terça-feira, 30 de abril de 2019

Dois Guardam Um Segredo (Karen M. McManus)

Ellery e Ezra Corcoran acabam de se mudar para Echo Ridge, na sequência de um incidente com a mãe, quando se deparam com a repetição de uma velha história. Em tempos, a irmã gémea da mãe desapareceu misteriosamente. Alguns anos depois, foi a vez de uma nova rainha do baile. E agora alguém parece querer recriar o passado. Ameaças sinistras começam a aparecer em locais públicos e, imediatamente, todas as suspeitas se voltam para Malcolm, principal suspeito (mas nunca condenado) do crime anterior. E, como se as coisas ainda não estivessem suficientemente tenebrosas, eis que outra rapariga desaparece. Ellery, fascinada desde sempre com este tipo de casos, decide investigar por conta própria, até porque o seu amigo está sob suspeita. Mas será que a sua mente de investigadora é tão boa como ela pensa?
Contada dos pontos de vista de Malcolm e Ellery, esta é uma história com muitas qualidades em comum com o anterior Um de Nós Mente. Também aqui o mistério domina, os suspeitos são vários e os motivos diversos e a história progride de revelação em revelação para culminar num final bastante inesperado. Mas, além disso, ao alternar pontos de vista entre uma potencial vítima e um potencial suspeito, a autora consegue acrescentar ao mistério um toque pessoal: dos sentimentos incipientes que começam a surgir entre os dois ao equilíbrio entre dúvida e confiança, há também muita emoção a pairar no ar - entre os protagonistas e não só.
Também particularmente interessante é que cada narrador tem uma voz distinta, o que se torna particularmente notável tendo em conta que Ellery é a aspirante a criminologista que tudo analisa e tudo quer descobrir e Malcolm é alguém que já viu a suspeita no passado e que, por isso, só quer que tudo desapareça. Esta maior proximidade faz com que as coisas ganhem um maior impacto, com aspectos como o passado da mãe de Ellery e as suspeitas que sempre pesaram sobre Declan a influenciarem as escolhas dos protagonistas. Além, claro, de contribuir para adensar o mistério: pois o que eles (ainda) não sabem, também não podem contar.
A própria escrita parece ajustar-se à voz dos protagonistas, num registo relativamente simples, mas que põe em evidência o impacto dos elementos centrais. Ellery analisa tudo, mas as relações pessoais não deixam por isso de ser complicadas e há uns quantos momentos de emoção bastante marcantes. Já entre Malcolm e Declan há uma tensão evidente, que se prolonga para os próprios pensamentos do primeiro. E, à medida que as coisas se aproximam do fim, também a tensão vai aumentando, o que faz com que o final, além de surpreendente em si mesmo, tenha um inesperado impacto emocional, principalmente - mas não só - do lado de Malcolm.
Intenso, cheio de surpresas e com um equilíbrio bastante eficaz entre o percurso pessoal dos protagonistas (que são, afinal, adolescentes, com tudo o que isso implica) e o mistério maior que paira sobre Echo Ridge, trata-se, pois, de uma leitura que mistura as medidas certas de leveza e de tensão para proporcionar uma leitura viciante e surpreendente. Memorável , em suma.

Autora: Karen M. McManus
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Pendragon (James Wilde)

O salvador por que todos esperam ainda não chegou, mas há poderes em movimento. E quando seis batedores romanos são brutalmente assassinados, começam a levantar-se suspeitas. Lucanus, líder entre os Arcani, batedores de elite e leais como nenhuns outros, dá por si no meio de coisas que não consegue entender. Pois há uma profecia que fala de um rei que está para vir e deve ser ele o protetor do sangue real. O mesmo sangue que corre nas veias de Marcus, uma criança a quem Lucanus ama como se fosse seu filho e que está no centro de demasiadas conspirações. Para o proteger, Lucanus terá de deixar para trás a sua antiga vida... para se tornar no Pendragon, um líder como o mundo nunca antes viu.
Tendo em conta o título deste livro, é de esperar que se trate de uma reconstrução do mito do rei Artur e, de certa forma, é disso que se trata. Mas não da história de Artur. Uma história anterior, sobre os primórdios da lenda e os antecessores do grande rei. Isto faz parte do que torna o livro tão interessante: é uma história arturiana, mas não sobre Artur. Tem as suas próprias personagens, a sua própria identidade, os seus próprios perigos, profecias, batalhas e perda. É uma história completa.
É também um livro bastante memorável, e por várias razões. Sendo a maior, como é evidente, Lucanus. Líder nato, mas algo relutante, trata-se de um homem sábio, de um amigo leal, de um companheiro dedicado, mas vulnerável, atormentado, tão heróico nas falhas como nas qualidades. Um protagonista complexo, como deve ser, principalmente tendo em conta que esta história envolve grandes conflitos e uma luta pela sobrevivência.
Mas, para além das batalhas, da intriga e das profecias, há também um percurso mais pessoal. A transformação de Lucanus no Pendragon é a realização de um destino, e cada acontecimento faz sentido. Mas há pequenas coisas que são igualmente impressionantes. A relação de Lucanus com Catia, e lealdade e amizade no seio do seu grupo de Arcani, até mesmo as escolhas feitas mais com o coração do que com a cabeça por muitas das personagens. Há um crescendo de tensão ao longo de todo o livro, mas há também muitos grandes momentos que só parecem importar aos envolvidos. E isto lembra-nos que estas personagens são mais do que peças de xadrez: são humanas.
É o início de uma série, e por isso faz sentido também que haja muitas perguntas sem resposta. Mas o final parece dar-se no momento certo, como se fosse o fim de uma era a abrir lugar à iminência de uma nova aurora. Há muito mais coisas no destino destas personagens, isso é evidente: mas a história até aqui é já quase um ciclo completo.
Com um protagonista notável, um enredo cheio de surpresas e de reviravoltas e um cenário onde a magia - e a crença - moldam os caminhos de gerações, trata-se de um início bastante brilhante para uma série que transborda de potencial. Intenso, cheio de surpresas e com um conjunto memorável de personagens, um livro que recomendo sem reservas.

Título: Pendragon
Autor: James Wilde
Origem: Recebido para crítica

domingo, 28 de abril de 2019

Resumo: A Poesia em 2012

Resumir um ano inteiro de poesia pode parecer um desafio tão difícil, já que, mesmo cingindo a selecção ao material publicado em livros e revistas, a produção total não será assim tão curta. Mas há também algo de cativante na ideia de, através de um único livro, ficar com uma visão geral da poesia escrita num ano em específico. É esta ideia, aliás, que torna estes livros tão interessantes: uma sensação de abrangência e de unidade, mesmo englobando autores muito diferentes.
O critério parece ser simples: escolher os melhores do ano. E talvez por isso haja autores com vários poemas presentes neste livro enquanto outros surgem de forma mais discreta. Ainda assim, a grande qualidade é uma e evidente: a de permitir conhecer autores contemporâneos que talvez, de outra forma, não nos chamassem a atenção. 
Tudo o resto varia. Há estilos diferentes, temas distintos e formas de escrever capazes de agradar a diferentes leitores. Alguns poemas ficarão na memória. Outros talvez não nos digam tanto. Mas a imagem global que fica é positiva, e por duas razões: por transmitir a imagem de que houve muita (boa) poesia a ser produzida no ano a que este livro diz respeito, e porque permite chegar ao fim com uma lista de autores cuja obra interessa descobrir mais a fundo.
Somadas as partes, fica a impressão de uma antologia interessante, capaz de abranger estilos e autores diferentes, criando uma selecção abrangente, mas que funciona, ainda assim, como um todo coeso. Cativante, completa e, a espaços, memorável, uma boa leitura.

