quinta-feira, 31 de março de 2022

Divulgação: Novidades Saída de Emergência

A cada momento há um cheiro, uma cor, um sentido que é a Índia.

Em 1961, Pasolini visitou a Índia pela primeira vez. As emoções e sensações vividas são tão intensas que o levam a escrever este diário de viagem. Pasolini vagueia atentamente pela caótica realidade que encontra, uma Índia que é terna e bárbara, mágica e miserável, oprimida por tradições em declínio e, ainda assim, vibrante de cor e vida. Os templos de Benares, as noites de Bombaim, todo o encanto de uma terra fascinante e, ao mesmo tempo, o horror da existência que aí nos conduz são transmitidos com a originalidade de um dos maiores escritores italianos.

Tudo o que ainda ignoramos sobre o nosso estranho e misterioso Universo

A nossa compreensão do que é o mundo está cheia de falhas. Não de pequenas omissões que possam ser facilmente ignoradas, mas de enormes lacunas nas nossas noções básicas de como o mundo funciona:

• Porque é que o Universo tem um limite de velocidade?
• Porque é que não somos todos feitos de antimatéria?
• O que são o espaço e o tempo?
• O que é a matéria negra e porque é que nos ignora?

A resposta a todas estas perguntas é sempre a mesma: não fazemos ideia.
No entanto, como Jorge Cham e Daniel Whiteson demonstram com humor, clareza e um talento singular para explicar coisas complicadas de forma simples, perguntar é tão importante e fascinante como procurar respostas.
Este guia ilustrado dos grandes mistérios da Física expõe tudo o que sabemos e explica como o Universo é um imenso território desconhecido que ainda é nosso para explorar.

Uma extraordinária odisseia espiritual de um homem em busca de si mesmo.
Em 1973, Peter Matthiessen e George Schaller viajaram até às remotas montanhas do Nepal para estudarem o Carneiro-azul e observarem o raro e mítico Leopardo-das-neves. Matthiessen estava igualmente numa jornada espiritual para encontrar o lama de Shey no Mosteiro de Cristal. 
Com o desenrolar da viagem, Matthiessen descreve o seu caminho interior e exterior, aprofundando a compreensão budista da realidade, do sofrimento, da impermanência e da beleza.
Um relato extraordinário de uma viagem física e espiritual que se converteu numa verdadeira peregrinação pela essência da vida.

Um pedido de ajuda do Vice-Rei Egípcio, lança Benjamim Tormenta no caso mais horrendo da sua carreira.
Benjamim Tormenta, detetive do oculto da Lisboa oitocentista, é o homem a quem recorrer quando surgem mistérios que mais ninguém ousa investigar.
A capital do império português continua a ser uma cidade cheia de segredos e perigos, mas desta feita é chamado ao Porto devido aos avistamentos horrendos no nevoeiro que cobre a cidade de madrugada. E também é chamado ao Egipto, pelo próprio vice-rei, para resolver uma praga que aflige aquela nação milenar e que lança o bruxeiro na aventura mais mortífera da sua vida.
Mas os maiores horrores para descobrir talvez sejam aqueles ocultos no passado misterioso do detetive, bem como os do demónio milenar que o habita.
Prepare-se para uma viagem inesquecível ao ano de 1874, onde as trevas escorrem de cada fresta.

Kurt Austin e a equipa NUMA veem-se envolvidos numa conspiração sinistra que pode destruir o planeta...
No início da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe realizou uma expedição à Antártida para aí instalar uma base militar. Apesar de nunca ter concretizado o objetivo, o que os nazis encontraram revelou-se perigoso… e com implicações sinistras para o futuro.
Na atualidade, Kurt Austin e Joe Zavala embarcam para a Antártida depois de uma ex-colega da NUMA desaparecer na região. É lá que descobrem a foto da expedição da Luftwaffe e são envolvidos numa conspiração que dura há décadas e que envolve uma terrível arma produzida pelo homem que pode levar o mundo a uma nova Idade do Gelo.

A maior aventura do mundo começa quando o mundo acaba.
Enfrentar a aniquilação às mãos dos vogons enquanto procura uma chávena de chá? Só poderia acontecer a Arthur Dent e aos seus invulgares companheiros na sua desesperada busca por um lugar para comer, enquanto viajam pelo espaço movidos pela pura improbabilidade.
Entre os vários companheiros de Arthur encontramos Ford Prefect, um amigo de longa data e pesquisador de campo do guia À Boleia Pela Galáxia; Zaphod Beeblebrox, o ex Presidente da galáxia com duas cabeças e três braços; Tricia McMillan, uma refugiada da Terra (e que alterou o seu nome para Trillian); e Marvin, o deprimido androide. O seu destino? O melhor lugar para uma noite de entretenimento apocalíptico onde a comida fala por si (literalmente).
Conseguirão lá chegar? É difícil de dizer. Mas temos de considerar que o guia À Boleia Pela Galáxia apagou a expressão «Futuro Perfeito» das suas páginas…
Lidando com temperaturas negativas, avalanches e tempestades, Kurt e a equipa NUMA têm de travar a conspiração e descobrir esta arma secreta que tem o poder de congelar o mundo para sempre…

terça-feira, 29 de março de 2022

Festas Galantes (Paul Verlaine)

