sábado, 29 de janeiro de 2022

Dormir Num Mar de Estrelas - Volume Dois (Christopher Paolini)

A guerra espalhou-se pelo espaço. A situação parece cada vez mais desesperada. E a única esperança de salvação, apesar de ténue, reside numa proposta de paz feita por uma fação dissidente do inimigo. Kira acredita que é a única hipótese que têm e, por isso, está disposta a fazer tudo o que for preciso para conseguir materializar essa paz. Mas nem todos veem as coisas de forma tão linear e o seu caminho terá de ser feito pela via mais difícil. Contra quase todos, ante dificuldades aparentemente insuperáveis e numa viagem de descoberta que transformará a sua própria natureza.
Se já no primeiro volume o crescendo de intensidade era evidente, aqui tudo se intensifica ainda mais. A guerra alastra e os momentos de conflito tornam-se mais desesperados, o que significa uma expansão da componente de ação e de planeamento que desde muito cedo se foi intensificando nesta história. Já as hipóteses de sucesso parecem, por vezes, reduzir-se a pó, o que implica um igualmente intenso impacto emocional, tanto ante perdas e derrotas, como nas próprias relações entre personagens.
E também das próprias personagens, e do seu desenvolvimento, vem esta intensidade que é uma das grandes forças deste livro. Há uma evolução vincada ao longo de todo o percurso: nas relações, nos níveis de confiança, nas perspetivas do mundo e - no caso de Kira - na própria natureza de quem é. E, assim, o que acontece é que, num sistema vastíssimo, cheio de singularidades e de elementos complexos, o verdadeiro impacto vem da componente humana, da proximidade avassaladora que estas personagens conseguem gerar e da familiaridade por entre a diferença que torna tudo tão fluido e natural - mesmo num cenário tão diferente.
Ainda um inevitável ponto a destacar é a capacidade de surpreender, tanto no decorrer dos acontecimentos como na construção global. Não faltam desenvolvimentos inesperados ao longo do enredo, momentos de choque que transformam todos os planos e todas as perspetivas de futuro das personagens. Mas esta sucessão de surpresas assume também uma forma mais global, na medida em que tudo converge para uma conclusão também surpreendente - e particularmente poderosa - que ganha ainda mais força por não ser linear e definitiva. Por deixar o suficiente de mistério e de esperança no pensamento.
Vastíssimo na construção do universo, mas fascinante na naturalidade com que o constrói e capaz de despertar emoção tanto nas pequenas coisas como nas grandes revelações, trata-se, em suma, de um livro marcante e cheio de surpresas. Uma longa e sinuosa viagem, intensa e inesquecível.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Gideon Falls - Volume Seis: O Fim (Jeff Lemire, Andrea Sorrentino e Dave Stewart)

Todos os mundos convergem para o centro. E agora que o fim está próximo, é na direção do centro que tudo colapsa. Mas ainda nem tudo está perdido. Há uma última corrida contra o tempo, na esperança de encontrar uma resposta e de travar o caos desencadeado pela destruição do Celeiro Negro. Para o fazer, porém, Danny e os outros terão de saltar entre mundos, de regressar à Gideon Falls de onde partiram e de voltar ao início para inverter parte do que foi feito. Mas será possível? E que consequências terá a possível anulação de tudo o que aconteceu?
Parte do fascínio desta série, desde o primeiro volume, tem origem na mistura de mistério e de estranheza que define toda a progressão do enredo. Há sempre algo de inexplicável, e a procura de respostas para esse inexplicável conduz sempre a momentos singulares, seja de convergência de mundos, de aparições inesperadas ou de um improvável mas fascinante dobrar da linha temporal. O que começou por ser um mundo aparentemente simples rapidamente se expandiu em infinitas possibilidades, que agora, neste volume final, convergem para uma derradeira conclusão, igualmente singular e estranha, e igualmente impressionante.
Ora, esta singularidade é também origem e causa de muitos contrastes, tanto em termos de enredo como de construção visual. À semelhança do universo, também a arte deste livro é feita de traços singulares, com rasgos que quase parecem brotar da página, construções de mundos que se entrelaçam em figuras a fazer quase lembrar a dupla hélice do ADN, expressões de horror sobrenatural que contrastam com outros horrores humanos e um mundo de sombras rasgadas a vermelho que realça o crescendo emocional da história. Mas o maior contraste vem da construção das próprias personagens e da forma como, depois deste longo caminho, onde tudo o que sabiam sobre a vida se transformou, continuam a manter a sua essência, a sua humanidade, os laços simples por entre o caos do multiverso.
Tudo converge para o centro e o fim está próximo. Mas isso não significa que tudo atinja explicações perfeitas e resoluções absolutas. Dado o percurso até aqui, estranho seria que o fizesse. Ainda assim, a forma como tudo termina faz sentido, deixando o suficiente em aberto para estimular a imaginação dos leitores, mas encerrando de forma adequada a longa expansão deste mundo - ou pelo menos esta etapa dessa expansão.
Tudo somado, fica a imagem global de um destino à altura da viagem, de uma conclusão que encerra com chave de ouro o longo percurso de estranheza e de descoberta que foi esta aventura nos meandros de Gideon Falls. Estranho e fascinante, poderoso em todas as facetas e sempre envolvente nos seus tortuosos labirintos, um final inesquecível para uma série toda ela memorável.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A Noiva Judia (Nuno Nepomuceno)

