algo que não falta, acompanhada também por uns quantos rasgos de um humor delicioso, protagonizado maioritariamente pela intrépida Luz.
É, ainda assim, sempre no equilíbrio entre o amor e a intriga que está o cerne da história. Por isso, é da construção dos sistemas da Ordem, associados a um conjunto de laços de proximidade - amor, amizade, família - e a uma sempre presente base de coragem que surgem as mais interessantes revelações. Sendo, naturalmente, Alexandre a maior delas, com o seu passado a manifestar-se de formas que dificilmente se imaginariam à partida. Mais uma vez, surpresas não faltam, daí o ritmo viciante e a constante vontade de saber o que acontece a seguir.
A impressão que fica é, pois, a de uma leitura empolgante, cheia de mistérios, de intriga e principalmente de momentos de emoção. Com personagens fortes e um enredo viciante, uma leitura aparentemente leve, dada a rapidez com que as páginas parecem voar, mas que facilmente se grava na memória. Pela história... e pelos seus protagonistas.

Autora: Mónica Guerra
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A Mitologia Explicada pela Pintura (Gérard Denizeau)

Poucos foram os temas mais inspiradores ao longo de séculos de arte e literatura do que os mitos dos deuses e heróis greco-romanos. Tanto que difícil será encontrar alguém que nunca tenha, pelo menos, ouvido falar de alguns. O que este livro propõe é, no entanto, um exercício de descoberta diferente. Através de um conjunto de obras de arte mais ou menos conhecidas, o autor descreve concisamente a linha essencial de cada um destes mitos, para se debruçar depois sobre o quadro que o retrata, enquadrando-o tanto no contexto do mito como do período artístico em que foi criado. O resultado? Bem, o resultado é um livro lindíssimo.
Sendo, como o título indica, uma história da mitologia explicada através da pintura, é apenas natural que os quadros que lhe servem de base estejam bem presentes neste livro. É este, aliás, um dos primeiros aspectos a salientar: sendo um livro relativamente grande e, à semelhança dos referidos quadros, transbordante de cor, permite que cada pintura sobressaia a todos os níveis. Primeiro, ao folhear inicial, que basta para perceber a beleza do livro que temos nas mãos. Depois, ao longo da leitura, pois permite analisar com nitidez os muitos pormenores que vão sendo referidos. E, finalmente, nos sucessivos regressos, não só porque há vários mitos que estão intimamente ligados, mas também pela simples vontade de voltar atrás e recordar uma imagem que se gravou na memória.
Também do texto sobressai um equilíbrio notável, com a organização de cada secção a conferir ao livro uma certa uniformidade - mito, história do quadro, pormenores - que contrasta com a diversidade de temas e protagonistas. Além disso, sendo um texto que assenta fundamentalmente nas fontes antigas, a simplicidade das descrições tem, além de facilitar a compreensão, o dom acrescido de despertar a vontade de conhecer essas obras. Ilíada, Eneida, Odisseia, Metamorfoses... Não faltam leituras para explorar uma vez terminada a descoberta deste livro.
Alguns mitos são mais conhecidos do que outros. Curiosamente, o mesmo se pode dizer dos autores destas obras e também aqui o efeito da simplicidade é, de certa forma, o mesmo: fica a curiosidade em conhecer mais a fundo a obra destes pintores, bem como também a história dos movimentos em que se enquadram e o seu percurso pessoal.
Tudo somado, o que fica deste livro é uma imagem de grande beleza, associada a uma exposição equilibrada dos principais mitos, reflectidos na obra de um conjunto de mestres. Para os interessados em mitologia, em pintura, para os que querem saber mais sobre este tema e para os que apreciam simplesmente um livro bonito, esta é uma obra a não perder.