De um amor que é simultaneamente frívolo, espiritual e erótico, que consome e se dispersa entre os deambulares das noites. De um amor que divaga entre festas, passeios, cortejos, contemplações à luz da Lua e em que os cenários são tão fundamentais como a raiz do coração. De um amor que é palavra e ritmo, mas também imagem e paisagem. É desse amor que são feitas estas Festas Galantes.
É inevitável, ao falar sobre este livro, começar por referir o aspeto mais óbvio: a beleza visual. É um livro que cativa ao primeiro contacto, com a sua estrutura cuidada e a abundância das ilustrações. E é também um livro em que o visual completa a palavra, dando-lhe como que um cenário onde imaginar o contexto dos poemas. No fundo, poesia e arte complementam-se. E é isso, acima de tudo, o que fica na memória.
Claro que importa também falar sobre os poemas propriamente ditos. Neste aspeto, sobressai a singularidade da voz, numa poesia de amor que não divaga muito pelo sentimento puramente expresso, preferindo manifestá-lo pela melancolia ou pela exuberância dos cenários, pelos episódios pitorescos e pelas presenças que se vão repetindo. É uma forma diferente de contemplar o amor, menos hino e mais observação. Mas também uma forma fascinante, à sua maneira.
E é uma poesia com uma estrutura muito vincada, onde nem sempre há rima, mas há sempre ritmo, e em que as vozes das personagens - porque personagens há - se confundem com a voz do poeta na sua contemplação do mundo e das suas festas galantes. Como um concerto de vozes, em suma, em que algumas criam mais proximidade do que outras, mas em que todas têm os seus pontos de interesse.
Breve, belo e fascinante - assim é este livro singular, de uma poesia que não se esgota nos versos e que contempla o mundo através de simplicidades surpreendente... intrincadas. Muito interessante, em suma.

segunda-feira, 28 de março de 2022

A Menina e a Gata (Mala Kacenberg)

Nascida numa família numerosa na pequena cidade de Tarnogród, Mala Szorer podia não ter uma vida de riquezas, mas tinha uma vida feliz, com a sua família, as suas ocupações e a sua fé. E inicialmente, parecia que isso nunca iria mudar, embora houvesse rumores, olhares desagradáveis, comportamentos estranhos. Mas a mudança acabou por chegar, primeiro com a transformação da cidade num gueto, depois com a deportação de parte dos seus habitantes e depois com atos ainda mais brutais. E é então que Mala tem de aprender a sobreviver. Primeiro, para alimentar a família, arrisca-se a tirar a estrela amarela para ir à procura de comida. Depois, acontecido o pior, a luta passa a ser pela própria sobrevivência. Ainda assim, nunca está realmente sozinha. Tem a companhia de Malach, a gata que a segue para toda a parte e cuja intuição parece ser sobrenatural.
Todas as histórias de sobrevivência ao Holocausto têm o seu sombrio elo comum. Mas todas têm também as suas particularidades, seja no percurso de quem as viveu, na forma que escolheram para as contar ou até naquilo que os levou a lutar pela sobrevivência. A história deste livro diverge das histórias mais comuns no sentido em que a sua protagonista nunca passou pelos campos de concentração. Assim, o seu percurso é não só de resistência às adversidades, mas também de luta para evitar a captura. E esta diferença é, aliás, destacada na própria história, quando, depois de terminada a guerra, Mala encontra os outros sobreviventes.
O que marca neste livro é, portanto, desde logo, a história completa. É impossível não admirar a luta pela sobrevivência de Mala, o seu apego a fé, o engenho com que lida com as situações mais difíceis. Mas sobressai também um ponto particularmente marcante. Lutar pela sobrevivência implica, às vezes, ter de tomar decisões quando nenhuma decisão é moralmente perfeita, agir de formas que, em circunstâncias normais, seriam repreensíveis. E a autora não foge a estes aspetos do seu percurso. Descreve-os abertamente, incluindo os dilemas morais associados, numa exposição frontal que realça a dimensão das dificuldades e a humanidade de quem as viveu.
Existem alguns episódios que são contados de forma um pouco concisa, como que a deixar a ideia de que tudo foi resumido ao estritamente essencial. Mas faz sentido que assim seja, até porque, segundo se deduz da leitura, esta história foi um registo construído depois dos acontecimentos. Não é um diário, são memórias. E as memórias nem sempre são - nem têm de ser - exaustivas.
História de sobrevivência e de superação, de um período negro da história e das marcas pessoais que deixou, trata-se, em suma, de um relato marcante e franco de uma luta pela sobrevivência em circunstâncias inimagináveis. É impossível não ficar com este livro no pensamento.

sábado, 26 de março de 2022

A Família Monstro - Receita em Chamas (Bruno Matos e Raquel Carrilho)