Título: Resumo: A Poesia em 2012
Origem: Aquisição pessoal

sábado, 27 de abril de 2019

Truques Sombrios (Linda Chapman)

Maia, Sita, Lottie e Ionie já venceram várias Sombras e estão cada vez melhores a usar a sua magia, mas continuam sem saber quem é a pessoa que anda a usar magia negra para causar problemas. E, por mais que tentem descobrir, as pistas não parecem levar a lado nenhum. O que ainda não sabem é que o perigo está mais perto do que imaginam e, embora não pareça haver nenhuma Sombra por perto, há uma influência estranha a gerar conflitos entre elas. Para resolver a situação, as quatro amigas terão de se agarrar bem aos seus Animais Estrela e de superar a influência da magia negra. Mas conseguirão dar a volta a uma inimiga que as enganou tão bem?
Quarto volume de uma série em que cada história é relativamente simples, mas onde há também pequenos pormenores a surpreender a cada nova reviravolta, este é, finalmente, o livro onde tudo atinge a conclusão que se esperava - ainda que não um fim definitivo para a série. E, sendo certo que esta conclusão não é propriamente inesperada, já que havia muitas pistas nos livros anteriores a apontar para a identidade da grande inimiga, não deixa, ainda assim, de ser um final adequado para esta linha da história. Sim, era fácil adivinhar quem era - mas a forma como as amigas chegam lá e como resolvem a situação? Bem, essa já não é assim tão previsível.
Claro que importa sempre lembrar o público-alvo destes livros, já que, sendo destinados aos mais novos, a simplicidade da escrita e do enredo faz todo o sentido. Mas não deixa de sobressair também que, desta relativa simplicidade, emerge também uma certa envolvência, além de uma mensagem positiva e importante para todas as idades: a do valor da amizade. Por isso, mesmo não sendo um livro particularmente complexo, é perfeitamente capaz de cativar leitores mais crescidos com a sua história de magia e de amizade.
E há ainda as ilustrações, bonitas, expressivas e que acrescentam ainda um pouco mais de... bem, de magia à história. Ter uma imagem das quatro amigas, e principalmente dos seus Animais Estrela, cria uma maior sensação de proximidade, fazendo com que as emoções que vão surgindo nos grandes momentos do enredo venham também à tona com mais facilidade. Além do simples mas sempre pertinente facto de tornarem o livro mais bonito.
Simples mas enternecedor, com uma mensagem positiva e uma história cheia de magia e de aventura, trata-se, pois, de um livro cativante para leitores de todas as idades. E de uma série para continuar a acompanhar.

Autora: Linda Chapman
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Y - O Último Homem: Um Pequeno Passo (Brian K. Vaughan, Pia Guerra e José Marzán Jr.)

O facto de ser o último homem na Terra fez de Yorick Brown alguém altamente procurado, e isso é tudo menos bom. Depois de ter escapado por pouco às Filhas da Amazonas, continua a sua viagem na companhia de uma agente secreta, da cientista cuja pesquisa precisam de recuperar e do seu macaco. Mas o seu caminho está prestes a sofrer uma nova paragem imprevista, com a entrada em cena de uma agente russa que lhes anuncia a chegada iminente de uma cápsula vinda do espaço. Yorick pode estar prestes a deixar de ser o último homem... e a ideia agrada-lhe bastante.
Seria, talvez, de esperar que ao terceiro volume não houvesse muito de novo que se pudesse dizer sem contar demasiado da história. E, de facto, uma das grandes qualidades desta série são as surpresas, pelo que, nesse aspecto, há muito de bom que tem de ficar por dizer. Mas os pontos fortes deste volume são essencialmente os mesmos: a história surpreendente, as personagens marcantes e a arte, com especial destaque para a expressividade das personagens e para o contraste entre os diferentes elementos.
Sendo um percurso de surpresas, uma coisa é certa: haverá sempre novos intervenientes a entrar em cena nos momentos mais inesperados. Neste caso, destacam-se a agente russa e a intervenção das israelitas. Isto para reforçar dois aspectos: o tal contraste visual, com a uniformidade do grupo israelita a contrastar com o ar algo desencontrado (perfeito para um grupo de personagens que anda a modos que em fuga) das gentes de Yorick; e a ideia das possíveis movimentações de poderes num mundo assolado por uma catástrofe global. Alter é, aliás, a imagem perfeita disso, com a sua visão de guerras necessárias e de união através da inimizade.
Mas voltando às personagens. Há uma espécie de crescimento a acontecer em todos os principais intervenientes, mas é em Yorick que este se torna mais evidente. Continua a estar bem presente o seu peculiar e algo inoportuno sentido de humor, mas a delicada situação em que se encontra começa realmente a influenciá-lo. Fica na memória, por isso, o contraste entre as suas tiradas humorísticas e os rasgos de introspecção, de emoção e mesmo os invulgares gestos heróicos.
Mais que à altura das expectativas e com a mesma deliciosa mistura de humor, acção e um toque de emoção, trata-se, pois, de um belíssimo acréscimo a uma história que se torna cada vez mais viciante. Intenso, surpreendente e com alguns rasgos particularmente memoráveis, um livro que se recomenda e uma série para continuar a acompanhar.

Autores: Brian K. Vaughan, Pia Guerra e José Marzán Jr.
Origem: Aquisição pessoal

quarta-feira, 24 de abril de 2019

O Mundo à Beira de um Ataque de Nervos (Matt Haig)

Vivemos num mundo ansioso, onde as notícias nos bombardeiam com motivos de preocupação, a necessidade de pertencer ou de corresponder às expectativas se sobrepõe à magia de quem realmente somos e onde pequenas preocupações se transformaram numa descomunal carga de stress. E, se é o próprio mundo que nos deixa ansiosos, não surpreende assim tanto que a ansiedade seja uma das doenças do século. Baseando-se na sua experiência pessoal, mas com um olhar bastante certeiro sobre o mundo, Matt Haig traça neste livro algo que é, ao mesmo tempo, um guia e um ponto de identificação.
Muito à semelhança do que acontece no igualmente brilhante Razões para Viver, uma das primeiras coisas a impressionar é a abertura e a simplicidade com que o autor fala das suas experiências. Não deveria ser um acto de coragem (esta é, aliás, uma das ideias que o autor explora neste livro), mas, no mundo em que vivemos, cheio de expectativas e de julgamentos, a verdade é que falar dos próprios problemas ainda o é. E esta abertura tem a capacidade de gerar compreensão, não só pela harmonia da escrita, mas pela sensação de que, pelo menos nalgumas das coisas que o autor descreve, podíamos muito bem ser nós.
A própria estrutura do livro tem também o condão de facilitar esta sensação de compreensão, já que os textos curtos, as listas, a frase certeira que nos vai direitinha ao coração, tornam a leitura muitíssimo acessível e realçam a importância do essencial. Afinal, é de um mundo sobrecarregado que falamos, não é? Faz, por isso, todo o sentido esta redução à simplicidade, que reforça a ideia de que o essencial não tem de ser muito, tem de ser o que conta para nós. E, além disso, se os textos são curtos, aquela frase marcante acaba também por sobressair mais. E por se entranhar na memória.
Embora possa ser classificado como tal, não é propriamente o habitual livro de auto-ajuda. E por boas razões. Primeiro, não cai nunca na tentação de fazer com que as coisas pareçam demasiado fáceis e muito menos na de exercer pressão (no sentido às vezes tão recorrente de "a vida só não é melhor porque não faz mais por isso"). A base vem da experiência do autor, e essa experiência implica momentos sombrios, momentos em que a vida parece demasiado pesada... E só quem nunca passou por lá pode achar que basta querer. O caminho não é fácil, não, e esta é uma ideia estranhamente reconfortante, pois afasta as culpas de um possível fracasso. O que acaba por ser também mais um dos valiosos efeitos deste livro. Esse e o de nos lembrar a magia de ser simplesmente humano, de estar simplesmente vivo.
Trata-se, pois, de um daqueles livros que deixarão uma marca diferente em cada leitor, pois, da visão pessoal do autor, emerge um terreno comum e uma sensação de compreensão que às vezes falha naquilo que, parafraseando o autor, romanticamente chamamos o mundo real. E, com a sua simplicidade, com a maravilhosa beleza das palavras e com a sempre encantadora sensação de encontrar um bocadinho de nós mesmos escondido entre estas páginas, trata-se de um livro que nos fala ao coração. É isso que o torna mágico. É isso que o torna brilhante.

Autor: Matt Haig
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 23 de abril de 2019

Um Fio de Sangue (Ann Yeti)

Joana apaixonou-se por ele assim que o viu, mas não sabe nada a seu respeito. Tomás vive na sombra de um desgosto passado e, por isso, encontra no sexo desenfreado a gratificação necessária, mas vê nela algo mais do que um encontro de uma noite. E por isso, quando finalmente se conhecem, nenhum deles está propriamente disposto a mergulhar de cabeça. Há, ainda assim, algo que os atrai e, por isso, sob condições específicas, acabam por partilhar algumas noites. Mas, quando a relação começa a aprofundar-se, também os fantasmas do passado vêm à tona... e o que podia ser um amor descomplicado transforma-se num jogo de sombras.
Centrado acima de tudo no romance, mas com um duo de protagonistas bastante complicado (e, no caso de Tomás, com um passado difícil), este é um livro que facilmente poderia ter sido mais extenso. É, aliás, este o único ponto negativo a sobressair da leitura: a ideia de que a história, principalmente no que diz respeito ao passado, podia ter sido um pouco mais aprofundada. Ainda assim, é interessante notar que, apesar de uma certa curiosidade em ver mais a fundo certas facetas da vida das personagens, não falta à história nada de essencial. O romance desenvolve-se de forma algo rápida, mas isso faz sentido tendo em conta a posição dos protagonistas. E, quanto ao resto... bem, o resto tem um equilíbrio surpreendente eficaz, com os momentos sensuais e a partilha de emoções a contrastarem vivamente com um final absolutamente inesperado.
Também na escrita este equilíbrio parece estar presente, havendo, apesar da relativa brevidade, espaço para momentos de introspecção por parte das personagens, para um ou outro rasgo de humor e, acima de tudo, para uma harmonia que vem não só da fluidez das palavras, mas principalmente do crescendo de intensidade que parece definir o ritmo da história.
E depois temos o título, que desde cedo dá a entender que a história não vai seguir o caminho linear que inicialmente imaginamos. O que tem, afinal, um fio de sangue a ver com uma história de descoberta do amor? Pois, essa pergunta sempre presente é também parte do que torna a leitura tão viciante, pois alimenta a curiosidade em saber mais. E quando a resposta chega... é, no mínimo, muito surpreendente.
Relativamente simples, mas cheio de emoção e de intensidade, trata-se, pois, de um livro que se lê de uma assentada, que surpreende em todos os momentos certos e que, com a sua mistura de amor arrebatado e de sombras passadas que persistem em regressar, cativa desde o início ao fim. Uma boa história, portanto, e um boa leitura.