Quando o cadáver de um escritor famoso é encontrado numa praia deserta, com evidentes sinais de violência, o caso rapidamente se torna notícia. Assim, quando, nessa mesma noite, um jovem confessa o homicídio como alegada legítima defesa contra o assédio do escritor, a polícia não hesita em aceitar essa confissão. Pelo menos aparentemente. É que há provas que apontam para a inocência do suposto assassino - e a história da vítima está cheia de segredos tortuosos. É a notícia desta morte que desperta o interesse da jornalista Diana Santos Silva - e, inevitavelmente, do marido, o professor Afonso Catalão. O que nenhum deles sabe ainda é quantas teias convergem para esse mesmo mistério...
Existem certos aspetos que, ao sexto volume de uma série, são, à partida, expectáveis: uma certa familiaridade com as personagens, um certo conhecimento do que as move, certos hábitos e formas de reagir que ditarão, à partida, alguns dos seus comportamentos. E, tendo tudo isto em conta, uma das primeiras coisas a sobressair deste volume final é a forma como tudo isso se verifica, sem que enredo e personagens percam a sua capacidade de surpreender. Sim, conhecemos Afonso e o que o move, conhecemos as suas relações os seus fantasmas. Conhecemos Diana e a sua infinita curiosidade. E conhecemos também muitas das misteriosas figuras com que se cruzam. Mas a verdade é que esta fase final do percurso, onde múltiplas ligações confluem para uma série de poderosos desenvolvimentos, não deixa, ainda assim, de ser toda ela feita de surpresas, de momentos intensos e de um crescendo de intensidade que culmina num final praticamente perfeito.
Tudo neste livro é equilibrado. O enredo, com a sua sucessão de reviravoltas, intrigas e mistérios, entrelaçando os percursos das várias personagens de forma intensa e sempre intrigante. A construção das personagens, com os fantasmas das suas vidas a repercutirem no presente as consequências das suas escolhas. E a própria forma de apresentar tudo isto, com momentos de ação e de emoção, de introspeção e até de uma certa divertida leveza. É o tipo de livro em que as páginas quase voam, dada a facilidade com que nos transporta para o seu interior.
Há ainda dois últimos pontos que importa referir. O primeiro prende-se com o facto de ser o sexto - e último - volume de uma série. Se é certo que alguns dos volumes são relativamente independentes, este livro final é o exemplo perfeito do porquê de valer a pena conhecê-los a todos e por ordem. É para este ponto que tudo converge, é aqui que todas as relações se entrelaçam e o seu verdadeiro impacto vem tanto do percurso que traça como do conhecimento e da familiaridade que temos já com estas personagens. É memorável por si só, é certo. Mas sê-lo-á ainda mais para quem já conhecer o que vem de trás.
E o último ponto não será uma surpresa para quem acompanha o autor, e particularmente esta série. Pode ser o último volume, pode ser o ponto para onde todas as linhas confluem, mas a conclusão nunca poderá ser linear e absoluta. Nunca é. A forma como tudo termina dá realmente resposta a muitos dos mistérios. Mas deixa o suficiente de enigmas e de possibilidades para ficar na imaginação do leitor. E insinuar, talvez, a ténue esperança de um possível reencontro.
O que dizer, então, desta última notável viagem? Que nada lhe falta e que tem tudo na medida certa. Mistério, perigo, intensidade, emoção. Personalidades complexas, mas fascinantes e humanas. E um percurso que, surpreendente da primeira à última página, marca em todos os aspetos, nas pequenas e nas grandes revelações. Brilhante, em suma. Como sempre.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Um Belo Dia Para Morrer e Outras Histórias (Amílcar Monteiro)

Vidas que se cruzam, catástrofes globais, a procura da tranquilidade nos últimos momentos, pactos improváveis e desenvolvimentos inesperados - sempre com a morte na sombra, à espreita, como na própria vida. Eis a raiz dos contos que constituem este livro, histórias distintas e singulares, com uma voz sempre envolvente e com um dom natural para tecer surpresas. Histórias que são uma viagem e que nos levam à descoberta da vida - e do outro lado dela.
Tudo começa com Um Belo Dia para Morrer. Primeiro conto e história que dá título ao livro, fala de um índio que decide retirar-se para um sítio secreto a fim de morrer em paz e em comunhão com a natureza. Só que o sítio não é assim tão secreto e tranquilidade é coisa que não abunda por aqueles lados. Cativante desde as primeiras frases e com uma curiosa sucessão de reviravoltas, este é um conto que surpreende sobretudo pela naturalidade com que o registo se vai alterando. Começa num tom quase melancólico, passando depois para um registo mais caricato à medida que os episódios bizarros se sucedem e culminando num final inusitadamente cruel. Surpreende em todos os aspetos, em suma, e não se podia pedir melhor forma de inaugurar esta leitura.
Segue-se A Todo o Vapor, história de um encontro entre estranhos num comboio, de um sucessivo cruzar de caminhos e de como os mesmos gestos podem ser interpretados de perspetivas muito diferentes. Fluido e cativante na sua conjugação de duas vozes muito distintas, ao ponto de dar aos mesmos momentos uma perspetiva totalmente diferente, marca sobretudo pela abordagem a como o medo condiciona a vida e altera perceções, acrescentando a uma história a que não falta envolvência uma boa dose de material para reflexão. 
Vem depois Descansa em Paz, história da celebração da paz entre cinco cidades após uma longa guerra e de um banquete que se transforma em caos com a súbita morte do provador real. Um pouco mais pausado do que os contos anteriores, mas igualmente cativante, trata-se de uma história de conflitos e tensões provocadas por um equívoco. Percorre também um amplo espetro emocional, partindo de um ambiente de festa para se expandir depois num crescendo de intensidade e de fúria que abre caminho a uma possível quebra de todas as conquistas passadas. Surpreendente e envolvente, uma boa história.
O Melhor Amigo apresenta dois amigos que, fruto de uma natural rivalidade infantil, juram acertar contas quando forem adultos num duelo até à morte para provar qual dos dois é o melhor. Intenso na premissa e sobretudo na forma como a história se vai desenrolando, entre dúvidas, hesitações e reviravoltas, trata-se de um conto relativamente longo, mas que nunca deixa de cativar. Além disso, vai abordando várias questões relevantes pelo caminho, desde a forma como a obsessão motiva escolhas erradas ao impacto que essas escolhas têm na vida de familiares e outras pessoas próximas. Vai também crescendo em força à medida que o inevitável desenlace se aproxima e culmina num final verdadeiramente implacável.
Finalmente, temos Um Final Feliz, história de um vírus altamente contagioso indutor de uma espécie de felicidade extrema com consequências surpreendentemente pouco felizes. Narrado sob a forma de testemunhos dos sobreviventes, trata-se de um conto peculiar, com a estranheza do vírus a despertar uma curiosidade quase imediata e as diferentes vozes a contribuir para a construção de uma teia verdadeiramente fascinante. Não faltam ideias intrigantes, a começar, desde logo, pelo próprio vírus e pelos efeitos que induz. Mas o mais impressionante de tudo é o impacto do que é no fundo uma vasta e especialmente envolvente reflexão sobre a importância e a influência das emoções, culminando numa conclusão tão cruel quanto poderosa.
Terminada a leitura dos contos, importa fazer ainda uma referência final à secção intitulada Sobre as Histórias, onde o autor expõe um pouco da origem das suas ideias e da forma como cada conto se foi desenvolvendo. Ainda que as histórias falem por si, é sempre interessante conhecer um pouco melhor a sua origem e esta visão sucinta, mas pessoal, acrescenta ainda um novo ponto de interesse a esta leitura.
E o que fica desta leitura não podia ser senão uma impressão muito positiva. Histórias de vida e de morte, cada uma com um contexto e uma visão muito diferentes, mas todas cativantes, intensas e surpreendentes, formam um todo coeso mas amplo, e sempre muito intrigante. A soma das partes é, pois, deveras memorável. E interessantíssima de descobrir.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Dragomante - Fogo de Dragão (Filipe Faria e Manuel Morgado)