Podem ser todos muito diferentes, mas se há algo que é inquestionável sobre os membros da família Monstro é que são muito unidos. Por isso, a descoberta, logo ao acordar, de que a Mamã Ogre desapareceu, lança os restantes membros num frenesim de ação. A cozinha está virada de pernas para o ar e o pior de tudo é que a receita secreta da famosa tarte de amêndoa também foi roubada! Resta-lhes, pois, seguir a pista de uma misteriosa pena deixada para trás e descobrir o que realmente se passa. Antes que as consequências sejam dramáticas...
Sendo este já o quarto volume da série, uma das primeiras coisas a sobressair é o equilíbrio entre novidade e familiaridade. As personagens continuam iguais a si mesmas, mas a entrada de novos elementos em cena acrescenta algo de novo às já bem conhecidas relações desta família. Além disso, embora seja certo que têm sempre uma aventura à espera, e que isso envolverá perigos, pensamento rápido e uma certa corrida contra o tempo na fase final (como sempre), as particularidades da história são sempre diferentes, seja por acrescentarem um monstro novo, um local diferente... ou ambas as opções, como é o caso deste volume.
Mantém-se também a já habitual simplicidade, mas não em demasia, o que significa que, embora pensado para os mais novos, proporciona uma boa leitura a leitores de todas as idades. E, claro, o equilíbrio entre ação, emoção, uma boa dose de humor e uma mensagem positiva. Além de que, neste caso, temos um monstro com um lado afável e um lado terrível - o que serve também para lembrar que a linha entre o bem e o mal nem sempre é assim tão nítida e irreversível.
E, claro, escusado será dizer que se mantém também o belo equilíbrio entre texto e ilustração, com a expressividade das personagens e a diversidade dos monstros a tornarem mais apelativa a aventura destas personagens. E um outro pormenor delicioso - as adaptações de certos elementos do mundo real, que reforçam a tal sensação de familiaridade.
Trata-se, em suma, de mais uma bela aventura numa série que corresponde sempre às expetativas. Simples, mas sempre envolvente, uma história capaz de cativar todos os leitores, seja pela aventura propriamente dita, pela nostalgia de tempos mais simples... ou mais uma vez, por ambas. Porque não?

quinta-feira, 24 de março de 2022

Spaghetti Bros - Livro 3 (Carlos Trillo e Domingo Mandrafina)

Dizer que os irmãos Centobucchi são uma família estranha será provavelmente um eufemismo. Basta olhar para as suas ocupações - um padre, um polícia, uma atriz de cinema mudo, uma assassina profissional e um mafioso. Mas como se não bastasse esta singularidade, têm também a mais improvável de todas as improváveis relações familiares. Amam-se... e às vezes odeiam-se. Cometem uns contra os outros as mais graves transgressões - e zangam-se pelas mais pequenas. E, pelo caminho, a vida vai mudando, as situações vão-se tornando mais difícil. Há vida e morte, esperanças e desilusões, palavras dadas e promessas por cumprir. E tudo passa, tudo se transforma. Tudo... menos eles.
Há algo de absurdamente fascinante na forma como a saga desta família se entranha no pensamento, e nem sempre é fácil apontar os motivos que fazem com que assim seja. Contada através de uma sucessão de pequenos episódios, aborda todas as situações com relativa brevidade. E, ainda assim, mais do que curiosidade insatisfeita, o que fica é uma impressão de intensidade. Além disso, dadas as circunstâncias e o... meio profissional em que alguns deles se movem, nem todos estes irmãos são propriamente do tipo que desperta uma empatia incondicional. Muito pelo contrário, todos têm momentos em que irritam solenemente. E, no entanto... No entanto, há algo de delicioso na forma como as suas aventuras - e desventuras, sobretudo - se sucedem, entre momentos dramáticos, caricatos e ocasionalmente emotivos.
Outro ponto que sobressai desta história de contrastes é que, entre a leveza dos episódios divertidos, o choque dos momentos mais violentos e a eterna ambiguidade moral de todas estas personagens, há também um reflexo do tempo e da sociedade em que estes irmãos se movem. A Grande Depressão e as suas consequências serve de pano de fundo a esta fase do percurso dos Centobucchi, e serve também de base a alguns momentos discretos - mas eficazes - de crítica social. Além disso, são as consequências desta grande crise que levam a algumas das opções dos protagonistas, pelo que este contexto contribui também para fazer avançar a história.
Ainda um último ponto sempre notável prende-se com o aspeto visual. Não é um livro de grandes cenários, ainda que eles surjam ocasionalmente, mas sim de expressões e de eloquência visual. As personagens falam tanto através dos diálogos como das expressões com que reagem aos acontecimentos. E tendo em conta o tipo de acontecimentos deste volume, algumas dessas expressões são particularmente esclarecedoras. 
Ah, e já agora. O último episódio é um belíssimo piscar de olho a uma história que todos conhecemos - e também uma boa lembrança de que nem todos os mafiosos são iguais. Nem mesmo quando são parecidos.
Somadas todas as partes, a impressão que fica é bastante semelhante à dos volumes anteriores: a de uma história com tanto de peculiar como de cativante, repleta de personagens tão fáceis de adorar como de odiar e com um contraste poderoso entre leveza e violência. Vale sempre a pena reencontrar estes curiosos irmãos.

terça-feira, 22 de março de 2022

Sabedoria Zen para Mentes Ansiosas (Shinsuke Hosokawa)