Autora: Ann Yeti
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Levaram Annie Thorne (C. J. Tudor)

Regressar ao lugar onde cresceu e onde deixou tantos fantasmas não é propriamente o plano de sonho de Joe Thorne, mas às vezes a vida não dá alternativas. Perseguido pelas dívidas e atraído por um misterioso email que lhe traz memórias do passado, Joe volta agora como professor à escola que frequentou na juventude. O objectivo é em parte fugir, em parte encontrar uma solução para os seus problemas e em parte perceber o que se passa. Pois o que o email lhe disse é verdade: está a acontecer outra vez. O mesmo que aconteceu com a irmã que, quando tinha oito anos, desapareceu e voltou... diferente.
Provavelmente a maior qualidade deste livro (e qualidades não lhe faltam) é a aura de mistério que parece englobar todo o enredo. Tudo começa com um cenário macabro, o acontecimento na raiz do regresso de Joe. Mas, a partir daí, e embora haja espaço mais que suficiente para desenvolvimentos sinistros, grandes confrontos e até um ou outro rasgo de emoções positivas, tudo parece envolto numa bruma indizível. Na base, está o enigma que se esconde nas minas e que, embora sempre presente, nunca cai numa explicação limpa e perfeita, deixando o mistério a pairar na imaginação do leitor.
É impossível (principalmente se, como eu, o tiverem lido há pouco tempo) não sentir também um certo paralelismo com o livro Samitério de Animais, de Stephen King. Há uma certa proximidade entre as entidades centrais dos dois livros. Mas, e também isto é curioso, a sensação que fica não é de uma semelhança exagerada, mas antes como que de uma fonte comum que se ramifica em duas correntes distintas. A semelhança está lá, mas este livro tem a sua própria identidade: nas personagens, no desenvolvimento da história e na forma como tudo termina. Sendo que o ponto comum é o mistério dominante - que é, obviamente, uma qualidade.
Mas voltando à história e às suas qualidades, importa necessariamente destacar o protagonista. Joe Thorne regressa a Arnhill como que disposto a enfrentar o passado, mas isso não faz necessariamente dele um herói. Muito pelo contrário: vem com um passado de fracassos às costas e também as memórias da sua história ali são de quase tudo menos bondade. Joe não é uma personagem perfeita (e ainda bem), mas é uma personagem perfeitamente construída, e o seu percurso, não sendo propriamente uma jornada heróica, mostra, apesar de tudo, um coração no sítio certo ante circunstâncias difíceis, o que faz dele um protagonista particularmente memorável.
Nem tudo tem respostas claras e nem tudo termina de forma clara e definitiva. E, curiosamente, este final meio aberto, que encerra as questões necessárias, deixando a pairar a presença maior que sempre esteve, afinal, na base de todo o enredo, é absolutamente adequado. Além disso, tendo em conta o evoluir da história e o registo da própria escrita, onde as introspecções sombrias contrastam com os diálogos directos e um estranhamente delicioso humor sarcástico, este final ligeiramente ambíguo ajusta-se na perfeição à aura que envolveu todo o percurso.
Que mais dizer, então, sobre este livro? Que prende desde as primeiras páginas e que, com o seu protagonista estranhamente cativante e a sua história de mistérios e surpresas, não há como o largar antes do fim. Que fica na memória, tanto pela história que conta como pela visão do mistério que se insinua. E que facilmente se entranha no coração de quem lê, tanto pelas vulnerabilidades das personagens como pela sensação de algo mais vasto que nunca deixa de pairar sobre a narrativa. Se recomendo este livro? Recomendo, pois. Absolutamente e sem reservas.

Autora: C. J. Tudor
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Feitiço Secreto (Linda Chapman)

Maia, Sita, Lottie e Ionie podem ter conseguido vencer uma Sombra, mas a vitória está longe de assegurada. Continuam sem saber quem anda a usar magia negra para influenciar as pessoas e um sonho acaba de revelar a Maia que há mais Sombras a caminho. Mas nem tudo são más notícias: a magia das quatro tornou-se mais forte e também a amizade que as une parece mais coesa do que nunca. Mas a chegada de uma desconhecida e um súbito acesso de medos deixam bem claro que há uma nova batalha a travar.
Com toda a simplicidade e inocência necessárias à construção de um bom livro juvenil, mas também suficientemente vasto para cativar leitores mais crescidos, este é um livro que, à semelhança dos anteriores, consegue despertar a atenção de leitores de todas as idades. Sendo, claro, os mais novos o seu público de eleição, não surpreende que a história seja bastante simples, mas há, ainda assim, tanta magia e uma tão agradável ternura a povoar esta história que é difícil não terminar a leitura com um sorriso nos lábios. Mesmo que a infância já tenha ficado muito lá para trás.
À semelhança dos livros anteriores, o desenvolvimento da história é bastante linear, começando com o surgir de uma nova ameaça e encaminhando-se depois no sentido da neutralização. Além disso, se o ponto comum do lado dos "bons" são os Amigos Estrela, também o elo comum do lado dos "maus" começa a tornar-se bastante evidente. Tanto que, embora a identidade da desconhecida que anda a praticar magia negra ainda não seja revelada neste terceiro volume, já há uma suspeita bastante provável. Ainda assim, é curioso notar que esta relativa previsibilidade não tira encanto à história, não só porque é fácil compreender a inocência das protagonistas, mas principalmente porque há coisas que podem ser óbvias, mas o caminho e os sentimentos que o definem não é assim tão fácil de adivinhar.
E, claro, mais uma vez importa referir as ilustrações, que, além de darem rosto e forma às personagens e aos objectos, tornam também a leitura mais cativante, pois complementam a experiência com as suas imagens bonitas e a atribuição de uma figura familiar às principais personagens desta história. Cada livro é, em grande parte, independente, mas há um caminho a percorrer e, para quem acompanha a série desde o início, reconhecer as personagens não só ao nível da história, mas também visualmente, cria uma agradável sensação de familiaridade.
Somadas as partes, fica a impressão de mais uma história relativamente simples, mas sempre muito cativante, com um quarteto de protagonistas muito interessante e uma história repleta de magia e de amizade. Uma boa história, portanto, e uma boa leitura para miúdos e graúdos.

Autora: Linda Chapman
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 17 de abril de 2019

The Angel's Mark (S. W. Perry)

1590. O controlo de Isabel I sobre o seu reino depende muito de controlar a ameaça papista, o que é uma desculpa bastante conveniente para que lordes e nobres possam livrar-se dos seus inimigos pessoais. Mas há outros planos sombrios em movimento. Tudo começa com o corpo de uma criança em cima de uma mesa de dissecação: uma criança que exibe uma marca muito estranha. E embora mais ninguém pareça importar-se, Nicholas Shelby, um físico que está também prestes a ser pai, sente-se intrigado e preocupado. A vida, porém, mete-se no seu caminho. Quando a esposa morre durante o parto, Nicholas perde-se de si mesmo. E é só ao ser salvo por uma mulher invulgar, e quando outro corpo é encontrado no rio, que Nicholas começa a recuperar a solidez da sua mente - e a traçar os seus planos para descobrir a verdade.
Provavelmente o aspecto mais impressionante deste livro é a forma como o autor consegue entrelaçar com toda a precisão as histórias pessoais das suas personagens com o delicado contexto político e religioso e também com o intrigante movimento de pequenas conspirações que envolvem algumas personagens históricas importantes. Parece haver muita coisa a acontecer ao longo de todo este livro, mas tudo parece encaixar na perfeição, o que resulta numa leitura muito cativante, apesar de todas as suas complexidades.
Também bastante impressionantes são as personagens em si. Principalmente Nicholas, claro, com os seus tormentos pessoais, as suas dúvidas, a situação delicada, que o põem numa posição difícel, mas que, mesmo assim, lhe permitem mostrar o melhor da sua natureza. Nicholas não é um homem perfeito, mas tem o coração no sítio certo. E os que o rodeiam são igualmente intrigantes: Bianca, com o seu passado delicado; Lumley, com a sua sede de conhecimento e a sua dívida insuportável; Robert Cecil e a sua tendência para alimentar rancores; e, claro, Kat Vaesy e Quigley, com as suas sombras e motivações.
O que me leva ao mistério propriamente dito: os corpos no rio e quem é o responsável. É, na verdade, muito interessante ver como toda a história parece girar à volta deste mistério, expandindo-se para outros assuntos para voltar sempre ao seu caminho central. Este enigma é o centro de todos os raios da história e, à medida que tudo converge para uma derradeira e totalmente inesperada conclusão, os seus vários elementos parecem encaixar perfeitamente no todo global. É, afinal, isto que torna esta leitura tão memorável: a forma como tudo encaixa na perfeição quando nada nem ninguém é perfeito.
Tudo se resume, então, a isto: uma inesperadamente impressionante história de mistério e de crime em tempos de intrigas e de heresia. Intenso, brilhantemente tecido e com um protagonista memorável, um livro para recordar e, sem dúvida, uma série a seguir.