De um rito místico concebido para combater os dragões, que viam a humanidade como presa, nasceram os Dragomantes. No sangue, corre-lhes um fogo que lhes permite domar um dragão e estabelecer com ele um vínculo inquebrável, e também uma destreza inigualável que os torna imbatíveis, mas talvez um pouco menos humanos. E é por isso que cada Dragomante tem de ter um escudeiro para o ancorar à humanidade. Nereila, a primeira mulher Dragomante em muito tempo, acaba de completar o seu treino e tem uma missão delicada pela frente. Pois o orgulho do pai deixou-lhe um inimigo de herança, que tudo fará para destruir tudo o que ela ama. Mas o mais difícil de tudo pode muito bem ser controlar o seu fogo interior...
Um dos aspetos mais impressionantes deste livro - além da arte prodigiosa, obviamente - é a forma como, apesar de relativamente breve, consegue apresentar um mundo tão vasto. Claro que está longe de nos dizer tudo, até porque se trata de um primeiro volume, mas diz muito, sobre os ritos, sobre os locais, sobre os sistemas de poder e sobre as relações entre personagens. Não falta informação neste primeiro contacto com este mundo, e informação interessante, intrigante e exposta de forma natural, sem tornar o ritmo demasiado parado nem abrandar a intensidade do enredo (que é, aliás, de ritmo furioso).
Outro elemento notável é a arte que, como já disse, é prodigiosa. A expressividade das personagens é notável, sobretudo no caso de Nereila, os cenários são fascinantes, as sequências de ação estão carregadinhas de movimento e não faltam pormenores a sobressair, por exemplo, na indumentária das personagens. Apesar de ser um livro com bastante texto - o que é, de certo modo, inevitável ao começar a apresentar um novo mundo - a parte visual fala eloquentemente. E fica a sensação de que ambas as facetas - texto e imagem - se entrelaçam num equilíbrio perfeito.
Voltando ao enredo, escusado será dizer que ficam muitas perguntas sem resposta, como é natural, sendo um primeiro volume. Mas também aqui há um bom equilíbrio entre o muito que é revelado e o possivelmente muito mais que fica por dizer. Há desenvolvimentos marcantes, momentos de ação e de emoção, espaço para algum humor e uma fase da história que parece ficar encerrada, abrindo caminho para novas etapas. É um primeiro volume, sim, e a história está longe de ter terminado. Mas parece ter-se interrompido num ponto muito adequado.
Visualmente deslumbrante, com um mundo muitíssimo interessante e uma história que parece ter apenas começado, mas a que não faltam já momentos marcantes, trata-se de um belo início para o que promete ser uma aventura memorável. Muito bom.

sábado, 22 de janeiro de 2022

E Se os Animais Dessem Beijinhos de Boa Noite? (Ann Whitford Paul e David Walker)

E se os animais dessem beijinhos de boa noite? Como o fariam? Esticando os pescoços no caso das girafas? Tocando os bicos, no caso das aves? Uivando à Lua? Rosnando? Saltitando? Ou numa aproximação muuuito cuidadosa? Conseguem imaginar como seria? Bem, uma coisa é certa - não faltaria ternura. E este livro é a prova exata disso.
É absurdamente fácil descrever este livro numa palavra, até porque lhe assenta na perfeição: fofo. E é fofo em todos os aspetos, desde as ilustrações carregadinhas de ternura ao texto simples, mas cheio de harmonia e de ritmo, sem esquecer, naturalmente, a premissa da história, que é desde logo um hino ao afeto. É o tipo de livro que é a definição de reconfortante e, na suas poucas páginas, transporta-nos para tempos mais inocentes, lembra-nos o poder do mais simples de todos os gestos e leva-nos à aventura como na infância, o tempo em que tudo era possível.
É uma história sobre beijinhos de boa noite, e basta isto para a tornar perfeita para ler aos mais pequenos antes de dormir. É breve, é ternurenta, tem os seus momentos divertidos e tem uma cadência que quase embala, o que a torna ideal para ler antes de adormecer. E tudo isto surge também num livro que é simplesmente bonito, com as suas ilustrações coloridas e fofas, a sua diversidade de cenários e de animais e o equilíbrio entre a simplicidade e o pormenor.
Carregadinho de ternura, é o tipo de livro infantil perfeito para partilhar com os mais pequenos, mas também para nos levar numa viagem à nostalgia de quando o éramos. E com o seu equilíbrio ideal entre todos os elementos - e a fofura que transborda das páginas - é absurdamente memorável na sua simplicidade. Belo, reconfortante, enternecedor. Lindo.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O Caminho do Burro (Paulo Moreiras)