Título: A Mitologia Explicada pela Pintura
Autor: Gérard Denizeau
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Aqui a Princesa Salva-se Sozinha (Amanda Lovelace)

Este não é um conto de fadas. Pode ter princesas, dragões e rainhas, mas está longe de ser uma história de encantar. A história é a de uma jovem que se torna mulher, crescendo na busca de si mesmo, da aceitação das dificuldades, das cicatrizes e da sua própria natureza e encontrando o seu próprio lugar no mundo e em relação aos outros. É uma história feita de poemas, em que personagem e leitor podem até chegar a confundir-se. Mas é precisamente isso que a torna notável: aqui, a princesa salva-se realmente sozinha. E podemos aprender algumas coisas com ela.
Um dos aspectos mais cativantes da construção deste livro de poesia é a implacável sensação de unidade que surge desde os primeiros versos. É poesia e, ao mesmo tempo, é uma história. Não é um conto de fadas, mas o registo dos poemas conferem-lhe um tom semelhante. E, sendo simultaneamente pessoal e capaz de evocar sentimentos universais, é uma história que, feita de impressões, podia ser a de qualquer um de nós.
Outra faceta que sobressai é a construção dos próprios poemas, num registo simples, sem rima e relativamente breve. Alguns são pouco mais que uma frase e, no entanto, parecem ter precisamente a medida certa para transmitir aquela parte da história ou dos sentimentos. Além do mais, este registo constante, embora oscilando entre diferentes emoções e fragmentos de história, é também parte do que faz com que este livro, não sendo embora um conto de fadas, se leia praticamente como um.
E, claro, todo ele é um exemplo de como não são necessários textos elaborados e complexos para abordar temas difíceis e relevantes. Ao longo do percurso pessoal desta vaga protagonista, surgem as dores de crescimento, as dificuldades de se crescer mulher num mundo de julgamentos, dúvidas e agressões e a descoberta de uma identidade própria mesmo quando todo o mundo nos quer mudar. Tudo através de poemas muito simples e, acima de tudo, muito marcantes.
Simultaneamente simples e amplo, breve, mas vastíssimo nas possibilidades de interpretação, pessoal e intemporal, trata-se, pois, de um livro que, todo ele feito de impressões e fragmentos, deixa na memória uma imagem nítida e completa. A princesa salvou-se sozinha. Também podemos fazê-lo. E esta é a melhor das lições.

Autora: Amanda Lovelace
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Harrow County 3 - A Encantadora de Serpentes (Cullen Bunn e Tyler Crook)

Emmy parece ter sido razoavelmente aceite pelas pessoas de Harrow County como alguém diferente da bruxa Hester Beck, mas isso está longe de significar o fim das assombrações. O Rapaz sem Pele vê-se atraído por alguém que pretende testar a sua lealdade, revelando-lhe algo da sua natureza. Já Bernice descobre a existência de outra bruxa e o início do que pode ser uma missão. Quanto a Emmy, dirige-se a uma casa assombrada na esperança de poder ajudar os seus habitantes... mas aquele lugar pode muito bem ser uma armadilha. Em Harrow County nada é o que parece. E a bruxa pode estar morta, mas a sua presença continua bem viva.
Ao terceiro volume da série, poder-se-ia pensar que não haveria muito mais a dizer sem revelar demasiado sobre os desenvolvimentos. Mas nada estaria mais longe da verdade. Cada novo volume é um expandir das complexidades da história, uma sequência de novas revelações e, claro, a habitual mistura eficaz de horror, mistério e emoção que prende do início ao fim.
Mas, neste terceiro volume, não faltam, de facto, coisas novas. A começar pelas diferentes ramificações, dedicadas a personagens e mistérios diferentes. Emmy continua a ser o cerne de tudo, mas a história segue agora também outras personagens na busca pelo seu papel neste mundo. E, cada uma à sua maneira, proporcionam momentos de brilhantismo, revelações surpreendentes e a promessa de grandes possibilidades para o que se seguirá.
Também particularmente interessante é que, com a entrada em cena de novos autores, estas ramificações acabam por sobressair também da própria arte. Cada faceta da história tem um traçado diferente, particularmente visível nas aparições de Emmy, mas, no caso do último capítulo, palpável até nas mais pequenas coisas. O que, além de acrescentar profundidade à leitura, tem, no caso deste último capítulo, o efeito de realçar o papel das diferentes personagens, pois todas são importantes, mas é à volta de Emmy e do seu poder que todo este mundo gira. O que lhe acontece pode virar Harrow County do avesso e isso é bastante visível na arte do capítulo quatro.
Tudo termina em aberto e, no entanto, para cada uma destas personagens parece ter-se encerrado uma fase da sua história. O que vier a seguir será necessariamente diferente. Por isso, mais do que curiosidade insatisfeita, a sensação que fica é a de chegar a um ponto onde tudo aconteceu como devia e de que o que segue será ainda melhor. Escusado será dizer, por isso, que a vontade de ler o volume seguinte o mais rápido possível é imensa.
Horror, mistério, intensidade e a medida certa de emoção: são estes os ingredientes fulcrais desta série que, a cada novo volume, consegue simultaneamente surpreender a cada passo e proporcionar a sensação de um agradável - embora sombrio - regresso a casa. Dificilmente se poderia pedir mais a um livro. Este corresponde inteiramente às expectativas.