Às vezes, parece que a vida é um poço de ansiedades, de preocupações que se prolongam e multiplicam em outros motivos de stress. Tememos a perda, a morte, a necessidade de optar por um caminho em exclusão de outro, a forma como enfrentamos as dificuldades, o julgamento dos outros e a nossa própria visão de nós. O passado assombra. O futuro atormenta. Mas e se, em vez de preocupações e arrependimentos, vivemos simplesmente no presente, com a certeza de que cada momento é uma aprendizagem? É isso que estas pequenas lições de sabedoria sugerem. E a sua simplicidade ecoa na mente de forma particularmente eficaz.
É inevitável, ao falar sobre este livro, começar por referir a aura de serenidade que transborda de todo ele. Das ilustrações aos contrastes de preto e branco, sem esquecer naturalmente os espaços premeditados e a concisão precisa das palavras, tudo neste livro parece pensado para a tranquilidade, como um ponto de partida para a meditação. E sendo que uma das suas mensagens é que não importam os métodos, mas o que com eles se alcança, não deixa, ainda assim, de ser importante a forma como todo este livro é um método para a serenidade.
Ainda no aspeto estrutural, importa salientar a divisão por estações - do ano e da vida. A primavera, o verão, o outono e o inverno deste livro assumem duas facetas - a do seu reflexo na natureza e a das diferentes etapas da vida humana. São, aliás, dois aspetos que se entrelaçam num equilíbrio perfeito, com a contemplação das transformações da natureza a servir de base para a contemplação da transformação interior.
Finalmente, olhando para o cerne de tudo, que são as meditações contidas nestas bonitas páginas, sobressaem acima de tudo três pontos: a brevidade, que faz com que cada ideia seja resumida ao essencial e facilmente se entranhe no pensamento; a simplicidade, que, através de uma história breve ou de uma mera reflexão, permite transmitir a ideia sem elaborações desnecessárias; e a universalidade, pois praticamente tudo o que este livro apresenta é aplicável a qualquer vida, mais ou menos agitada, mais ou menos ansiosa, mais ou menos contemplativa.
Visualmente belo, abrangente e cativante na sua visão de vida e transbordante de serenidade até nos seus mais ínfimos elementos, o que fica é, pois, a imagem de uma meditação em forma de livro. E de uma bem necessária dose de tranquilidade para dias conturbados e mentes ansiosas. Muito bom.

segunda-feira, 21 de março de 2022

Histórias de Adormecer para Raparigas Rebeldes: 100 Mulheres Negras que Mudaram o Mundo

Embora haja ainda um muito longo caminho a percorrer no sentido de alcançar uma verdadeira igualdade, a verdade é que, se olharmos com atenção, as histórias de mulheres que deixaram a sua marca no mundo são mais e mais diversas do que à primeira vista seria de parecer. Mulheres de todas as idades, de todos os ramos e de todas as origens. Neste livro, encontram-se as histórias de cem mulheres negras que deixaram a sua marca no mundo tal como o conhecemos, seja na luta pela igualdade, nos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, na arte, no desporto ou em muitas áreas. E algumas delas serão muito conhecidas, outras nem tanto. Mas uma coisa é certa: vale a pena conhecê-las a todas.
Parte do que esta coleção de livros tem de mais cativante é a forma sucinta mas inspiradora que tem de apresentar as diferentes histórias. É, apesar de tudo, um livro pensado para os mais novos - embora possa e deva ser lido por gente de todas as idades - e, assim sendo, a concisão dos textos torna-o mais apelativo, embora seja certo que haveria muito mais a dizer sobre qualquer destas histórias. Além disso, cada história é um exemplo, funcionando como inspiração, motivação e também base para reflexão. Afinal, todos sabemos que a discriminação continua a existir, e as histórias deste livro são uma bela demonstração de que essa discriminação não faz sentido.
Outro ponto marcante é, naturalmente, o aspeto visual, pois, como é característico desta coleção, também este volume junta à diversidade das histórias a diversidade de estilos visível nas ilustrações que compõem este livro. Cada história é acompanhada por uma ilustração da sua protagonista, e há uma grande variedade em termos de traço e de cor. Mas é interessante notar como toda esta diversidade converge numa harmonia coesa em que tudo pertence e tudo faz sentido.
Dada a estrutura comum de todas as histórias, e a relativa concisão de cada uma, fica ainda a impressão de que a melhor forma de apreciar este livro é aos poucos, lendo algumas histórias por dia e extraindo delas o exemplo e a inspiração necessárias para refletir e motivar. Ainda assim, não deixa de ser cativante lido de forma sequencial, até porque há histórias tão diferentes que a leitura nunca se torna repetitiva.
Tudo somado, a impressão que fica é a de um livro pensado para os mais jovens, mas capaz de cativar todo o tipo de leitores. Visualmente lindo, cheio de histórias interessantes e com uma mensagem inspiradora e motivacional, uma bela forma de conhecer estas mulheres que mudaram o mundo.

sábado, 19 de março de 2022

Herbário (José Guardado Moreira)

Uma natureza composta de elementos que se tornam também alquimia, transmutando-se em quase rituais de palavras para depois moldar novas paisagens divididas em elementos. Um ciclo de pequenas coisas que convergem numa teia coesa e complexa, feita de versos breves, de ritmos intensos e de um conjunto que é mais do que uma soma de partes independentes. Assim é este Herbário, olhar à terra, à água, ao fogo e ao ar - enquanto constituintes da natureza quotidiana e enquanto evocação de arcanos indescritíveis.
Provavelmente o aspeto mais marcante deste livro é o contraste entre a concisão da forma e a complexidade. do conteúdo. Composto maioritariamente por poemas breves, muitos deles sem grandes imposições estruturais, ainda que com um ritmo bastante forte (e particularmente visível lendo o texto em voz alta, mas não só), é o tipo de texto de que, à primeira vista, seria de esperar um certo grau de simplicidade, principalmente se tivermos em conta a presença dominante da natureza. Mas não é bem assim: lido sequencialmente, rapidamente desvenda uma teia mais ampla que, mais do que contemplação da simples natureza, é como que uma observação dos seus rituais alquímicos. É, aliás, esta a grande marca que fica deste livro: a fusão entre o natural e o arcano, entre o quotidiano e o ritual.
Não é propriamente uma poesia de cariz sentimental. Aliás, chega a ser difícil identificar um verdadeiro sujeito poético, pois os objetos, os elementos, as próprias palavras, parecem assumir a identidade da voz, mais do que um qualquer ser subjacente a elas. E assim, o registo destes poemas acaba por parecer um pouco mais distante, do ponto de vista emocional, compensando, porém, esse afastamento com uma aura de misticismo e de mistério particularmente cativante.
Feito de pequenas partes que formam um todo vasto, trata-se, pois, de certo modo, de uma alquimia poética, em que cada poema é um elemento na natureza composta pela totalidade do livro. Uma natureza concisa mas complexa, feita de paisagens simples e de evocações arcanas. Que pode não falar assim tanto ao coração, mas fala certamente à imaginação.