Nem só de longas histórias vive a literatura. Algumas são viagens breves, no mundo, no tempo, no nosso próprio íntimo. E às vezes bastam poucas páginas para nos levar à aventura, a caminhos nunca antes percorridos. É isso que acontece neste livro. Mas já lá vamos.
Antes dos contos propriamente ditos, surge, À Guisa de Prólogo, uma breve introdução do autor sobre os seus passos e inspirações de escrita, que conta também a muito interessante origem do título. E porquê referir esta introdução? Porque, como tantas vezes acontece, desperta uma sensação de proximidade que abre logo portas à curiosidade sobre o que se seguirá.
Passando aos contos, o primeiro chama-se Ars Amatoria, e fala de uma invasão de ratos num mosteiro, da única solução possível e de uma forma de amor inocente, mas inevitavelmente questionada. Cativante pela voz singular e pela forma como dá vida ao ambiente, este conto tem, ainda assim, a sua grande força no amplo espetro emocional que percorre. Vai do desconcerto ao humor, e depois da ternura à desolação, sem nunca perder a fluidez e a naturalidade. E nunca deixa de surpreender, em todas estas etapas.
Segue-se Doces e Paixões de Calistra, história de uma rivalidade entre conventos e da origem secreta de um doce tentador. Também aqui as oscilações emocionais se destacam, entre a leveza de um concurso culinário conventual e a intensidade de uma paixão impossível. O registo global acaba por ser mais ligeiro, mas igualmente memorável, ainda assim.
A Pedra do Diabo fala da aparição de um forasteiro, da construção de uma vida, de uma vingança jurada e de um pacto com o maligno. E conjuga todos estes elementos num conto surpreendentemente leve, com um toque a evocar quase as lendas tradicionais e cheio de momentos inusitados.
Vem depois A Perdição de Sebastião das Canas, história de um homem mulherengo, mas pacato, e com fama de guardar um tesouro. Mais pausado, mais descritivo, mas igualmente cativante, trata-se de uma história que, mais que pelo protagonista, surpreende pela precisão com que invoca as imaginações e murmúrios da natureza humana, tão presentes sobretudo em meios pequenos.
As Queijadas do Rei do Botão fala de um rapaz particularmente hábil no jogo e de sentidos culinários especialmente apurados. Mais breve do que os anteriores, trata-se um conto mais simples e direto, mas igualmente cativante e evocativo.
O Traga-Moscas conta a história de um forreta e da inesperada revelação trazida pela luz. Um pouco caricato, mas também muito cativante, destaca-se sobretudo pela singularidade das circunstâncias e pela reflexão que estas podem evocar.
Segue-se O Tambor de Albano Marmelo, história das aspirações de um homem e de uma vaca com influências singulares. Surpreendente em primeiro lugar pelo seu lado um pouco caricato, que evolui depois para um registo mais intenso e até cruel, sobressai deste conto o crescendo de intensidade e a forma como o inesperado se torna quase natural.
A Herança de Ernesto Trabuco fala de um homem observador e da sua carreira de fotógrafo. Relativamente pausado, apesar de não ser dos contos mais longos, destaca-se, ainda assim, pela mistura de nostalgia e aspiração que parece definir o percurso do protagonista.
Vem depois O Príncipe das Camarinhas, história de um rapaz aventureiro e de uma guardiã de tradições. Nostálgico e cativante, transporta para as memórias do protagonista, realçando a importância não só das tradições, mas também dos pequenos momentos que perduram.
As Confissões de Mestre Roupinho fala de um alfaiate de hábitos fixos e devoção... singular. Bastante leve, apesar da forte componente descritiva, é não só uma história cativante e peculiar, mas também uma reflexão sobre os segredos e como vêm à tona quando menos se espera.
Segue-se A Suprema Conquista, história de um homem que faz da felicidade negócio e que se depara com o maior dos desafios. Algo caricato, mas muito envolvente, também por ser narrado na primeira pessoa, é todo ele leveza e inesperado,  e é também isso que o torna singular. 
O Bacalhau de Chico Rosalino fala da elaborada busca de um bacalhau para a consoada em tempos de vacas magras. Peculiar, mas deliciosamente viciante, cativa sobretudo pelo tom leve e pela sucessão de surpresas a surgir no caminho dos planos do protagonista.
E o último conto, O Calvário de Chico Rosalino, recupera o protagonista do conto anterior, na história de uma atribulada peregrinação a Fátima motivada por estranhos pretextos. Leve e singular, tal como o conto anterior, e também igualmente inesperado, realça também a aparentemente inesgotável capacidade de surpreender das pessoas.
Finalmente, importa referir ainda Um Fardo de Curiosidades, breve traçado da vida destes contos antes desta sua conjugação. Não é uma informação crucial, claro, mas não deixa de ser interessante conhecer o contexto em que surgiram inicialmente.
Tudo somado, o que fica é a imagem de um conjunto de histórias cativantes e singulares, com uma voz muito própria, uma agradável leveza e uma profusão de surpresas. E é esta, naturalmente, a matéria de que são feitas as boas leituras.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Sapiens Imperium (Sam Timel e Jorge Miguel)

Na sequência da derrota que lhes custou o trono imperial, todos os membros da dinastia Khelek, bem como os seus aliados, foram enviados para Tazma, uma prisão numa lua abandonada. Seguiram-se sessenta e cinco anos de sofrimento, miséria e morte, longe dos olhos de todos e sem esperanças de libertação. Mas isso está prestes a mudar. Primeiro, geram-se tensões entre os prisioneiros, causando o colapso da relativa ordem, a morte do príncipe e uma fuga precipitada de um dos seus filhos. Depois, começam os planos de fuga e de uma possível luta pela liberdade. Mas violência gera violência e não é só entre os prisioneiros que há tensões... A liberdade, se vier, terá um preço elevado. E talvez nem todos sobrevivam para a ver...
Passada num futuro distante, num cenário que abrange galáxias, com toda uma cronologia a servir-lhe de base e uma série de relações ancestrais a justificar a situação presente, é quase inevitável que a primeira impressão que fica desta história é que poderia perfeitamente ser parte de uma história muito maior. Há um contexto vastíssimo, de relações e de evolução do sistema, que justificaria perfeitamente outras tantas histórias complementares a esta. E assim, é também de certa forma inevitável uma curiosidade em conhecer as partes que acabam por ficar para segundo plano.
Dito isto, não faltam acontecimentos na parte que efetivamente nos é dada a conhecer. Tantos que também aqui fica a sensação de que a história poderia ter sido mais aprofundada nalgumas facetas. Ainda assim, há um certo equilíbrio na forma concisa com que alguns desenvolvimentos são explorados. Como se esta história onde os conflitos são constantes quisesse mostrar as sombras para lá da guerra e da intriga: o impacto nos inocentes, no mundo, e os motivos por vezes fúteis que desencadeiam consequências muito mais graves.
Há, aliás, algo de particularmente interessante na forma como, num cenário onde tudo é diferente do que conhecemos, a força motriz das ações - seja ela de raiz emocional ou racional, desinteressada ou egoísta - continua a ter tanto em comum com o nosso presente. E mais: o próprio sistema funciona muitas vezes como uma projeção para o futuro de comportamentos bem conhecidos do passado ou do presente. Sendo de destacar, naturalmente, a forma como os Sapiens lidam com as espécies inteligentes não humanas.
Do ponto de vista visual, importa destacar dois aspetos. Um deles, talvez menos destacado, tem a ver com as ilustrações que acompanham a cronologia e que, nalguns casos, dão uma perspetiva mais detalhada dos cenários onde tudo acontece. O outro tem a ver com a forma como estes cenários surgem na história propriamente dita, inevitavelmente mais simples em comparação, mas perfeitamente ajustados não só no contraste entre locais, mas também entre o antes e o depois da devastação.
Fica, sim, a sensação de que poderia ser parte de uma história muito mais vasta. Mas não lhe faltam qualidades tal como é, desde os momentos de emoção às surpresas ao longo do percurso, sem esquecer, claro, o abundante material para reflexão que se vai insinuando através da história. E é por tudo isto que, mesmo com as perguntas que deixa e a relativa concisão de certas facetas, não deixa de ser uma bela leitura.

domingo, 16 de janeiro de 2022

Piranesi (Susanna Clarke)