Autores: Cullen Bunn e Tyler Crook
Origem: Recebido para crítica

domingo, 10 de novembro de 2019

A Filha Esquecida (Armando Lucas Correa)

Há uma verdade dura à espreita nas vidas de Amanda e Julius Sternberg, bem uma certeza cada vez mais premente: quem começa por queimar livros acabará por queimar pessoas. É esse o cenário em pleno apogeu do nazismo e, embora o casal tente resistir à partida, se torna evidente que esta é inevitável. Mas nesse momento é já demasiado tarde. Julius é levado e Amanda fica sozinha com as duas filhas e um conjunto de instruções para a salvar. Fazê-lo, porém, significará enviá-las sozinhas num barco para Cuba, e Amanda não tem a certeza se a mais nova poderá sobreviver. Opta, pois, por uma escolha impossível que a levará, bem como à pequena Lina, a um caminho de sucessivas perdas e abandono. Rumo a uma verdade que só no fim se tornará evidente.
Tendo em conta a forma como este livro começa, uma das primeiras coisas que importa salientar é que, embora sendo uma história totalmente independente da de A Rapariga Alemã, existe um claro elo de ligação. Assim sendo, será interessante conhecer os dois livros, independentemente da ordem de leitura, pois os discretos laços que unem as duas histórias dão forma a um todo mais vasto.
Quando ao percurso concreto deste livro, não será propriamente uma surpresa, tendo em conta o contexto, o forte impacto emocional. É fácil compreender o desespero de Amanda, o impacto das sucessivas perdas, até a forma como os múltiplos abandonos influem na vida de Lina ao ponto de a transformarem noutra pessoa. E, assim sendo, é fácil mergulhar nesta história, sentir com as personagens e querer saber mais sobre elas e de que forma os diferentes elos acabarão por convergir no final.
Sendo um percurso de perdas sucessivas, é inevitável que haja pontos e personagens a ficar para trás. Faz sentido que assim seja, até porque a história parte do protagonismo de Amanda para dar depois lugar à história da sua filha. É inevitável, claro, que fique uma certa curiosidade insatisfeita sobre os que vão ficando para trás: o que aconteceu a Julius, depois a Amanda, mais tarde a Henri. Todos eles justificariam um maior desenvolvimento do seu percurso após a separação da história principal. Mas a questão é mesmo essa: é que, tendo em conta o rumo da história principal, para não falar do contexto de guerra, é apenas natural que essas histórias fiquem para trás, pois também Elise não as conhece.
O que fica é, portanto, a impressão de uma leitura cativante e muito emotiva, que, embora não dando respostas a todas as perguntas, traça um marcante percurso de perda e de redenção. Elise e Amanda são, cada uma à sua maneira, duas figuras notáveis. E o seu percurso proporciona, sem dúvida alguma, uma leitura memorável.