Autor: S. W. Perry
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 16 de abril de 2019

Divulgação: Novidades Presença

O mais antigo poema épico ocidental, atribuído a Homero, é a narrativa de uma guerra lendária, mas é também uma viagem ao mais profundo da alma humana.
Entre os séculos VIII e VII a.C., baseando-se na imensa tradição oral da Grécia Antiga, cantada pelos aedos , Homero compôs a Ilíada, um dos poemas épicos mais importantes da Grécia Antiga, que narra os acontecimentos decorridos no último ano da Guerra de Troia. Desde a lendária fúria de Aquiles à dilacerante despedida de Heitor e Andrómaca, a profusão de temas, histórias e personagens imortais levou a que, ao longo dos séculos, a Ilíada inspirasse artistas, escritores e pensadores. Muitos foram os seus tradutores, como os célebres Ugo Foscolo e Torcato Tasso; Shakespeare fez reviver personagens e episódios na tragédia Troilo e Créssida; Simone Weil dedicou-lhe um ensaio, definindo a Ilíada como o «poema da força». E graças a adaptações recentes, como a de Alessandro Baricco destinada ao teatro, ou o filme Tróia, numa grande produção realizada por Wolfgang Petersen, os ecos da maior história de guerra alguma vez narrada ressoam ainda hoje.
A Ilíada, o mais antigo e extenso documento literário grego, é considerada a obra que iniciou e inspirou a literatura ocidental e uma das mais importantes de todos os tempos.
A presente edição, numa excelente adaptação de Roberto Piumini, é indicada para leitores a partir dos 12 anos.

Roberto Piumini nasceu em Edolo, Itália, em 1947. Licenciou-se em Pedagogia pela Universidade Católica de Milão. Ao longo da sua vida, tem exercido diversas actividades, entre as quais professor, pedagogo, director de expressão dramática, actor. Em 1978, dedicou-se à escrita de poesia, fábulas, narrativas, romances, guiões para peças de teatro e traduções de obras de autores clássicos como Plauto, Shakespeare e John Milton. A sua vasta produção literária dirige-se tanto a crianças como a adultos. É igualmente criador e apresentador de programas radiofónicos. Promove com regularidade encontros culturais com grupos de jovens em escolas , bibliotecas e museus dentro e fora do seu país. Muitos dos seus livros foram traduzidos e publicados em alguns países.
Roberto Piumini é coordenador de uma série constituída por obras, por ele adaptadas, de grandes autores clássicos, das quais, além do presente volume, a Editorial Presença publicou A Odisseia, de Homero, em Poucas Palavras.

Doña Maru tem noventa anos e uma vida pacata em Oaxaca, México. Percorre diariamente de bicicleta uma longa distância para levar doces, alegria e o seu sorriso às crianças do orfanato. Criada, ela própria, num orfanato, no Chile, de onde fugiu com treze anos, sabe bem o que é estar só no mundo. A vida não foi fácil para ela, mas a velha senhora sempre manteve o carácter rebelde e ouviu os murmúrios do seu coração. Quando descobre que tem um neto, em Veracruz, decide partir a galope no cavalo de vento - a sua velha bicicleta - em busca do rapaz numa viagem reveladora do poder dos sonhos.
Com esta fábula cheia de magia, humor e espírito positivo, Gabri Ródenas convida -nos a abrir a caixa dos tesouros que a vida nos oferece - a esquecer o que nos entristece ou o que nos aborrece para abraçarmos uma existência mais emocionante, mesmo que de início isso nos possa parecer desconcertante e insólito. É um convite para vermos a realidade tal como a víamos nos longos verões da nossa juventude, em que tudo resplandecia e o mundo se revelava pleno de aventuras e oportunidades.

Gabri Ródenas é um autor de ficção contemporânea e inspiracional, considerado um dos escritores espanhóis mais interessantes do panorama literário actual. Com uma voz fresca e vigorosa, constrói histórias que transmitem mensagens poderosas nas quais se entrelaçam diferentes elementos: humanidade, humor, acção e espiritualidade, com uma interessante base filosófica, acessível a todos os públicos. É doutorado em Filosofia pela Universidade de Múrcia e concilia o seu trabalho de escritor com o de professor na Faculdade de Comunicação Audiovisual desta universidade. Graças à forma como utiliza as redes sociais, à sua independência e à sua originalidade, a revista literária Qué leer chamou-lhe «o escritor hacker». Para além do presente livro, escreveu vários romances de grande sucesso no seu país.

Para mais informações, consulte o site da Editorial Presença aqui.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Eleição dos Bichos (André Rodrigues, Larissa Ribeiro, Paula Desgualdo e Pedro Markun)

Quando descobrem que o leão desviou toda a água do rio para construir uma piscina, os bichos ficam muito irritados. E quando decidem manifestar-se, para serem olimpicamente ignorados pelo leão, chegam à conclusão de que precisam de um novo regime. Decidem então convocar eleições para escolher quem será o novo líder. Cada candidato apresentará as suas ideias, participará em debates e depois serão os animais a decidir. Nascerá assim uma democracia na floresta, mas quem sairá vencedor: a cobra, a macaca, a preguiça ou o leão?
Basta a premissa deste livro para identificar uma das suas principais qualidades: a mensagem. A ideia parece ser explicar aos mais novos como funcionam, em linhas gerais, as eleições e a democracia. E, em pleno período eleitoral e num mundo onde o desinteresse parece, às vezes, dominar, esta ideia não podia ser mais importante. Além disso, os autores conseguem concretizar este objectivo de forma cativante e divertida, o que, tratando-se de um livro para crianças, é também algo de muito relevante.
Claro que será uma visão muito simples. Bem sabemos que os meandros da política são bastante mais complicados do que o confronto de ideias entre estes quatro candidatos. Mas a verdade é que a linha essencial é esta, ou pelo menos devia ser: candidatos que apresentam as suas propostas, debatem as suas ideias e disputam de forma limpa umas eleições onde a vontade da maioria será soberana. A ideia é esta, não é? E é esta ideia - bem como a importância desta possibilidade - que se reflecte perfeitamente neste livro.
Mas, claro, há ainda outros dois aspectos que importa referir. O primeiro são as ilustrações, que complementam e dão vida a esta história simples, mas muito pertinente. E o segundo talvez seja mais evidente para leitores adultos, mas não deixa de ser um pormenor delicioso: desde o desvio da água por parte do leão aos debates onde há quem faça ataques pessoais e quem não consiga sequer acabar de falar... bem, afinal o lado mais intrincado da política não está assim tão ausente.
Cheio de cor e muito divertido, trata-se, pois, de um belo livro para apresentar a democracia aos mais novos. Além, claro, de uma história engraçada e capaz de despertar sorrisos a leitores de todas as idades. Muito interessante, em suma.