Piranesi vive na Casa. A Casa é todo o seu mundo, um lugar de infinita beleza e bondade, onde os salões e corredores se prolongam num labirinto sem fim, coberto de estátuas e governado por estranhas marés. Além dele, mais ninguém habita a casa a não ser o Outro, que o visita de vez em quando e lhe pede que recolha dados sobre as singularidades da Casa. E os dias passam, registados no seu diário pessoal, onde vai tomando nota das suas descobertas e dos pequenos acontecimentos dos seus dias, bem como das suas missões para o Outro na sua busca pelo Grande Conhecimento Secreto. Até que subitamente tudo muda. Há uma nova presença na Casa, que traz consigo verdades desconfortáveis e memórias supostamente sepultadas. E Piranesi, que julgava saber tanto, descobre que não se conhece tão bem como julgava. E que talvez a Casa não seja tudo, afinal.
Parte do que torna este livro tão admirável é a sua delicada fusão de estranheza e naturalidade. Piranesi é um homem sozinho num labirinto, que é o único mundo que conhece e não é de todo o nosso. E, ainda assim, as suas deambulações e explorações por entre estátuas brotam com uma fluidez fascinante. É como se nos levasse com ele a deambular pela infinita beleza da casa e pela enternecedora inocência da sua extraordinária mente. Tudo no seu mundo é singular, mas tudo faz um estranho sentido. E, à medida que as revelações se vão sucedendo, tudo vai crescendo também em intensidade, por entre picos de desolação e de angústia, mas também de ternura e de devoção.
Há algo de profundamente belo no cenário criado pela autora. Mas há também uma crueldade subjacente. Piranesi é feliz na Casa, mas há segredos por trás da sua presença ali, e descobri-los pode ser salvação ou destruição. O mundo da Casa é completo na sua singularidade, mas há elos de ligação que se expandem para lá dele e que abrem caminho a facetas inesperadas. E o Filho Amado da Casa é também vítima de um engano. A única realidade que conhece não é a sua realidade original. E a descoberta de tudo isto traça um tão impressionante labirinto emocional - de inocência e de manipulação, de ternura e de crueldade, de esperança e de vazio - que é impossível não deixar um pouco do nosso próprio coração na Casa.
Toda esta beleza única resulta também, naturalmente, da voz da autora - e, neste caso, da voz que a autora dá ao protagonista, pois é o diário de Piranesi que nos conta a sua história. E é uma voz belíssima, retrato perfeito da inocência, mas também das emoções fortes que o acometem, de uma mente meticulosa, que descreve ao pormenor o mundo em que se move, mas que expressa com angustiante precisão o estranho labirinto mental em que vive também. Não faltam momentos memoráveis, no enredo e nas palavras que o descrevem. Não falta encanto e emoção.
Um pouco à semelhança da Casa, também este livro é de uma beleza insondável, feita de estranhezas e fascínios, de inocência e crueldade. Maravilhosamente escrito, fascinante nas personagens e particularmente poderoso na forma como encerra de forma perfeita uma história feita de improváveis tornados realidade, todo ele é beleza e força. Todo ele é magia, em suma.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Clepsydra (Camilo Pessanha)

De ritmos e de cadências, de uma contemplação exterior que é um reflexo do interior, de nuvens melancólicas que pairam sobre um mundo de amor e sombra e de uma paisagem íntima que se estende em imagens inesperadas: de tudo isto é feito este livro, com tantas formas diferentes, mas a mesma alma, a mesma voz.
Antes de olhar para a poesia propriamente dita, importa, neste caso, olhar com especial atenção para os textos complementares, que, embora caraterísticos desta coleção, e acrescentando sempre algo de novo, são particularmente relevantes no caso deste livro, pois tem uma história muito específica que o torna por natureza indefinível. É um dos raros casos em que a forma assume uma importância independente do conteúdo, pois tem também um trajeto específico, e compreendê-lo torna a leitura mais esclarecedora.
Passando à poesia em si, é difícil destacar aspetos particulares num tudo que é - tendo em conta a já referida história - surpreendentemente coeso. Tudo pertence, tudo faz sentido, há laços a ligar os diferentes poemas. E há, como seria de esperar, uns que deixam marcas mais fortes do que outros, que criam laços emocionais mais profundos. Mas em tudo há beleza, melodia, fluidez, ritmo. E esse equilíbrio perfeito torna a leitura simplesmente memorável.
Curiosamente, nem só da Clepsydra vive este livro, pois inclui também as traduções feitas pelo autor de vários textos chineses. E também neste aspeto sobressai o contraste: é que as vozes não podiam ser mais diferentes, mas a vaga sensação de que tudo pertence mantém-se perfeitamente sólida, como se a criação e a tradução se complementassem.
É um livro que dispensa apresentações, até porque vários dos poemas que o compõem são sobejamente conhecidos. Mas esta leitura sequencial, coesa, contextualizada deixa uma impressão marcante: a de uma redescoberta de algo familiar mas novo, mais completo, mas igualmente belo. E sempre inesquecível.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

A Joia Interior (Anna Llenas)

Todos nascemos com uma joia interior. Mas, à medida que crescemos, o mundo vai-lhe roubando o brilho com as sombras da dúvida, da insegurança, da necessidade de pertencer, mesmo que isso implique deixarmos de ser quem somos, do desconforto na nossa própria pele. Alguns encontram o seu lugar no mundo, encontram pessoas com quem podem ser como são, e isso mantém a joia viva. Outros... deixam-se apagar. Mas há sempre um caminho de volta, um regresso à confiança em nós mesmos. E é desse caminho que este livro nos vem falar.
Se há sempre algo de positivo a retirar de ler um livro infantil enquanto adultos, neste caso, há muito mais do que esse pequeno algo. Toda a mensagem deste livro é igualmente importante para mais e menos novos. Sê-lo-á até mais para os menos novos, ou para aqueles de entre nós cujo brilho da joia interior se foi esbatendo. E assim, a primeira das muitas qualidades deste livro, está obviamente na mensagem: importante, clara, mais atual do que nunca e impressionante na forma como se entranha em nós, apesar de transmitida de forma aparentemente tão simples.
Outro aspeto a destacar é a singularidade do aspeto visual. Não temos as por vezes expectáveis imagens perfeitas e enternecedoras, mas um estilo que, a evocar por vezes os desenhos de uma criança, mas completando-os depois com pormenores deliciosos como brilhos, reflexos de objetos e até uma transparência particularmente eficaz, realça o impacto das emoções - que são, afinal, as verdadeiras protagonistas. Ora, isto torna o livro diferente do esperado, o que acrescenta um fator surpresa ao já forte impacto emocional.
E, das imagens, importa saltar de novo para o texto, para enfatizar como, apesar da relativa brevidade, consegue dar a voz perfeita à mensagem que pretende transmitir. Há, aliás, um aspeto curioso, visto da perspetiva da idade adulta: lido em voz alta, calmamente, funciona quase como uma lembrança a nós mesmos da constante importância desta mensagem. Do nosso valor interior.
É um livro muito simples, mas cheio de singularidades. E que, com a sua tão importante mensagem, transposta para um formato inesperado mas fácil de assimilar e de recordar, proporciona uma leitura marcante, tanto para crianças como para adultos. Um livro emotivo sobre emoções - como deve ser. E belíssimo.