Autor: Armando Lucas Correa
Origem: Recebido para crítica

sábado, 9 de novembro de 2019

O Grande Livro dos Livros

A vida de um apaixonado por livros tem muito que se lhe diga. São os livros que já lemos, os que estamos a ler e a infinita lista dos que queremos ler. São os que nos apaixonaram, os que nos fizeram rir, chorar, passar uma noite sem dormir ou dormir um pouco melhor. São os que emprestámos e não voltaram, os que nos emprestaram, os que demos, os que nos deram... Enfim. Os livros são vida e outra verdade universal dos apaixonados por livros é que, se nos perguntarem qual é o nosso livro preferido, provavelmente o resultado é uma lista. É aos apaixonados por livros que também gostam de listas que este livro se destina.
Um dos aspectos essenciais deste género de livro é que, uma vez preenchido, se tornará certamente um objecto completo e um receptáculo de memórias. E, sendo certo que, como habitual, esta que vos escreve tem uma certa relutância em profanar um livro com a minha tenebrosa letrinha, também o é que, à medida que passava as páginas, dava por mim a preenchê-las mentalmente. Imaginem, então, isto: um livro que se vai tornando nosso à medida que nele registamos o que é especial para nós. E isto tendo por tema o mundo dos livros. Não é encantador?
Mas há mais neste livro do que uma lista de possíveis listas. Além dos muitos espaços para preencher e registar memórias, há um conjunto de cativantes ilustrações, várias citações notáveis e até alguns passatempos literários. Além de se tornar, com o preenchimento, um objecto pessoal, este é também um livro bonito, e bonito desde o primeiro contacto. Agora imaginem se, ao contrário de mim, tiverem uma letra decente: uma vez preenchido, será como um pequeno e bonito cofre para guardar durante muitos anos essa paixão pelos livros que tão bem conhecemos.
É mais que um livro: é um desafio a percorrer as memórias dos livros que nos marcam, e também dos que esperamos que nos venham a marcar, sob a forma de um quase diário de listas para preencher, recordar e partilhar. Se procuram um presente para oferecer aos bibliófilos da vossa vida e não sabem o que escolher porque acham que eles já leram tudo... bem, esta é uma belíssima opção.

Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Sem Abrigo (Maria Inês Almeida, José Almeida de Oliveira e Cátia Vidinhas)

Esta é a história de um rapaz que, quando era pequeno, acreditava que as pessoas que dormiam na rua escolhiam fazê-lo para ver as estrelas. Mas um dia descobriu que a verdade era bem menos poética. Com a ajuda da família, começou então a entender o que faltava àquelas pessoas e de que formas poderia, à sua maneira, ajudá-las. Descobriu que são pessoas como nós, com os mesmos sonhos e aspirações, mas a quem a vida pregou uma rasteira...
É inevitável não ver como um desafio a ideia de pegar numa realidade tão dura e, a partir dela, construir uma história simples, enternecedora e, principalmente, elucidativa para contar aos mais pequenos. Mas é precisamente a esse desafio que este livro responde, e fá-lo com sucesso. Muito breve e ainda mais simples, consegue, nas suas poucas páginas, construir a história do seu pequeno protagonista e, ao mesmo tempo, ao fazê-lo pensar sobre a vida dos sem-abrigo, transmitir aos leitores essas mesmas importantes reflexões.
Sendo um livro infantil, não surpreende que se cinja ao essencial, dando vida tanto à história como às questões através do equilíbrio entre um texto simples e certeiro e um conjunto de ilustrações tão bonitas como enternecedoras. E é interessante ver como, deste equilíbrio, emerge um outro: é que, aos olhos de um leitor adulto, a leitura acaba por ter o mesmo impacto. Afinal, as questões podem ser simples, mas não podiam ser mais pertinentes: o que levou as pessoas àquela situação? E que possibilidades há de os ajudar?
E, claro, importa olhar para o texto propriamente dito e para a forma como, ao dar voz ao seu pequeno protagonista, a história se torna mais próxima e pessoal. Mesmo para nós que já não somos crianças, é como um recordar de tempos mais inocentes... afinal, há uma estranha beleza triste em imaginar que as pessoas vivem na rua para poderem estar mais perto das estrelas. É mais bonito do que a realidade, não é?
Breve, simples, enternecedor e, acima de tudo, elucidativo: assim é, pois, este pequeno livro que, partindo de uma questão muitíssimo relevante, consegue fazer pensar miúdos e graúdos. E não é isso também parte da magia de um livro?