sexta-feira, 18 de março de 2022

Amor Atómico (Jennie Fields)

Rosalind Porter sempre teve uma mente brilhante, e esse potencial materializou-se na oportunidade de trabalhar num projeto de suma importância. Só que as consequências do Projeto Manhattan foram bem diferentes do que ela imaginava. O que supunha ser um trabalho para o bem transformou-se em arma de destruição, e os seus sentimentos de culpa, associados ao colapso da sua relação amorosa, deixaram-na em ruínas. Agora, passados cinco anos, Rosalind deixou a ciência para trás, mas Weaver acaba de reaparecer na sua vida, aparentemente com a intenção de recuperar o que perdeu. Só que traz consigo segredos perigosos, que põem a vida de Rosalind em perigo. E é esse mesmo mistério que faz com que o agente Charlie Szydlo, do FBI, entre também na sua vida, com intenções de a recrutar para uma missão perigosa, mas sem saber que está também ele a assumir um tipo diferente de perigo...
Parte da grande envolvência deste livro reside na forma como conjuga elementos vindos de mundos aparentemente incompatíveis para construir com eles uma história fluida e memorável. Tem rasgos de romance de espionagem, com a venda de segredos nucleares, as escutas, os agentes de sentinela e a sucessão de perigos e potenciais traições, mas tem também elementos de puro romantismo, rasgos de um humor cativante e, acima de tudo, histórias de superação e de autodescoberta muito poderosas. Charlie, Rosalind e Weaver são, cada um à sua maneira, personagens notáveis. São também bastante humanas, com as suas forças e vulnerabilidades, as suas realizações e fracassos e os fantasmas que persistem em assombrá-los. E é o facto de estas personagens serem tão completas que as torna também tão próximas - mesmo quando as suas ações são questionáveis.
Outro aspeto particularmente notável é que, embora tendo no seu cerne um certo núcleo de romantismo, a história está longe de se cingir à parte romântica. E também não se cinge à espionagem. Há traumas do passado, episódios da vida familiar, laços que se vão transformando e passos de crescimento pessoal. Há, em suma, muito a acontecer e em múltiplas facetas, sendo de destacar que, apesar de toda esta vastidão, a leitura nunca se torna difícil de seguir.
Finalmente, sobressai a voz da autora e a forma como entrelaça todos estes fios num enredo sempre cativante, repleto de momentos intensos e que culmina num final que, longe do expectável, se apresenta, ainda assim, como o mais adequado, tendo em conta o percurso das personagens. Além disso, deixa o suficiente à imaginação do leitor para ficar, tal como as personagens, entre a apreensão e a esperança, encerrando pontas soltas, mas deixando ainda um mar de possibilidades.
História de espiões e segredos, mas também de amor e de perda, trata-se, em suma, de um romance inesperado, cheio de intensidade, de emoção e, sobretudo, de superação. Maravilhosamente escrita e cheia de personagens memoráveis, uma belíssima história de amor... indivisível.

quarta-feira, 16 de março de 2022

Grande Turismo (João Pedro Vala)

Sentado na marquesa do consultório, à espera das temíveis palavras que o médico tem para lhe dizer, João Pedro Vala - narrador que é também autor, mas não exatamente, e é ainda protagonista de uma sucessão de vidas improváveis - dá por si a contemplar uma não muito longa vida inteira de fracassos. Sob o olhar das expetativas do mundo, carregando às costas uma vida que não reconhece muito bem e perdido na fronteira entre o real e o improvável, vai partilhando histórias em jeito de biografia intimista do que nunca aconteceu. E o que tem para contar... bem, é simultaneamente impossível e real, inconcebível e perfeitamente natural. Provavelmente um romance? Sim, provavelmente.
Se há algo que este livro nunca será é fácil de descrever. Porquê? Porque quase não há nada de linear em toda esta estranha viagem aos meandros da mente do narrador/autor/protagonista. Curiosamente, porém, é precisamente isso que o torna tão fascinante. Num constante esbater de fronteiras entre realidade e ficção, nenhuma identidade é assumida com solidez absoluta, nem mesmo a do enigmático João Pedro Vala desta história. E ora há momentos que parecem perfeitamente normais (pelo menos no início), ora há outros que, de tão improváveis que são, se tornam irresistíveis na sua peculiaridade. Veja-se, por exemplo, a ideia de ver a bola na internet em plena guerra colonial. Ou de um conjunto de aparentes rituais infantis que se tornam numa caçada muito séria. Ou ainda a alegada morte e ressurreição do autor/narrador/protagonista.
Tudo neste livro é feito de singularidades, desde os episódios inexplicáveis ao próprio registo do livro, com um sentido de humor também muito peculiar, pontuado por algumas referências a puxar para a nostalgia, e uma cadência nas palavras que parece ajustar-se à voz da... bem, da personagem, digamos assim. Mas o mais intrigante neste aspeto é a forma como, ao longo da leitura, vamos sendo transportados para a realidade do livro para nos vermos depois confrontados - e várias vezes - com a súbita lembrança de que há um autor a escrever estas coisas. Um autor que não dá voz apenas à sua personagem, mas também a outras capazes de emitir julgamentos sobre o seu percurso.
Ainda um último elemento curioso vem da teia de laços singulares que atravessa toda esta viagem. Não será de todo um livro sentimental, mas as ligações que persistem, as presenças que se repetem, acabam, ainda assim, por criar uma estranha sensação de proximidade. Mesmo quando as personagens não são propriamente do tipo que mais desperta empatia.
Tudo somado, o que fica é uma impressão de estranheza - mas daquele tipo de estranheza que se entranha, que fascina, que se grava na memória pela sua singularidade. E também de uma viagem marcante aos meandros de uma vida cativante e simultaneamente difícil de definir. Se vale a pena viajar por estas andanças? Oh, sim. Sem dúvida.