domingo, 9 de janeiro de 2022

Macho-Alfa: Parte 1 de 4 (Filipe Duarte Pina e Osvaldo Medina)

David tem superpoderes que o tornam invencível e, uma vez que não sabe fazer mais nada além de salvar pessoas, toda a sua vida gira em torno da sua identidade de super-herói, o Macho-Alfa. Só que isso de salvar pessoas nem sempre lhe corre tão bem como gostaria e, por isso, apesar do seu fiel grupo de fãs, David sente-se bastante isolado. A solução parece promissora: participar num reality show. Assim, além de pagar as contas, talvez consiga melhorar um pouco a sua reputação. Só que também isso não parece lá muito encaminhado para correr como ele esperava...
Um dos aspetos mais intrigantes deste livro, e algo que se torna evidente desde muito cedo, é que não é bem o que se espera de uma história de super-heróis. À primeira vista, o protagonista pode encaixar perfeitamente na imagem que se tem deste tipo de personagem - fato fixe, invencibilidade, vontade de ajudar as pessoas e um certo carisma. Mas cedo se torna evidente que o humano por trás do herói é bastante mais complexo e ambíguo, com uma vida bastante descontrolada e um temperamento igualmente caótico.
É este temperamento difícil que me leva ao ponto que deixa mais sentimentos ambíguos: a brevidade. É que há todo um conjunto de facetas obscuras na personalidade do protagonista, que vão sendo avistadas a espaços ao longo de todo este primeiro volume. Só que esta parte é breve, o que significa que o que mais fica são perguntas sem resposta ao chegar ao fim da leitura. Claro que faz sentido, ou não faltassem ainda outras três partes, mas não deixa de ficar uma certa curiosidade insatisfeita face ao muito que está ainda por desvendar.
Dito isto, não faltam momentos empolgantes, situações peculiares e até um toque de emoção, resultante em grande medida da tal vida complicada por trás da imagem do herói. Emoção que emerge não só de alguns diálogos, mas sobretudo da surpreendente expressividade - não necessariamente do protagonista, mas dos que lhe são mais próximos - que emerge de uma história definida sobretudo pelo movimento e pela ação.
Breve mas empolgante, ambíguo quanto baste, mas cheio de possibilidades, trata-se, em suma, de um início ainda bastante enigmático, mas já cheio de pontos de interesse. Um belo ponto de partida, a deixar muita curiosidade para as partes que se seguirão.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

O Segredo da Boticária (Sarah Penner)

Escondida nas sombras de uma ruela pouco frequentada, uma botica que foi em tempos refúgio para os males de muitas mulheres transformou-se em algo mais sombrio: uma loja de venenos. É aí que Nella Clavinger fornece substâncias mortíferas a mulheres que precisem de se livrar dos homens que lhes causaram algum tipo de dano. Mas esta forma bizarra de ajudar pode estar perto dos seus últimos dias, pois Nella tem à sua porta secreta uma cliente que irá virar o seu mundo do avesso. E as repercussões estender-se-ão até mais de duzentos anos mais tarde, com outra mulher traída a encontrar um enigmático frasquinho e a decidir investigar a história por trás de tão peculiar objeto.
Oscilando entre dois períodos diferentes, e entre a história de três mulheres muito distintas, este livro tem na naturalidade com que entrelaça os diferentes percursos e as várias personalidades uma das suas grandes forças. Nella, Eliza e Caroline não podiam ser mais diferentes, à primeira vista, mas têm muito em comum e as suas histórias completam-se. E há algo de especialmente poderoso no contraste entre inocência e experiência, hesitação e determinação, conformismo e mudança, que define as vidas destas três personagens.
Outro aspeto notável é, como seria de esperar, toda a questão dos venenos e a forma como a autora explora este elemento. Por um lado, os diferentes venenos utilizados por Nella, a forma como o segredo é mantido e o crescendo de tensão face à iminente descoberta conferem ao enredo uma poderosa aura de mistério. Por outro, há uma ambiguidade moral que torna tudo muito mais complexo, personificada na figura de Nella, criada para ajudar mulheres, traída pelo seu próprio saber e depois embrenhada em atividades mais sombrias - mas sempre com vista a uma peculiar forma de auxílio.
Quanto à parte mais recente da história, também no percurso de Caroline há muito material para reflexão e uma forte intensidade emocional, com a viagem que devia ter sido uma celebração do amor a ser o início de uma mudança radical de rumo - e de várias descobertas tão devastadoras como repletas de potencial. Este é, aliás, um dos pontos mais marcantes do ponto de vista emocional: a forma como a autora consegue fazer surgir luz das sombras e abrir novos caminhos perante o que parece o fim.
Com um enredo intenso, personagens marcantes, um cenário fascinante e muitas surpresas ao longo do caminho, trata-se, pois, de uma leitura memorável em todas as suas facetas, capaz de gerar emoções fortes e de cativar da primeira à última página. E é mesmo essa a melhor palavra para descrever esta viagem: memorável. Em tudo.

Treze anos

 Sim, já passou mais um...
E, entre as correrias da vida, os labirintos quotidianos 
e o caos do tempo que parece eterno, mas nunca chega,
ainda estou aqui.

Treze anos de livros, de histórias, de descobertas na palavra...
E a paixão permanece igual.

Também ainda aí estão?...

Obrigada.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Vou Estar Sempre Contigo (Frances Gilbert e Julianna Swaney)

A amizade é uma das coisas mais importantes da vida. Os amigos reconfortam-nos nos momentos de tristeza e partilham connosco a luz dos momentos de alegria. Fazem-nos companhia quando nos sentimos sós, partilham dos nossos interesses e particularidades e tornam a vida mais vasta - mesmo nas pequenas coisas. Este livro mostra-nos a amizade da forma mais concisa e simples possível. E é precisamente esta simplicidade inocente que o torna tão enternecedor.
Uma observação que é sempre inevitável quando se lê um livro infantil enquanto adulto é o contraste entre a extrema brevidade e simplicidade deste tipo de histórias e a maior complexidade a que estaremos talvez mais habituados. E é, por isso, também inevitável a repetição de uma ideia: a de que ler estes livros simples com um olhar adulto é um regresso à inocência e a uma certa nostalgia desses tempos mais inocentes. E, por isso, a experiência nunca deixa de evocar uma certa ternura.
Passando a este caso concreto, também é, naturalmente, a ternura que sobressai, tanto pela mensagem sempre importante como pelas ilustrações. É um livro simples em todos os aspetos, com um texto muito breve e em que a própria componente visual é muito simples. Mas tudo parece ter a medida certa para salientar a mensagem importante e que, apesar de muito simples na essência, parece nem sempre ser assim tão fácil de pôr em prática (principalmente entre os adultos, é certo).
Ainda um outro ponto a enfatizar neste livro é que esta já muito referida brevidade, associada à cadência muito fluida do texto, faz deste pequeno livrinho uma bela opção para ler em voz alta. E, sendo uma história de amizade e partilha, que melhor forma do que a conhecer do que lê-la com alguém ou para alguém?
Muito simples, muito breve, mas carregadinha de ternura e de inocência, trata-se de uma bonita história para falar de amizade aos mais novos. E para nos lembrar a todos de que ela existe - e é mais importante do que nunca.