Título: Sem Abrigo
Autores: Maria Inês Almeida, José Almeida de Oliveira e Cátia Vidinhas
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Divulgação: Novidade Marcador

Bem-vindos à Costa do Ouro! A faixa de terra na margem norte de Long Island onde outrora existia a maior concentração de fortunas e poder nos Estados Unidos.
É neste cenário que se encontram dois homens destinados a entrarem em rota de colisão: John Sutter, um advogado de Wall Street, que se mantém tradicionalmente apegado a um legado aristocrático prestes a esfumar-se, e Frank Bellarosa, o maior gangster da América que se apoderou do seu bocado da Costa do Ouro, tomando-a de assalto, arrastando Sutter e a sua aristocrática mulher de grande beleza, Susan, para um mundo violento.
Narrado a partir da perspectiva sardónica – e frequentemente hilariante – de Sutter, salpicado aqui e ali de uma paixão cheia de sensualidade e suspense, O Advogado da Máfia é um romance de enredo arrebatador, que retrata a amizade e a sedução, o amor e a traição.

Nelson DeMille construiu uma carreira literária marcada por enormes sucessos mundiais. Todos os seus livros chegaram ao primeiro lugar do New York Times e da Publishers Weekly, tendo totalizado, em conjunto, 380 semanas na lista dos mais vendidos.
É um dos três escritores que mais vendem em todo o Mundo, superando os 100 milhões de exemplares. Os seus romances têm sido amplamente aclamados pelo público e pela crítica.
Na Marcador, publicou os livros A Ilha do Medo, O Jogo do Leão, Quando a Noite Cai, Fogo Mortal, O Leão, O Jogo do Leopardo, Força Divina, Vertigem Assassina, Missão em Cuba e Escola de Espiões.

Para mais informações, consulte o site da Marcador Editora aqui.

A Greve Camponesa de 8 de Maio de 1944 em Azambuja e Baixo Ribatejo (Américo Brás Carlos)

Naqueles tempos, a vida de um trabalhador rural era penosa, com a escassez de alimentos e a dureza do trabalho a juntar-se às condições cada vez mais precárias oferecidas a quem tinha de trabalhar de sol a sol. Eram também tempos de dura repressão, daí que a greve levada a cabo pelos trabalhadores rurais nos dias 8 e 9 de Maio de 1944 tenha tido consequências brutais. Esta é a história dos sete homens presos em resultado dessa greve, bem como do contexto que a motivou e do que depois se seguiu em termos processuais.
Provavelmente o aspecto mais notável deste livro é o facto de, apesar de ser relativamente breve, conseguir transmitir uma visão bastante completa dos factos e do seu contexto. Claro que, em termos de contexto, haveria necessariamente muito mais a relatar, não só no que toca à escassez alimentar em resultado da Segunda Guerra Mundial, mas também sobre o regime em geral. Ainda assim, a verdade é que toda a informação necessária está presente, e num registo que permite compreender claramente os acontecimentos sem que a leitura se torne cansativa.
É também um daqueles casos em que a história fala por si: basta a história desta greve e das consequências que teve a luta por melhores condições para fazer com que esta leitura valha a pena. É que 1944 não é propriamente história antiga e é impressionante ver as diferenças entre aquele tempo e os dias de hoje, comparando não só os desafios enfrentados, mas também as dificuldades da vida de um trabalhador rural daquele período.
E, claro, há o equilíbrio entre um registo acessível, conciso quanto baste e, principalmente, bastante claro sobre o essencial, e o conjunto de referências, principalmente a artigos da época, que permitem uma percepção mais completa dos factos. Além, claro, de salientar ainda um outro aspecto, discreto, mas deveras interessante: a forma como, mesmo da imprensa censurada, era possível retirar pistas para acontecimentos... menos divulgados.
Finda a leitura, é esta a impressão que fica: a de um relato conciso e equilibrado de um acontecimento histórico e de consequências brutais, enquadrado no contexto do seu tempo e narrado de forma clara e acessível. A soma é, naturalmente, uma boa leitura. E um livro muito interessante.