Autores: André Rodrigues, Larissa Ribeiro, Paula Desgualdo e Pedro Markun
Origem: Recebido para crítica

domingo, 14 de abril de 2019

Uma Voz Perdida na Guerra (Cesca Major)

1952. Uma mulher vive refugiada num convento, muda há mais de oito anos e sem nenhuma explicação precisa para a sua condição. Conta apenas com memórias que não consegue entender e com a paciência cada vez menor das freiras que cuidam dela. Mas a sua memória é feita de um grande segredo e de muitas histórias cruzadas. Doze anos antes, em plena ocupação, um banqueiro judeu apaixonou-se por uma jovem professora e, apesar da guerra, das esperanças difíceis de manter e da necessidade de fugir, prometeram voltar a ver-se. Mas havia algo de trágico destinado à aldeia de Oradour - a mesma tragédia na raiz do silêncio de Adeline.
Narrado de diferentes perspectivas e abrangendo dois períodos diferentes, este é um livro onde domina simultaneamente uma aura de mistério e uma de tragédia anunciada. As circunstâncias de Adeline bastam para adivinhar um acontecimento grave e, à medida que a história se desenrola, a teia de relações começa a encaminhar-se para uma certeza cada vez maior. E cada personagem, ainda que inicialmente não pareça, desempenha um papel crucial na forma como tudo termina: um final onde, por entre a tragédia prometida, há espaço para possibilidades tão diversas como uma certa redenção, a simples descoberta da verdade e até, quiçá, uma esperança possível.
É também uma história que vive muito das emoções. Ao contar a história através de múltiplas primeiras pessoas, a autora impõe à narrativa algumas limitações necessárias: é impossível ter todas as respostas quando as personagens não estavam lá nalgumas partes da história. Mas, mais do que esta sensação de brevidade, de que talvez houvesse momentos que podiam ter sido mais desenvolvidos, o que fica na memória são os sentimentos: os de Paul, ante as consequências da fuga; os de Sebastian, tanto na descoberta do amor como na possibilidade de sucessivas perdas; os de Adeline, entre a necessidade de lembrar e a de não o fazer; e até mesmo os de Tristan, que, na sua inocência, não vê o adensar das sombras de um mundo cada vez mais negro.
E é de guerra, também, que este livro trata, mas não da guerra das grandes batalhas. Da guerra dos que ficam para trás à espera de uma resposta, da dos prisioneiros à espera, de uma guerra movida por preconceitos também patentes do suposto lado dos "bons". Há muito de relevante a retirar desta história sobre o poder de um preconceito capaz de motivar massacres, mesmo quando estes não parecem estar directamente relacionados com a tragédia maior. E também isto fica na memória ao terminar a leitura.
Trata-se, pois, de uma história que, embora não sendo surpreendente no seu acontecimento central, surpreende nas muitas pequenas coisas que definem o seu caminho. Emotiva, cativante e com uma visão bastante eficaz do medo do outro em tempos de guerra, uma voz que vale a pena descobrir.

Autora: Cesca Major
Origem: Recebido para crítica

sábado, 13 de abril de 2019

O Céu Está em Toda a Parte (Jandy Nelson)

Lennie Walker sempre se sentiu bem a viver na sombra da irmã mais velha, na companhia da sua música e dos seus livros favoritos. Por isso nunca teve problema em deixar-se apagar. Mas agora a irmã morreu subitamente e Lennie não sabe como viver com a dor. A única forma de se expressar é escrever poemas que depois abandona onde calha. Mas, quando volta a estabelecer contacto com Toby, o namorado da irmã, há algo de intenso e de inexplicável que os atrai um para o outro. É também nesse momento que entra em cena Joe Fontaine, um rapaz sorridente, cheio de sol e de uma alegria contagiante que, quase sem ela querer, começa abrir caminho para a família e o coração de Lennie. Mas há entre ela e Toby algo de inacabado e, por mais que isso lhe custe, Lennie vai ter de escolher, antes que o tempo escolha por ela.
É na intensidade das emoções que reside a alma deste livro e uma das primeiras coisas a surpreender é o contraste entre a aparente simplicidade da história, ou pelo menos da forma como certos elementos são contados, e o devastador impacto emocional dos grandes momentos. Tudo gira em torno de uma perda e da superação possível, uma superação que surge não só a nível das relações familiares, mas também com a descoberta do primeiro grande amor. Mas, se é este o aspecto central, e se é daqui que surgem os momentos mais emotivos, há ainda outros elementos complementares - e é também uma surpresa a forma como tudo isto converge numa história relativamente simples, mas cheia de emoções fortes.
Se olharmos para os vários ramos que compõem a história de Lennie, há pontos que passam para um relativo segundo plano. Ao ser a protagonista a contar a história, as emoções dos outros surgem pelos olhos dela e, assim sendo, fica uma inevitável curiosidade insatisfeita sobre coisas como o que aconteceu à mãe de Lennie ou até as peculiares aventuras amorosas de Big. Mas também a base essencial destas coisas está presente, seja no impacto das revelações sobre Paige ou nos deliciosos rasgos de humor protagonizados por Big. E quanto à história central... bem, essa tem precisamente a medida certa.
Há ainda um outro aspecto peculiar e que torna o livro mais surpreendente: os poemas de Lennie. Espalhados ao longo do livro, um pouco como a própria Lennie faz ao longo da história, abrem como que uma janela para os seus pensamentos mais íntimos. Além disso, acrescentam profundidade a uma história que é, afinal, não só sobre o amor, mas principalmente sobre a morte e como lidamos com ela, e que por isso está repleta de pensamentos marcantes.
Superação, descoberta e amor: são estes, enfim, os elementos que compõem este livro: um livro cheio de momentos comoventes, de episódios divertidos e de uma ternura que fica na memória. Que chega e sobra para fazer desta história uma daquelas leituras que valem a pena.

Autora: Jandy Nelson
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro O Céu Está em Toda a Parte, clique aqui.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Black Hammer - Origens Secretas (Jeff Lemire, Dean Ormston e Dave Stewart)

Em tempos foram admirados como os heróicos defensores que eram em Spiral City. Mas o derradeiro combate teve consequências imprevistas. Agora, dez anos depois, estão presos numa vila da qual, inexplicavelmente, são os únicos a não conseguir sair. E, cada um com as suas peculiares origens, carregam partes de um passado que os assombra. Alguns resignaram-se àquele lugar. Outros querem, acima de tudo, escapar. E há algo em marcha, algo de novo, que talvez aponte para que as coisas estejam prestes a sofrer uma grande mudança.
Há algo de inesperadamente delicioso em ler uma história de super-heróis em que os super-heróis estão... bem, encalhados. Todos tiveram um passado áureo e travaram as suas grandes batalhas. Não é essa, contudo, a história principal e é algo de fascinante ver que as aventuras deste grupo não são de grandes combates (ou, pelo menos, são mais da memória dos grandes combates), mas sim da descoberta de uma vida nova num lugar que não percebem muito bem, mas de onde não podem sair.
Como o título indica, grande parte deste primeiro volume gira em torno das origens desta pequena família de super-heróis. A este respeito, há dois aspectos a destacar. Primeiro a diversidade, já que cada um deles vem de meios diferentes, move-se por razões diferentes e tem também poderes ou capacidades distintas. E depois a forma como estas diferenças convergem num equilíbrio eficaz, não só a nível de relações, já que a relação entre eles é tão próxima quanto atribulada (como uma verdadeira família, enfim), mas também na forma como estes contrastes se reflectem na própria arte. Há como que um choque de tonalidades entre o que se passa nas memórias - e é diferente para cada um deles - e o tom ligeiramente esbatido que parece evocar na perfeição a excessiva pacatez da vila.
Sendo este o primeiro volume, escusado será dizer que fica praticamente tudo em aberto. Mas é interessante notar que, mais do que qualquer curiosidade insatisfeita, a sensação que fica é a de um ponto de partida adequado (e cheio de acontecimentos relevantes) que deixa uma imensa vontade de continuar a seguir a série. Além disso, há ao longo do caminho vários momentos emotivos - mais do que os suficientes para garantir, logo à partida, uma proximidade emocional com estas tão peculiares personagens.
Intenso, viciante e surpreendentemente preciso no seu registo equilibrado entre a aventura e o horror, trata-se, pois, de um belíssimo primeiro volume e de um início de série mais do que promissor. Mal posso esperar para saber o que acontece a seguir.

Título: Black Hammer - Origens Secretas
Autores: Jeff Lemire, Dean Ormston e Dave Stewart
Origem: Recebido para crítica 

quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Imortal da Graça (Filipe Homem Fonseca)