Divulgação: Novidades Saída de Emergência

 A saga mágica e intemporal das mulheres por detrás do trono do Rei Artur.
Morgaine é ainda uma criança quando testemunha a ascensão de Uther Pendragon ao trono de Camelot. Uther deseja Igraine, a mãe de Morgaine, presa a um casamento infeliz com Gorlois.
Através da sua sacerdotisa Viviane, Avalon conspira para unir Uther e Igraine e, dessa aliança, nascerá Arthur, a criança destinada a salvar as Ilhas. Morgaine, dotada com a Visão, é levada por Viviane para Avalon, para receber treino como sacerdotisa da Grande Deusa. É então que assiste ao despertar das tensões entre o velho mundo pagão e a nova religião cristã.
O que Morgaine desconhece é que o destino irá armar-lhe uma cilada e pô-la, de novo, no caminho do meio-irmão Arthur da forma que menos espera…

Nell chegou aos quarenta e nada na vida lhe correu como planeado: o seu café‑livraria faliu e o noivo trocou‑a por uma mulher mais nova. É então que regressa a Londres determinada a esquecer a vida na Califórnia e a recomeçar de novo. Mas tudo mudou nos últimos dez anos: as rendas aumentaram, os amigos casaram e têm filhos, e Cricket, a sua nova melhor amiga, é uma viúva octogenária. Num mundo de vidas perfeitas partilhadas no Instagram, Nell sente‑se mesmo uma quarentona na m*rda.
Mas Nell é uma mulher determinada e não se deixa abater. Com a ajuda de Cricket, ela acredita que consegue dar uma volta radical à sua vida e que as coisas serão diferentes no ano seguinte. Mas, primeiro, ela tem uma confissão a fazer.

Em 1146, o jovem Geraldo, aprendiz dos copistas do convento de Santa Cruz, deita fogo ao Scriptorium num ato de rebeldia, sendo obrigado a fugir à ira do recentemente coroado D. Afonso Henriques. Errando pelo al‑Andaluz, assimila a cultura muçulmana enquanto veste o papel de agente duplo, mantendo‑se leal ao rei português e à Reconquista Cristã na esperança de receber o perdão pelos seus atos e deixar um legado de honra ao seu filho.
Exímio cavaleiro e homem letrado, Geraldo Sem Pavor torna‑se num herói invejado e capaz de liderar vastos exércitos. Ao longo dos anos seguintes, «o cão do Giraldo», como era tratado pelos muçulmanos, conquista territórios, desafiando sempre o poder dos almóadas com os seus homens que, de um simples bando de ladrões, se viriam a transformar num verdadeiro exército organizado de cavaleiros‑vilãos.
Repleta de estratégia militar, intriga política e batalhas sangrentas, esta é a história do perspicaz e astuto Geraldo Geraldes, o Sem Pavor, um simples moçárabe de Santarém feito cavaleiro na época da Reconquista Cristã, e da sua ascensão a lenda.

Sempre pensámos que o envelhecimento é inevitável. Os novos dados científicos revelam que podemos estar errados.
O envelhecimento é a maior causa de morte e de sofrimento no mundo. Durante séculos, aceitámos como inevitável a deterioração da mente e do corpo à medida que envelhecemos. Mas os biólogos não estão assim tão convencidos destas evidências.
Eternamente Jovem revela-nos a investigação inovadora que está a abrir caminho a uma revolução na medicina. Leva-nos aos laboratórios onde os cientistas estudam todos os aspetos das células – ADN, mitocôndria, células estaminais, sistemas imunitários – num esforço para prevenir ou reverter o declínio do corpo, um fenómeno conhecido como imortalidade biológica.
Neste livro revolucionário, Andrew Steele oferece esperança baseada em factos, explicando o que acontece quando envelhecemos e a forma como podemos ajudar a abrandar esse processo. Compreender as implicações científicas do envelhecimento pode levar à maior descoberta na história da medicina – que tem o potencial para melhorar centenas de milhões de vidas e transformar a condição humana.

Considerada a maior diva de todos os tempos, a carreira excecional de Maria Callas contrasta com uma vida privada de abuso e de submissão, e com a sua impetuosa relação com Onassis, o empresário grego que a deixou por Jackie Kennedy.
Apesar da fachada pública, pouco se conhece da mulher por detrás da diva. Nascida nos Estados Unidos mas criada na Grécia, Maria Callas foi educada por uma mãe que abusava dela emocionalmente e que a forçava a cantar para a família e para os soldados nazis a troco de dinheiro. Elogiada pela crítica, pelo público e por Hollywood, ela lutou contra o sexismo para chegar ao topo, mas nunca conseguiu alcançar o que mais queria — uma vida privada feliz.
Em Diva, Lyndsy Spence revela documentos inéditos que levantam o véu sobre a vida difícil e incompreendida da maior artista lírica do século XX.

Em 2060, as mortes escandalosas continuam a vender jornais. Especialmente aquelas em que a vítima é um respeitado homem de negócios encontrado no seu apartamento de Park Avenue amarrado à cama… e estrangulado com cordões de veludo preto.
A tenente Eve Dallas não fica surpreendida por este homicídio ser mais uma fonte de especulação para o público, mas questiona-se: terá este sido um crime passional ou um jogo que correu mal?
As provas são inconclusivas. A vítima não se debateu e todos os suspeitos têm um álibi. Contudo, quando um comentário casual revela um segredo horrível, Eve percebe que o que está em causa é muito mais do que justiça, e que há estranhos que podem estar ligados das formas mais inesperadas e mortais…

A guerra entre as duas Fundações terminou. Os vitoriosos cientistas da Primeira Fundação regressam ao plano há muito definido por Hari Seldon para construir um novo Império sobre as ruínas do antigo. Contudo, persistem os rumores de que a Segunda Fundação não foi afinal destruída… e de que os seus sobreviventes estão a preparar a vingança.
Exilados em Trantor, Golan Trevize e Janov Pelorat esperam encontrar pistas sobre a localização do mítico planeta que deu origem à raça humana. A crença de Pelorat na existência da Terra é considerada tão inverosímil quanto a de Trevize de que a Segunda Fundação resiste. E as verdades que ambos acabam por descobrir revelam-se muito mais estranhas do que alguma vez poderiam ter imaginado.
Em 1966, a série Fundação foi eleita a melhor série de ficção científica de todos os tempos.