Autor: Américo Brás Carlos
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Saga - Volume Dois (Brian K. Vaughan e Fiona Staples)

Procurados por ambas as facções em conflito, Marko e Alana continuam em fuga. Mas já não estão sozinhos, pois a entrada em cena dos pais de Marko traz consigo novas tensões e revelações. O destino, esse, é ainda incerto, mas uma coisa é clara: a perseguição não vai parar. E, entre a desconfortável relação familiar, a necessidade de escolher um destino e os inesperados perigos que espreitam de toda a parte, também o passado começa a ganhar forma. Afinal, algo teve de acontecer para aproximar tanto dois inimigos - e a verdade é que os dois povos em guerra têm muito mais em comum do que imaginam.
Há algo de absurdamente fascinante como basta um rápido olhar às primeiras páginas para voltar a mergulhar de cabeça no mundo e na história desta saga. Basta um olhar e tudo o que vem de trás surge imediatamente na memória, bem como a necessidade irresistível que ficou de saber o que mais está reservado para este improvável casal. E, além de estranhamente reconfortante, esta familiaridade imediata tem outro efeito poderoso: basta um olhar e estamos lá dentro. E, a partir daí, há sempre algo de notável a acontecer.
Outro aspecto que sobressai, e que vinha já também do volume anterior, é o equilíbrio entre a complexidade do mundo, a força das personagens e a intensidade das emoções. Sempre foi fácil simpatizar com Marko e Alana, mas, à medida que os acontecimentos evoluem, o laço vai-se tornando mais profundo. E, claro, além dos muitos e brilhantes momentos emotivos, não faltam cenas de acção, momentos de perigo e uns quantos deliciosos laivos de humor a acrescentar leveza a esta corrida contra o tempo... e contra o mundo.
Escusado será dizer que tudo isto ganha vida não só no desenvolvimento da história e de um conjunto de diálogos particularmente eficazes, mas principalmente a nível visual. A diferença entre os habitantes de Coroa e de Terravista não é apenas de pensamento e de capacidades: são seres diferentes. E, além destes dois adversários principais, há todo um outro conjunto de entidades, todos com as suas características peculiares e visualmente marcantes (como é, por exemplo, o caso da Haste). Cada cenário e cada personagem lembram com a máxima clareza que se trata de uma história de mundos diferentes. E talvez seja também por isso que a já referida impressão de proximidade tem um tão poderoso impacto.
Brilhante no conceito, no mundo, nas personagens, belíssimo em termos de arte e perfeito em termos de enredo, trata-se, pois, de um segundo volume que excede em tudo as já altas expectativas. Mal posso esperar para ver o que acontece a seguir nesta fascinante e maravilhosa aventura.

Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O Segredo da Minha Mãe (Clare Swatman)