O bairro da Graça está isolado devido às obras. Ninguém entra e ninguém sai, excepto as crianças e os turistas, que parecem conhecer atalhos que mais ninguém é capaz de vislumbrar. Mas há um mundo inteiro contido naquela estranha prisão. Um homem arrasta móveis durante a noite, sonhando com a riqueza que o espera quando reclamar o seu prémio do Euromilhões. As velhas, últimas resistentes numa cidade rendida aos turistas, travam uma guerra silenciosa pelo direito de máxima antiguidade. Afinal, a idade é um posto. E Graça, a jovem Graça, pergunta-se que futuro a aguarda se a Menina Celeste, a mulher que a contratou e a mais velha de todas as velhas, morrer inesperadamente. Entretanto, as obras avançam, como o tempo. Devagar... ou quase sem se dar conta.
Não é propriamente fácil descrever este livro. Talvez devido à extravagância dos elementos e personagens que povoam esta história, ou ao ambiente onde tudo acontece, mesmo quando nada parece mexer-se, a imagem que fica é mais de impressões do que um traçado linear. Até porque linear é talvez a única palavra que não se pode aplicar a esta história. Desde o passado das gémeas e da isolada Menina Celeste, à sempre ambiciosa Glória, com as suas aspirações a... bem, à glória, passando pelo bizarro Gabriel, com os seus sonhos de uma vida que nunca vai ter e pelo estranho prédio que se vai afundando, guardando segredos nunca totalmente desvendados, há todo um conjunto de peculiaridades que fazem com que, embora situado numa cidade bem real, este livro pareça decorrer num mundo à parte.
Também a escrita tem o seu toque de unicidade, com o seu registo peculiar e os contrastes que constrói para as diferentes personagens. Permite entrar nos pensamentos - e que estranhos pensamentos esses! - das várias figuras principais, criando assim uma certa proximidade sem perder de vista o cenário global. Afinal, não há um verdadeiro protagonista. Poder-se-ia, aliás, dizer que o verdadeiro protagonista é o bairro. E, por isso, ao dar voz - e vozes singulares - aos pensamentos das diferentes figuras, o autor transmite também uma bastante credível sensação de multiplicidade.
Disse que não se trata de um livro linear e, assim sendo, não surpreende que fiquem perguntas sem resposta espalhadas ao longo de todo o caminho. Não deixa, ainda assim, de ser particularmente interessante a forma como tudo parece convergir para um clímax final: para Gabriel e Graça, mas principalmente para Gloria e Celeste, que encontram um fim à altura das suas muitas estranhezas - e uma bela surpresa com que encerrar a história.
Terminada a leitura, fica um intrigante contraste: o de uma história passada ali tão perto, mas ao mesmo tempo num mundo completamente diferente. Um mundo onde as pequenas aspirações pessoais servem de retrato de problemas bem vastos, desde o isolamento rompido por crianças e turistas (que conhecem atalhos que só eles conseguem ver) ao inevitável envelhecimento que, qual sombra, domina o mundo. E onde até nas mais pequenas coisas há algo em que pensar.

Autor: Filipe Homem Fonseca
Origem: Recebido para crítica 

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Elmer e a Borboleta (David McKee)

Um dia, durante um dos seus passeios, o Elmer ouve um pedido de ajuda. Um tronco caiu e tapou a entrada de um buraco, deixando a Borboleta presa lá dentro. O Elmer não hesita em ajudar e, em troca, a Borboleta promete que, quando for ele a precisar, não hesitará em retribuir o favor. Mas como pode algo tão pequeno como uma borboleta ajudar algo tão grande como um elefante? Bem, tudo é possível, e as coisas acontecem quando menos se espera.
Um dos aspectos mais cativantes das aventuras do Elmer é a forma como, em tão poucas páginas, o autor consegue transmitir mensagens tão importantes. O Elmer é um elefante diferente, e a sua presença nestas histórias é uma mensagem em si: diferente não significa necessariamente mau. Mas cada nova história acrescenta uma nova mensagem, neste caso a da importância de ajudar os outros e de como até as mais pequenas coisas podem tornar-se fundamentais.
É uma história muito, muito simples, nitidamente pensada para os mais pequenos. Com as suas ilustrações cheias de cor associadas a uma linguagem simples e natural, é mais do que adequado a crianças que começam a aventurar-se pela leitura, e é também muito cativante. Mas é também, curiosamente, cativante para leitores mais velhos, não só (e mais uma vez) devido à mensagem, que não perde a sua importância com o crescimento, mas pela agradável nostalgia que desperta. Também já passámos por lá, não é? Pelo tempo em que uma história tão simples era capaz de nos fazer sonhar. 
E há ainda um último aspecto a destacar: é que todas as histórias do Elmer têm algo de novo e personagens que se repetem, mas têm também uma história completa. Há ligações, o que gera a agradável familiaridade de reencontrar personagens conhecidas, mas há também um percurso completo, o que faz com que não seja necessário ler os livros numa ordem específica.
Pensada para os mais pequenos, mas capaz de fazer sorrir leitores de todas as idades, trata-se pois de uma história simples e cativante - e, acima de tudo, com uma bela mensagem. Uma boa história para ler aos mais novos, em suma... ou para ler, simplesmente.

Autor: David McKee
Origem: Recebido para crítica 

terça-feira, 9 de abril de 2019

Samitério de Animais (Stephen King)

No dia em que se muda com a família para Ludlow, Louis Creed está longe de imaginar que os seus dias de felicidade estão contados, mas desde cedo se torna evidente que algo de estranho naquele lugar. Tudo começa de forma bastante inofensiva, com o vizinho do lado a levá-lo ao "Samitério" de Animais que se situa ao fim de um caminho que começa na sua propriedade. Mas, atrás daquele local onde gerações de miúdos enterraram os seus animais de estimação, esconde-se um poder bastante mais perigoso. E, quando o gato da filha morre, Louis é apresentado ao verdadeiro segredo: um segredo cujas consequências podem trazer uma devastação inimaginável.
Um dos aspectos mais cativantes dos livros de Stephen King em geral, e deste em particular, é a forma como, mais do que despertar choque imediato, o autor constrói uma aura de terror crescente. Inicialmente tudo parece estar bem, excepto pela sensação ominosa que parece pairar como uma aura sobre todo o ambiente. Mas, à medida que a história se desenrola, esta sensação torna-se mais densa e cada revelação traz novas possibilidades - e novas ameaças.
Este crescendo torna-se também particularmente notável devido àquele que é o tema central do livro: a morte. Morte que está em toda a parte, pairando e surgindo das formas mais surpreendentes. Desde o passado de Rachel à perda de Jud, passando pela simples possibilidade de um animal morrer ao atravessar a estrada, a ideia do fim e da perda é algo que se manifesta desde muito cedo. E também esta ideia vai crescendo, com a morte enquanto conceito natural a dar lugar a uma perspectiva mais sombria, em que o fim pode não ser necessariamente definitivo, mas a que preço? Tudo evolui de forma gradual, como um nevoeiro pesado que se cerra sobre as personagens, e é talvez devido a esta estranha opressão, que quase dá a sensação de estarmos lá com eles, que o grande final tem um impacto tão devastador.
E, claro, Stephen King é Stephen King. Há qualidades que já são expectáveis, desde a escrita envolvente às grandes surpresas e aos momentos impressionantes, sem esquecer o meticuloso equilíbrio entre um ambiente em que as sombras se adensam progressivamente e um enredo onde as grandes e as pequenas coisas contribuem igualmente para formar um todo viciante. Este livro não é excepção: todas estas qualidades estão presentes em força, associadas também a um surpreendente (e surpreendentemente intenso) rasgo de emoção que torna tudo ainda mais marcante.
Intenso, perturbador, cheio de surpresas. Viciante, emotivo e com uns rasgos de humor particularmente impressionantes. Que mais dizer sobre este livro? Que é daqueles que, apesar do tamanho, dão vontade de ler numa assentada. Mas que, uma vez terminados, se entranham na memória... durante muito tempo. Genial, em suma.

Autor: Stephen King
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Elogio da Palavra (Lamberto Maffei)

A palavra dá forma ao que o olhar contempla, transforma a sensação em percepção. Mas, de um ponto de vista biológico, ou até mesmo da perspectiva cultural, o que acontece à linguagem verbal quando a era digital reduz vocabulários e a procura de uma língua única compreendida por um mesmo meio radicado em diferentes culturas acaba por ter o mesmo efeito? Explorando os mecanismos fisiológicos, complementando-os com a perspectiva cultural e acrescentando-lhes ainda a sua opinião pessoal, o autor traça, neste conjunto de ensaios, uma visão da linguagem no mundo moderno.
Um dos primeiros aspectos a surpreender neste livro, e principalmente tendo em conta a vastidão do tema, é a relativa brevidade. Surpreende até porque o autor demora-se bastante no que respeita aos mecanismos do funcionamento do cérebro, linha central de todas as outras ideias. E daqui surge, então, outra surpresa: a acessibilidade de um texto que se debruça, afinal, sobre temas complexos.
Claro que, sendo breve, fica necessariamente mais por dizer. Mas é de ensaios que se trata, não de um manual complexo - ou completo. As linhas essenciais estão bem presentes, tal como a construção de uma perspectiva global e repleta de material para reflexão. Para os pormenores, haverá outros livros a consultar, porque a base fundamental, essa, está lá.
E há ainda um outro aspecto a destacar, relativamente ao equilíbrio entre o todo e as partes. Cada um dos capítulos (chamemos-lhes assim) deste pequeno livro funciona na perfeição como um ensaio independente, já que aborda uma vertente específica e traça para ela uma análise completa. Mas o conjunto forma um todo maior do que a soma das partes, pois, ao analisar os diferentes elementos e potenciais da palavra - cultura, governo, mecanismos de sobrevivência e por aí adiante - constrói deveras o que o título promete: um verdadeiro elogio da palavra.
Pertinente, acessível e repleto de material para reflexão, trata-se de um livro surpreendentemente vasto, tendo em conta a sua brevidade. E, com o seu equilíbrio entre a simplicidade da escrita e a complexidade dos temas, necessariamente uma boa leitura.