segunda-feira, 14 de março de 2022

Canción (Eduardo Halfon)

Descendente de um avô libanês que não era libanês, e que foi em tempos sequestrado por guerrilheiros, um escritor participa num evento no Japão também sob uma identidade libanesa que talvez não lhe pertença verdadeiramente. E essa presença no evento serve-lhe de ponto de partida para revisitar memórias: de uma infância de leituras de sina, militares assustadores e cartas de despedida que nunca o chegam a ser à posterior busca da história do avô através daqueles que o sequestraram. Pelo caminho, vão-se esbatendo as linhas do tempo e da realidade. Afinal, como dizia o avô do narrador, a Guatemala sempre foi um país surrealista. Porque não haveriam de o ser também os seus habitantes?
Um dos aspetos mais cativantes deste livro é a forma como, nas suas cerca de cento e vinte páginas, abrange vidas inteiras de complexidades e mistérios. A história do avô do narrador é, naturalmente, a presença dominante, mas expande-se para a história da sua família, para o contexto dos países por onde passou e, naturalmente, para a história daquele que nos conta a história. Claro que, sendo tão breve, vive tanto de sugestões como de explicações efetivas, e é certo que fica todo um mundo de perguntas sem aberto. Ainda assim, há um equilíbrio delicado entre o dito e o sugerido, o que é contado e o que fica à imaginação, que acaba por assumir a forma de um registo algo enigmático.
Também a própria voz tem as suas singularidades. Oscilando entre diferentes períodos da linha temporal, entre perspetivas mais próximas e breves momentos de pura enumeração de factos, forma uma estrutura que talvez pudesse ser descrita como fragmentária, na medida em que vai saltando entre pedaços de vidas. Mas não é bem isso, pois há uma coesão que se vai revelando aos poucos e a ligação entre todos os elementos acaba por se tornar bastante evidente no fim.
Ainda um último ponto a salientar prende-se com o título do livro, que é também nome de personagem, mas não do protagonista. Canción é, aliás, uma presença curiosa, pois dado o seu posicionamento na história, tem uma grande importância em certos desenvolvimentos. O papel mais marcante desta figura está, ainda assim, na forma como serve de elo de ligação entre as diferentes fases da história e entre os diferentes intervenientes, ligando passados distantes à persistência das memórias do narrador.
Breve, mas surpreendentemente complexo em todas as suas facetas; enigmático, mas com uma estranha envolvência que confere à leitura uma fluidez muito natural; e equilibrado na sua conjugação de revelações e mistérios, de inícios e fins de vida, do que persiste e do que vai ficando pelo caminho, trata-se, em suma, de uma leitura maior do que a sua dimensão em páginas. E de uma voz que se entranha quase involuntariamente.

sexta-feira, 11 de março de 2022

Monstress, Vol. 6 - A Promessa (Marjorie Liu e Sana Takeda)