Georgie sempre levou uma vida bastante resguardada e isso nunca a incomodou, mas começa agora a perceber que talvez esteja a perder algumas das boas experiências da vida. Decide, por isso, procurar a sua certidão de nascimento, a fim de poder tirar o passaporte e partir finalmente nas tão desejadas férias. Só que essa busca trará uma descoberta bem diferente da que planeava. A mãe não tem a sua certidão de nascimento e, dada a sua doença, Georgie não pode propriamente perguntar-lhe porquê. Decide, pois, procurar por iniciativa própria, sem saber que as descobertas que a aguardam abalarão toda a vida que julga conhecer...
Dividido entre diferentes pontos de vista, é na capacidade de realçar as perspectivas e sentimentos das diferentes personagens que está a principal força deste livro. Grande parte do percurso de Georgie é narrado na terceira pessoa, de modo a abrir espaço também para o ponto de vista da irmã, mas sempre com uma proximidade emocional bastante vincada, tornando a confusão que sente ante cada revelação mais palpável e o impacto mais intenso. Já as partes de Jan e Kimberley surgem na primeira pessoa, o que torna mais perceptível o choque emocional dos grandes acontecimentos e mais marcante o contraste entre esperança e desespero que parece ter estado na origem de tudo aquilo que as liga.
É a emoção a dominar toda a história, mas há também um grande mistério no cerne de tudo. Mistério esse cuja revelação não é particularmente dramática, surgindo até bastante cedo, mas cujas consequências são potencialmente devastadoras. Não é, então, o mistério da origem de Georgie o foco central da narrativa, mas antes as consequências dessa revelação. E, por isso, se é verdade que inicialmente parece que algumas coisas estão a acontecer demasiado depressa, também o é que a história acaba por evoluir num sentido diferente.
É também devido a esta teia de revelações e emoções contraditórias que o final faz tanto sentido. Não é uma conclusão perfeita, ficando, aliás, muitas questões em aberto, tanto sobre o futuro de Jan como da sobrevivência dos laços familiares e de amizade. Mas, tendo em conta tudo o que acontece ao longo do livro, o final relativamente aberto, deixando receios e possibilidades à imaginação do leitor faz especial sentido, pois a vida de Georgie atingiu um ponto onde muito foi descoberto - e tudo é possível para o que virá depois.
Sempre cativante e com uma certa aura de mistério a dar lugar a um percurso de revelações devastadoras, trata-se, pois, de um livro muito emotivo e repleto de momentos intensos. Marcante pela força dos afectos e também pela vulnerabilidade das personagens, uma história que, feita de um percurso difícil, facilmente acaba por se gravar na memória.

Autora: Clare Swatman
Origem: Recebido para crítica

domingo, 3 de novembro de 2019

O Evangelho das Enguias (Patrik Svensson)

A enguia é um animal misterioso. Durante muito tempo, foi impossível explicar de onde vinha, de que forma se reproduzia e como se processavam as suas diferentes metamorfoses. Ainda agora nem tudo tem uma explicação clara. Mas, além do grande enigma de muitos investigadores ao longo dos tempos, a enguia assumiu para o autor deste livro um papel especial: o de ponto de ligação na sua relação com o pai. São, pois, duas as histórias que se fundem neste livro: a da enguia e a daquele que sobre elas escreve.
Provavelmente o aspecto mais interessante deste livro é a forma como consegue equilibrar três registos diferentes sem que a leitura deixe de ser cativante. Ao longo do livro, há capítulos dedicados às memórias pessoais do autor, à história da investigação sobre a enguia, às suas invulgares características biológicas, ao perigo de extinção e até à análise filosófica deste tão peculiar animal. Tudo isto surge, de alguma forma, ao longo do livro e o mais interessante é que, sem nenhum dos aspectos ser abordado de forma particularmente detalhada, é, ainda assim, inevitável a sensação de que o essencial está lá.
Também particularmente notável e a forma como a escrita se ajusta na perfeição estes diferentes elementos. Claro que as partes mais dedicadas aos factos puros e duros adquirem um tom mais distante, mais descritivo, do que as que relatam as memórias do autor. Mas, um pouco à semelhança da tão citada Rachel Carson, o autor consegue entrelaçar nestas descrições científicas um ocasional laivo de poesia, uma questão filosófica, uma comparação entre homem e enguia que dá a tudo uma perspectiva um pouco mais próxima. À crua distância dos factos contrapõem-se então estes ocasionais laivos de proximidade, que nunca deixam de ser uma boa surpresa.
Claro que, sendo uma mistura de diferentes facetas, é inevitável a impressão de que certas partes poderiam ser mais aprofundadas. Afinal, cada um dos investigadores referidos justificaria um livro inteiro, mesmo olhando apenas para a parte do seu percurso que dedicaram à enguia. Mas a verdade é que as bases essenciais estão lá e esta visão mais concisa consegue reflectir quase que um apelo à viagem de descoberta. O que, tendo em conta o percurso da sua misteriosa protagonista, é também particularmente adequado.
Algo pausado, mas repleto de informação interessante e com um notável equilíbrio entre a crueza dos factos e a insinuação do mistério, trata-se, pois, de um livro que funde história, ciência e autobiografia numa muito interessante viagem de conhecimento e emoção. Vale, por isso, a pena conhecer melhor a enguia - e a forma como influenciou o crescimento do autor.