Autor: Lamberto Maffei
Origem: Recebido para crítica

sábado, 6 de abril de 2019

Clube de Combate Feminista (Jessica Bennett)

Olhamos para o mundo e queremos pensar que os tempos mudaram, que as mulheres conquistaram os mesmos direitos e que essa coisa do sexismo é algo que ficou para trás. Mas olhamos com atenção e vemos o presidente de um grande país que se gaba de agarrar as mulheres pela... Olhamos para as estatísticas da violência doméstica - e para as caixas de comentários dos jornais - e vemos que há um longo caminho a percorrer. E olhamos para os dados do mundo do trabalho e concluímos que, ainda que talvez de forma mais subtil, o sexismo continua bem vivo. Como combater isto, então? Com a ajuda e solidariedade de outras mulheres (e homens também) e seguindo alguns - ou todos - dos muitos conselhos preciosos contidos neste livro. Que talvez não resolva todos os problemas, mas é um belíssimo ponto de partida.
Mais do que as estratégias e conselhos apresentados ao longo deste livro, que são muitos e bons, uma das primeiras qualidades a emergir desta leitura é a muito agradável sensação de não se estar sozinha. A autora escreve, acima de tudo, para outras mulheres que possam estar a passar dificuldades, o que cria uma sensação de compreensão imediata, ao mesmo tempo que consegue realçar as muitas dificuldades para aqueles que não estão - ou não têm - de passar por elas. O resultado é um livro imprescindível para todos os leitores interessados em promover uma genuína igualdade.
Mas passando à estratégia. Alguma vez leram um livro de auto-ajuda e ficaram com a sensação de que "isto parece demasiado fácil"? Bem, isso não acontece aqui. Na verdade, a autora tem o condão de sublinhar todas as dificuldades existente - até porque é inevitável encará-las. Depois, parte daí para apresentar conselhos e formas de agir, principalmente a nível profissional, mas também aplicáveis a outras áreas da vida. E abrangendo questões tão amplas e distintas como a capacidade de negociação, as formas de falar em público, a interacção com colegas e superiores e, claro, a forma como as opiniões e os estereótipos condicionam a progressão.
Como podem ver, são temas sérios e tratados com toda a seriedade que merecem. Mas também com um toque de leveza e humor que, além de tornar a leitura mais fácil, consegue também desdramatizar um pouco sem minimizar a importância dos factos. Para isto contribuem também as ilustrações, que parecem encaixar na perfeição com o tom que a autora confere à sua escrita. Divertida, despreocupada, mas muito precisa na análise das coisas que realmente importam.
Muito útil, muitíssimo pertinente e, claro, uma leitura deliciosa, este livro acaba por se revelar uma verdadeira pérola. E, por isso, e por todas as razões, uma leitura imperdível para todos. Mas todos mesmo.

Autora: Jessica Bennett
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 5 de abril de 2019

The Choke (Sofie Laguna)

Abandonada pela mãe e relutantemente criada pelo avô, Justine acha que há algo de errado com ela. Não entende o que os outros parecem considerar fácil. Quando tenta ler, as letras estão todas trocas. E a sua família está muito longe da ideia ideal de protecção. À medida que cresce, dá por si perdida no mundo, carregando o peso dos actos do pai e do passado e ideias do avô. Faz um amigo, mas ele vai-se embora. Imagina amor, mas o que realmente se passa em seu redor é um plano bem mais sombrio. E no entanto, das trevas surge a luz. Ou pelo menos a luz de um novo entendimento acerca do seu papel no mundo.
Há algo de unicamente impressionante na forma como esta história consegue ser, ao mesmo tempo, tão inocente e tão disfuncional. Ao dar a Justine a voz que conta a história, Sofie Laguna consegue criar uma empatia tão profunda para com a sua protagonista que é impossível não sentir em pleno a escuridão deste mundo - e a avassaladora inocência que continua a prevalecer no coração de Justine. O resultado é um livro cheio de dor e de dificuldades, mas também estranhamente luminoso.
Há também algo de intemporal neste livro. É uma história muito pessoal sobre um sofrimento muito pessoal, mas há também temas mais vastos ao longo de todo o percurso. Da situação de Rita às acções de Ray, sem esquecer, claro, o trauma de Robert e a forma como conduz a sua vida, há em todas estas personagens vislumbres de coisas que podiam acontecer a qualquer um. E talvez seja também esse um dos motivos que fazem com que esta história se torne tão intensa: porque é uma porta aberta para o mundo de Justine, para os seus desafios e o seu crescimento, mas é também uma história de sofrimentos que qualquer pessoa pode imaginar.
E depois há a escrita em si, e o brilhantismo da voz que a autora utiliza para dar a Justine a devida inocência. É uma menina, afinal, e isso é evidente não só no sue percurso, mas acima de tudo na forma como conta a sua história. Podemos ouvi-la a falar connosco, a dizer-nos o que pensa. E vemos: é uma rapariga jovem e inocente num mundo escuro. Isso também está nas palavras.
Não é uma leitura fácil, não: há muita dor no caminho desta personagem - e há muito para sentir com ela. Mas é definitivamente memorável. Maravilhosamente escrito, cheio de inocência de dor e de crescimento, é o tipo de livro que encontra o seu lugar... nos mais profundos recantos do coração de quem o lê.

Título: The Choke
Autora: Sofie Laguna
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Inborn (Thomas Enger)

Quando, após um espectáculo na escola, a ex-namorada de Even e um dos seus colegas são brutalmente assassinados, Even torna-se imediatamente o principal suspeito. Afinal, ele e Mari tinham acabado de se separar e ele estava bastante desesperado por perceber porquê. Mas há muitas coisas estranhas neste caso. Mari parecia estar também a investigar a morte do pai de Even. Alguém foi visto nessa noite que era parecido com Even, mas não era ele. E então, eis que acontece um novo homicídio, pelo qual Even não pode ser responsável. Todos na sua tranquila aldeia parecem querer respostas e justiça - mas há também muitos segredos logo abaixo da superfície. E, quando Even decide tentar encontrar as suas próprias respostas, descobre também que o perigo está muito mais perto do que imagina.
Cheio de surpresas: eis uma boa forma de começar a descrever este livro. A começar pelo crime, evidentemente, e pelos passos dados ao longo da investigação, mas principalmente no que toca aos papéis desempenhados pelas diferentes personagens. Even começa como o suspeito ideal, e a sua situação em tribunal parece apontar para a sua culpa. Mas cada nova revelação traz novas possibilidades, novos suspeitos... novos motivos, até. E cada surpresa traz novas perguntas... e uma necessidade irresistível de continuar a ler, para descobrir não só quem é o culpado, mas como lidarão todos os outros com as verdades difíceis.
Também bastante impressionantes são as personagens em si. Não há ninguém nesta história com uma personalidade linear. Even, claro, faz surgir as dúvidas iniciais: está zangado, há coisa de que não se consegue lembrar e... bem, tinha um motivo. Mas Even é também quem mais parece ter o coração no sítio certo. Quando as coisas começam a desenrolar-se, os que pareciam ser mais chegados são os que revelam o seu lado mais negro e ninguém é tão inocente como parecia. Além disso, para lá do crime em si, há uma história secundária, mas muito relevante, sobre a morte e a superação do luto. Yngve Mork é uma pessoa melhor devido ao seu passado e o seu caminho rumo à verdade torna-se muito mais intenso devido a isso.
E, claro, numa história feita de segredos e actos sombrios, faz todo o sentido de que o final não seja limpinho e perfeito. Todas as respostas necessárias estão lá, mas o sucedido deixa marcas naqueles que o viveram. Isto torna a história muito mais realista, gerando também um muito maior impacto emocional. No fim, esperamos que as personagens venham a ficar bem - ou pelo menos algumas. Mas, tendo em conta os seus percursos, podemos apenas imaginar.
Intenso, intrigante e cheio de surpresas - assim se descreve, no essencial, esta história de crime e de morte e de segredos. Uma leitura viciante e que, não só devido ao mistério, mas acima de tudo devido ao inesperado impacto emocional, facilmente se torna memorável.

Título: Inborn
Autor: Thomas Enger
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Prémio Livro do Ano Bertrand


Já são conhecidos os 30 finalistas da 3ª edição do primeiro prémio literário português atribuído por livreiros e leitores, o Prémio Livro do Ano Bertrand, lançado em 2016 pela Livraria Bertrand.

Os 149 títulos apresentados a votação, distribuídos por quatro categorias – Melhor livro de ficção lusófona; Melhor livro de ficção de autores estrangeiros, Melhor reedição de obras essenciais e Melhor livro de poesia –, resultaram de um trabalho de pré selecção que procurou distinguir os livros, em prosa e poesia, que marcaram o último ano editorial, e contou com o valioso contributo dos jornalistas Inês Fonseca Santos e Sérgio Almeida.