A quinta da família Moon sempre foi um lugar enigmático, repleto de memórias das mulheres irreverentes que com os seus dons fizeram prosperar uma terra abandonada. Lizzy é a última mulher desta linhagem e partiu há anos para se distanciar dos rumores sobre este estranho legado das Moon… e das suspeitas de que a família esteve envolvida no homicídio de duas jovens encontradas na propriedade.
Com a morte da avó, Lizzy é forçada a regressar a casa e a enfrentar os fantasmas do passado que a continuam a impedir de olhar para o futuro. E se Andrew Greyson, a sua paixão de adolescência, está disposto a ajudá-la na sua demanda, o regresso da mãe provoca um tumulto e o reacender de antigas feridas.
Aceitar o passado poderá ser o primeiro passo para desvendar o segredo que há anos assombra a cidade, mas poderá igualmente ser o caminho para uma segunda oportunidade…

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Não Me Tapes o Caminho em Frente, Mesmo que Não Vá Dar ao Futuro (Fernando Tordo)

Dos monstros e das sombras do pensamento e de viagens que abrem horizontes. De reflexões breves que parecem apenas aflorar a superfície dos dias e de ritmos quase melódicos que avançam para as suas profundezas. De olhares para o exterior e introspeções da alma. E de um presente que é nostalgia de um passado e promessa de futuros possíveis. De tudo isto, em diferentes graus e medidas, é feito este livro.
Parte do que torna esta leitura tão cativante é também parte do que a torna difícil de descrever: a forma como se vai revelando mais através de impressões do que de especificidades concretas. Poder-se-á apontar a estrutura, que vai variando ao longo do livro, mas onde o ritmo é constante, tanto nos textos com rima como nos que não a têm, e onde a cadência das palavras sugere uma voz singular. Poder-se-á apontar a capacidade de evocar imagens precisas, ainda que com um certo lado indefinível, em poucas palavras, e de refletir facetas do mundo atual sem nunca perder o registo intimista. Poder-se-á até salientar o delicado equilíbrio que faz com que, embora cada texto seja um todo completo, o conjunto seja algo mais do que um mero conjunto de poemas, fortalecido pela sua coesão.
Ainda assim, o que marca não é assim tão tangível, pois o que mais fica no pensamento é mais emocional do que racional. Visto após a leitura, é fácil reconhecer os textos que mais marcaram, entender o contraste entre os mais próximos e emotivos e os que se debruçam mais sobre factos e realidades objetivas. Mas, numa leitura sequencial, esta impressão passa para segundo plano, pois o livro funciona quase como uma viagem. Para onde? Para o interior, sobretudo, ainda que para um interior que, a espaços, contempla o mundo, mas que extrai da introspeção as emoções mais fortes.
Assim, a imagem que fica é, de certa forma, dupla. Estruturalmente falando, trata-se de um livro fluido, coeso, carregado de ritmo e capaz de evocar nas palavras certas uma miríade de impressões diferentes. Emocionalmente falando, trata-se quase de uma conversa - ou de uma canção - interior entre as palavras do texto e os sentimentos que elas evocam em quem as lê. Dois aspetos diferentes, mas que coexistem em harmonia.
Breve, mas emocionalmente vasto, e cheio de um sentimento íntimo, sem deixar, ainda assim, de contemplar o mundo exterior, trata-se, em suma, de um livro que é uma viagem singular... ao interior e ao mundo. Ao que descobrimos e ao que nos toca. Muito bom.

sábado, 1 de janeiro de 2022

Family Tree (Jeff Lemire, Phil Hester, Eric Gapstur e Ryan Cody)

Há sempre profecias sobre o fim do mundo, imagens mentais formadas sobre como tudo irá terminar. Mas os fins nunca surgem como esperamos. Às vezes, nem são realmente fins, mas transformações. E é com uma transformação que esta história começa, no momento em que a pequena Megan começa a transformar-se em árvore. Parece um fenómeno estranho - mas apenas isso, apesar de tudo - e o primeiro impulso da mãe de Meg é levá-la a um médico. Mas não tarda a que isso se revele impossível e a procura de ajuda transforma-se numa fuga, numa corrida contra o tempo e contra o inevitável.
É quase impossível, ao começar a ler esta história, que a impressão inicial não seja de estranheza. Humanos a transformar-se em árvores? É, no mínimo, peculiar. Mas parte da força deste livro é a forma como esta estranheza inicial rapidamente se transforma em naturalidade, não só porque o choque das próprias personagens dá lugar a necessidades mais prementes, mas também porque a forma como o enredo evolui faz com que esta singularidade comece a fazer sentido. Além disso, este tão invulgar fim do mundo torna-se particularmente marcante tendo em conta o conflito humanidade versus natureza, que, de forma menos inusitada, mas igualmente dramática, existe também no mundo real.
Outro ponto marcante nesta história é o impacto emocional, sobretudo no que à intensidade dos laços diz respeito. Mais do que uma história apocalíptica, esta é também a história de uma família, com sombras no passado, com tensões, com dúvidas, e acima de tudo, com um afeto profundo, mesmo perante o impossível. São as relações familiares que mais se gravam na memória, e a forma como alimentam a proximidade mesmo quando tudo parece ter desaparecido. Tudo converge, aliás, para um impacto particularmente poderoso quando estes laços são postos em causa.
E, claro, por entre a visão global, há todo um conjunto de pormenores a dar forma a este todo marcante. Visualmente, a expressividade dos rostos, principalmente no reflexo da passagem do tempo, mas também no contraste entre a paz da árvore e a tensão do mundo. No texto, a introspeção dos monólogos, em contraste com a capacidade de dizer tudo em poucas palavras nalguns dos diálogos mais poderosos. E no enredo, o equilíbrio entre ação, emoção e um pequeno toque de humor que acrescenta leveza por entre a intensidade dos sentimentos.
Começa por parecer improvável, mas rapidamente se assume como a história poderosa que é. Uma história intensa, emotiva, cheia de surpresas e de expressividade, de ação e de material para reflexão. Memorável em todos os aspetos, prende da primeira à última página. E não se esquece facilmente.