Autor: Patrik Svensson
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

As Mulheres do Coro de Chilbury (Jennifer Ryan)

Chilbury, uma pequena povoação inglesa habitada por uma comunidade muito unida, vê-se abalada nas suas bases pela chegada da guerra. Grande parte dos homens viram-se obrigados a partir para a guerra, o que, além do incessante medo da perda, trouxe consigo outro tipo de mudanças e a necessidade de as mulheres assumirem um papel mais relevante. Por isso, quando o pároco decide fechar o coro devido à falta de homens, logo uma alternativa se manifesta, com a vontade da recém-chegada Prim, professora de música, de criar um coro só de mulheres. Nasce assim o coro feminino de Chilbury, foco de união em tempos desesperados, não só na guerra contra os nazis, mas no entrelaçar de mistérios e pequenas intrigas que pairam, qual sombra, sobre a tranquilidade de Chilbury.
Escrito essencialmente sob a forma de cartas e diários dos principais protagonistas da história, este é um livro que, desde muito cedo, abre portas para os sentimentos mais íntimos das diferentes personagens. Não surpreende, por isso, que um dos primeiros aspectos a chamar a atenção, e também uma das grandes forças deste livro, seja a intensidade emocional e a forte empatia que logo desde as primeiras páginas se gera entre leitor e personagens. Além disso, ao acompanhar as diferentes ramificações da história na primeira pessoa, o impacto dos acontecimentos ganha outra força e a evolução das personagens - e, oh, se há evolução nestas personagens - torna-se mais tangível e impressionante.
A escrita ganha, por isso, especial destaque, com a forma como a autora consegue conferir diferentes vozes - todas elas autênticas e harmoniosas - aos seus diferentes narradores. É fácil reconhecer a voz de Venetia, e ver como esta vai mudando com as consequências da sua própria história. O mesmo acontece, e de forma particularmente notável, com a Sra. Tilling, à medida que vai descobrindo a sua voz e o seu lugar no mundo. E isto aplica-se, em maior ou menos grau, a todos os intervenientes, dos que despertam imediata empatia aos que começam por sobressair pela falta de escrúpulos, para depois revelar uma surpreendente presença (ou, nalguns casos, ausência) de qualidades redentoras.
É uma história de vida em tempos de guerra, o que significa a presença constante da sombra da perda, bem como a sua manifestação efectiva. Mas é também a história de uma comunidade e a das diferentes pessoas que a constituem. Neste meio tão coeso, há espaço para todo o tipo de enredos e revelações, desde uma troca de bebés à descoberta do amor nos braços de um espião, passando por uma paixão de infância que se transforma numa realidade mais dura e pela persistência do amor por entre todo o tipo de sofrimentos. Não faltam momentos marcantes ao longo deste livro. E emoção, principalmente, o tipo de emoção transbordante capaz de arrancar sorrisos e lágrimas como se estivéssemos lá mesmo ao lado destas personagens... a ver a vida acontecer.
Não faltam, pois, qualidades nesta belíssima e inspiradora história. Um livro capaz de nos transportar para a vida e para o coração das suas personagens - e de se abrigar no nosso, bem depois de lidas as suas últimas frases. Maravilhoso, em suma. Maravilhoso.

Autora: Jennifer Ryan
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro As Mulheres do Coro de Chilbury, clique aqui.