A guerra apoderou-se do mundo, com tal violência e imprevisibilidade que até as linhas relativamente claras que antes existiam se desvaneceram por completo. No centro de tudo, continua Maika Meiolobo, alvo de praticamente todas as intrigas e dotada de um conjunto de singularidades que a tornam um poder difícil de igualar - ou de destruir. E à medida que o conflito vai alastrando, em intensidade e escala de destruição, Maika vai também tendo de tomar decisões difíceis, de aceitar a sua natureza e as escolhas insustentáveis que ela implica e de abrir portas a um certo nível de vulnerabilidade. Só que a vulnerabilidade é perigosa. Principalmente quando implica confiar nos aliados errados...
É difícil, ao sexto volume de uma série, encontrar coisas novas para salientar sem revelar involuntariamente algumas das surpresas do percurso. E, assim sendo, talvez o melhor ponto de partida para começar a falar sobre este livro seja referir que mantém em toda a sua glória as mesmas qualidades dos volumes anteriores. Visualmente, continuam a abundar os pormenores deslumbrantes, seja na indumentária, seja na construção dos locais, e é particularmente notável a forma como isto persiste num cenário que se vai tornando cada vez mais sombrio. Em termos de construção do enredo, mantém-se o ritmo de expansão, com novas intrigas, novas alterações no equilíbrio de poderes e novos confrontos e transformações a tornarem este mundo cada vez mais complexo. E quanto às personagens, quanto mais as conhecemos, mais se intensifica o impacto emocional - seja de empatia ou de aversão, de proximidade ou até mesmo de perplexidade, pois o que não falta nesta história são personagens cuja verdadeira posição continua a ser um mistério.
Com um mundo tão vasto, não só em termos de composição visual, mas também de complexidade das relações, dos pactos e das intrigas, é particularmente marcante a facilidade com que tudo parece entranhar-se no pensamento, mesmo havendo ainda uma imensidão de aspetos por explicar. Cada novo volume traz novas particularidades à tona - sobre as máscaras, sobre o poder de Maika, sobre profecias passadas e planos presentes e até sore as próprias origens deste mundo. E, ainda assim, todos eles elementos vão sendo assimilados de forma perfeitamente natural, o que significa que a vastidão do mundo nunca se torna excessiva para o ritmo dos acontecimentos.
E claro, no cerne de tudo isto, está uma protagonista complexa e fascinante, com tanto de poder insondável como de profunda vulnerabilidade. E, estando no cerne de uma teia de intrigas e de traições, está também no âmago dos momentos mais negros, a que se contrapõe, ainda assim, uma saudável dose de ternura e de humor que vem tornar tudo mais intenso e equilibrado.
Mantendo todas as forças do início da história, e expandindo-as gradualmente para algo cada vez mais vasto, cada volume desta série é, ao mesmo tempo, um reencontro e uma revelação. Este não foge à regra. Intenso, marcante, visualmente magnífico e emocionalmente devastador, transporta-nos para o seu mundo e deixa um pouco desse mundo dentro de nós. E isso é basicamente o melhor que se pode pedir a um livro.

segunda-feira, 7 de março de 2022

A Rapariga que Roubava Livros (Markus Zusak)

Todos vamos morrer. É um facto incontornável. Mas há anos em que a morte parece ter mais trabalho do que em décadas inteiras - anos de guerra, de brutalidade, de devastação. Como os anos em que esta história acontece. E quando a morte tem uma história para contar, é porque deve ser importante. E a história de Liesel Meminger e da sua gloriosa carreira a roubar livros, a partilhar pequenas dádivas, a guardar segredos e a sobreviver por entre o caos, consegue tocar o coração da própria morte. É essa a história que a morte tem para nos contar: uma história de vida e de inocência perdida em anos de destruição.
É difícil apontar que partes sobressaem da incomensurável beleza deste livro, porque todo ele é beleza, o tipo de beleza que irradia da escuridão mais sombria. Tudo nele converge para criar um todo tão vasto e impressionante que olhar para as partes significa inevitavelmente deixar algo de importante por dizer. Ainda assim, talvez seja possível apontar alguns aspetos, alguns pontos de partida. Porque o impacto verdadeiro... bem, só mesmo embarcando nesta viagem. Tentemos, ainda assim.
O primeiro ponto a suscitar curiosidade para esta história será, naturalmente, a singularidade do narrador. Trata-se de uma história contada pela morte, e por uma versão da morte que é ela própria uma personagem fascinante, com fantasmas e sombras interiores e uma forma de expressão poderosíssima. Assume, aliás, um registo surpreendentemente próximo, o que faz com que cada desenvolvimento, cada pequeno rasgo de luz ou explosão de destruição, tenha um impacto ainda mais intenso.
Outro aspeto impressionante é a singularidade da construção desta história, feita de elementos que todos reconhecemos da história mundial, mas transformada em algo de único pela forma como as suas muitas facetas se conjugam. Escusado será mencionar os factos da guerra, as atrocidades da época e as dificuldades vividas então pelas pessoas comuns. São mais que conhecidos e surgem em inúmeros outros livros. Ainda assim, há algo de irrepetível na forma como o autor constrói, através de todos os elementos, um percurso vasto e singular para as suas personagens, com algo capaz de ecoar nos corações de todos, mas que o distingue de todas as outras histórias.
E, claro, o impacto emocional é devastador. Os contrastes entre inocência e brutalidade, entre os pequenos rasgos de ternura e a crueldade implacável ao virar de cada esquina, entre o mundo interior das palavras e a dura realidade que nada - nem todos os sonhos, nem todas as histórias do mundo - pode mudar. É o tipo de livro que tanto arranca lágrimas como gargalhadas, que se aninha no coração e na memória. Que nunca se esquece, não só pelo impacto global, mas pelo poder insondável dos pequenos momentos.
É um livro glorioso no seu retrato da devastação. Uma história inesquecível na sua convergência da máxima luz e da máxima crueldade. E uma viagem maravilhosa ao coração das palavras, que brilham, ainda e sempre, mesmo no coração das trevas. Belíssimo, poderoso e absolutamente avassalador, um livro impossível de apagar da memória.

domingo, 6 de março de 2022

Sangue Novo (Pedro Lucas Martins [ed.])