A partir de um convite endereçado pela Livraria Bertrand, todos os livreiros e leitores Bertrand puderam votar nos seus livros preferidos.
Desta 1º fase de votações, que teve início em Fevereiro, e decorreu até dia 13 de Março, resultaram os finalistas de cada uma das quatro categorias, que podem ser consultados em: www.bertrand.pt/template/premio-livro-do-ano-bertrand

No dia 23 de Abril, será divulgado o vencedor de cada categoria, numa cerimónia a realizar na Livraria Bertrand Chiado, aos quais será reservado um lugar de destaque nas livrarias Bertrand, ao longo de todo o ano de 2019.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Já Ninguém Chora por Mim (Sergio Ramírez)

Em tempos, herói da revolução, depois polícia de renome. E agora reduzido a detective privado, investigando relações extra-conjugais e pouco mais. Eis o percurso do inspector Dolores Morales. Mas esta descida ao esquecimento sofre um súbito abalo com a entrada em cena de um rico empresário que lhe pede que descubra o paradeiro de Marcela, a enteada desaparecida. Com os seus invulgares aliados, o inspector dedica-se ao trabalho, embora o padrasto poucos elementos lhe tenha dado com que trabalhar. Só que o objectivo real da sua contratação parece ser fazê-lo queimar tempo e isso Morales não é capaz de fazer. À medida que começa a aproximar-se da verdade, o que vem à tona é o mundo da podridão dos poderosos. E entre fazer aquilo para que lhe pagaram e fazer o que está certo pode haver um abismo intransponível.
Mistura de história de detectives e retrato de uma sociedade de intrigas, este é um livro que, embora se enquadre no género, está bastante longe das características habitualmente esperadas de um policial. Primeiro, tem um ritmo bastante mais pausado do que o habitual, já que as especificidades do cenário e a delicadeza do contexto exigem uma descrição mais extensa. Depois, está muito longe de se cingir à investigação, abordando questões bastante mais profundas e traçando um seguimento de pistas que surgem de quase todas as formas - excepto por via da dedução. E, finalmente, está muito longe de culminar numa resolução limpa e definitiva, o que deixa uma curiosa - mas estranhamente adequada - sensação agridoce ao terminar a leitura.
Se isto lhe retira impacto? Muito pelo contrário. Através do inspector Morales e do percurso da investigação, o autor apresenta um mundo de intrincados meandros, onde aos poderosos tudo é permitido, onde se fizeram revoluções para tudo ficar mais ou menos na mesma e onde, quando alguém ousa fazer frente ao poder instituído, as consequências seram... bem, imponentes. Há todo um caminho de choque, como que um abalo ante a resignação do mundo, e é isto, mais do que o simples paradeiro de Marcela (embora essa investigação tenha também muito de interessante, claro) que torna esta leitura memorável.
E, num livro em que tudo é invulgar, importa dizer que também as personagens o são, desde o inspector Morales à sua rede de aliados improváveis, passando, também, claro, pelos inimigos, dos mais implacáveis aos mais estranhamente bizarros. O que não há é uma única personagem banal. Cada um à sua maneira, todos acrescentam algo de único à narrativa, seja do ponto de vista do desenvolvimento da história, seja até nos inesperados laivos de humor e até mesmo de emoção. Nem tudo é fácil de compreender, mas tudo surpreende, e isto aplica-se tanto às personagens como à história.
A impressão que fica é, pois, a de um policial surpreendentemente pausado, surpreendentemente complexo - e também surpreendentemente memorável. Com as suas personagens invulgares e o seu retrato dos meandros do poder, consegue deixar a sua marca nos momentos mais imprevistos e ficar na memória bastante depois de terminada a leitura. Leva o seu tempo, sim, mas vale a pena. Sem dúvida.

Autor: Sergio Ramírez
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidades Presença

Lennie Walker, de dezassete anos, é uma leitora compulsiva, apaixonada por música, toca clarinete na
orquestra da escola e tem uma vida protegida e feliz à sombra de Bailey - sua irmã mais velha, confidente e melhor amiga. Mas Bailey morre subitamente e Lennie passa a confrontar-se sozinha com os seus próprios problemas. Apesar de não se lhe conhecerem antecedentes amorosos com rapazes, ela vê -se de repente a ter de escolher entre dois: Toby, o namorado de Bailey, cujo desgosto pela morte desta espelha bem a dor de Lennie; e Joe, recém-chegado à cidade, vindo de Paris, com um sorriso quase mágico e um grande talento para a música. Para Lennie, eles são o Sol e a Lua - Toby ajuda-a a libertar-se da dor; Joe dá-lhe conforto e alívio. Mas, tal como acontece com os seus corpos celestes congéneres, os dois rapazes não podem colidir sem que o mundo inteiro deflagre.
Ao mesmo tempo uma celebração ao amor e um testemunho da dor e da perda, a luta de Lennie para isolar a sua própria melodia do ruído que a rodeia é sempre sincera, muitas vezes jovial, e inesquecível.

Jandy Nelson parece não conseguir manter-se afastada da vida académica: é licenciada pela Cornell University, tem um mestrado em Poesia pela Brown University, e outro em Escrita para Crianças e Jovens Adultos pelo Vermont College of Fine Arts. Vive em São Francisco, EUA, onde, à semelhança de Lennie, a personagem que criou, divide o tempo entre a carreira profissional e o lazer. Jandy é agente literária, autora de poesia, e uma romântica devota. Tem uma enorme paixão pela Califórnia e pela sua localização junto ao mar. O Céu Está em Toda a Parte é o seu primeiro romance e está traduzido em mais de 22 línguas. O seu segundo livro, Dou-te o Sol, é um bestseller e encontra-se também publicado pela Editorial Presença.

Momentos.
A vida é uma sucessão de momentos. Alguns, profundamente dolorosos e cheios de mágoas do passado. Outros, cheios de esperança e promessas para o futuro.
Tive muitos momentos na minha vida, momentos que me modificaram, que me desafiaram. Momentos que me assustaram e atormentaram. No entanto, os mais importantes - os momentos mais comoventes e arrebatadores - sempre o incluíram a ele.
Eu tinha dez anos quando perdi a voz. Uma parte de mim foi-me roubada, e a única pessoa que conseguia ouvir verdadeiramente o meu silêncio era o Brooks Griffin. Ele era a luz dos meus dias escuros, a promessa do amanhã, até que a tragédia o encontrou. A tragédia que acabou por afogá-lo num mar de memórias.
Esta é a história de um rapaz e de uma rapariga que se amavam um ao outro, mas não se amavam a si
mesmos. Uma história de vida e de morte. De amor e de promessas quebradas.
De momentos.

Brittainy C. Cherry, autora bestseller #1 da amazon, foi sempre uma apaixonada pelas palavras. Frequentou a Carroll University onde se licenciou em Artes Dramáticas e em Escrita Criativa. Escreveu cerca de 28 livros que estão publicados em mais de 18 países. Quando não está a escrever, adora brincar com os seus animais de estimação. Vive com a família em Brookfield, Wisconsin, E.U.A.

Um dia quente de outono começa como qualquer outro no Centro - uma clínica que presta cuidados de saúde reprodutiva a mulheres. Como habitualmente, os seus funcionários acolhem as pacientes que ali se encontram para aconselhamento e tratamentos. De repente, pelo final da manhã, um homem armado entra nas instalações e começa a disparar, causando feridos e fazendo reféns.
O agente de polícia Hugh McElroy, especialista em negociar a libertação de reféns, estabelece um perímetro de segurança e traça um plano para comunicar com o atirador. Ao olhar sub-repticiamente para as mensagens recebidas no seu telemóvel, apercebe-se, horrorizado, de que Wren, a sua filha de apenas quinze anos, se encontra no interior da clínica.
Wren não está só. Ela vai partilhar as horas seguintes, sob um clima de grande tensão, com outras pessoas: uma enfermeira em pânico, que tem de se autocontrolar para salvar a vida de uma mulher ferida; um médico que põe a sua fé à prova como nunca antes acontecera; uma activista pró -vida, que se tinha feito passar por paciente e é agora vítima da mesma raiva que ela própria sentia; uma jovem que quer abortar. E o próprio atirador, completamente transtornado, a querer ser ouvido.
Uma narrativa que equaciona a complexa temática dos direitos das mulheres grávidas e dos direitos dos seres que elas estão a gerar, além de reflectir sobre o significado de ser boa mãe e bom pai. Um romance desafiador , absorvente e apaixonante.

Jodi Picoult é uma notável autora bestseller No 1 do jornal The New York Times. Escreveu 23 romances, até à data com vendas superiores a 40 milhões de exemplares em todo o mundo, tendo alguns deles sido adaptados ao cinema. A Editorial Presença publicou Tempo de Partir, em 2015, e O Poder das Pequenas Coisas, em 2017.
Juntamente com a filha Samantha van Leer, escreveu dois romances para jovens adultos. Jodi vive no estado norte-americano de New Hampshire.

Para mais informações, consulte o site da Editorial Presença aqui.