Histórias de sombra e de assombração. De medo, mistério e sobrenatural. De enigmas e impossíveis. E de sangue, claro, sangue novo em múltiplos sentidos. Eis a base de uma antologia em que basta a capa para chamar a atenção. Mas não fica por aí. De todo.
Antes de passarmos ao... sangue, digamos assim, no cerne desta antologia, importa referir dois rápidos aspetos: a introdução, que explica um pouco a ideia das sua origens; e a organização, que, além de tornar o livro visualmente mais apelativo, apresenta um pouco as mentes por trás das histórias, o que é sempre interessante.
Avançando então para a alma do livro, o primeiro conto é Pestinhas, de Cláudio André Redondo, história dos efeitos dramáticos da privação de sono sobre a racionalidade de um pai de gémeos. Muito breve, mas carregadinho de tensão, destaca-se sobretudo pelo contraste entre visões do sobrenatural e demónios bem reais.
Segue-se Tarde de Verão, de Ricardo Alfaia. Ainda mais breve, esta história de uma mosca a bater contra o vidro destaca-se pela capacidade de surpreender em tão poucos parágrafos. Pouco é desvendado sobre o como e o porquê, mas a reviravolta não deixa, ainda assim, de ser forte.
Praga, de Sandra Henriques, fala de uma possível invasão de estranhas criaturas, de natureza indefinida, mas de evidente brutalidade. Embora deixando algumas perguntas sem resposta, o que contribui também para adensar o mistério, trata-se de uma história cativante, cheia de tensão e bastante eficaz na construção da sensação ominosa que envolve todo o percurso.
O Manicómio das Mães, de Liliana Duarte Pereira, conta a história de um hospital psiquiátrico para mães obcecadas pelos filhos. Singular e intrigante, parte de uma certa estranheza para traçar depois um crescendo de intensidade que culmina num final poderoso e revelador.
Conta Comigo, de Martina Mendes, fala de um aniversário e do pior tipo de monstros - os que vivem na realidade. Intenso, marca um ritmo forte na forma direta que tem de contar a história, evocando ao mesmo tempo uma sensação de horror visceral e uma reflexão sobre o que esconde nas sombras de vidas aparentemente normais. 
Segue-se Labirinto, de Paulo A. M. Oliveira, história de um hotel abandonado e dos perigos que se escondem nos seus labirínticos corredores. Com uma aura de horror clássico e um crescendo de intensidade que culmina num final surpreendente, ainda que ligeiramente ambíguo, trata-se de uma história tão misteriosa quanto cativante.
Godigana, de Maria Varanda, fala de um aparente caso de polícia que esconde verdades mais sombrias e de difícil explicação. Verdadeiramente arrepiante, não só pela história propriamente dita, mas sobretudo pela tensão que emana da escrita, tem nas diferentes perspetivas e no contraste entre as sombras de cada uma delas uma força poderosa. 
O Devorador de Sonhos, de Marta Nazaré, conta a história da origem dos pesadelos, num conto inesperadamente leve e carregadinho de magia, com um toque de inocência e de ternura a dar luz a esta aventura de terrores literários. 
Bom Trabalho, de José Maria Covas, é a muito breve história de uma loja de decoração com produtos singulares. Deixa inevitavelmente uma certa curiosidade sobre a particularidades da loja, mas a concisão do conto tem também o efeito de intensificar o choque, o que torna tudo mais surpreendente.
Sonhei com uma Linha Vermelha, de Madalena Feliciano Santos, fala de um misterioso sonho com consequências devastadoras na realidade. Além de ser um dos contos mais longos do livro, é um dos que mais prolonga a aura de mistério, construindo uma base sobrenatural singular cujos contornos têm muito de inesperado.
Amor, de Patrícia Sá, conta a história da perda de um ente querido e da presença que persiste no local outrora habitado. Marcante sobretudo pela fusão de nostalgia e ternura com aspetos mais sombrios, trata-se de um conto com um cerne essencialmente inocente, mas também bastante intenso e cheio de tensão. 
Segue-se A Mais Bela Profissão, de Sandra Amado, história de um encontro fugaz de consequências dramáticas. Muito breve e escrito num registo bastante direto, sobressai acima de tudo pela capacidade de gerar tanta surpresa em tão poucas páginas. 
Ritos, de Vanessa Barroca dos Reis, fala da perda de uma esposa, dos rituais do luto e da sua consumação em formas inesperadas. Mais pausado do que os contos anteriores, e também mais introspetivo, tem na forma como explora a desorientação do luto, e também as suas facetas pessoais, a sua grande força. E, feito mais de pequenas perceções do que de acontecimentos dramáticos, acaba por surpreender também pela sua medida de serenidade. 
O Palco Vazio, de Susana Silva, fala do que parece ser um vago apocalipse e do consequente mundo deserto por onde alguém vagueia. Com uma voz muito própria e um registo algo ambíguo, trata-se de um conto construído à base de impressões, deixando por isso muito em aberto, mas também uma intrigante sensação onírica.
Finalmente, A Tradição, de Francisco Horta, conta a história de um marido com más notícias para dar à mulher e de uma sombria tradição que tem de ser cumprida a todo o custo. Particularmente eficaz na aura de mistério, mas notável também pela forma direta de narrar as coisas, sobressai pelo contraste e pela capacidade de surpreender. 
Com um conjunto diverso mas coeso de contos, registos bastante distintos mas sempre cativantes e uma bela conjugação de surpresas notáveis, a impressão que fica desta antologia é inevitavelmente muito positiva. Cada conto cativa à sua maneira, e são vários os que se entranham na memória. E assim, eis uma boa palavra para resumir este livro: memorável. 

sexta-feira, 4 de março de 2022

A Fera (Zidrou e Frank Pé)

A chegada à Bélgica de uma criatura misteriosa, diferente de quaisquer outros animais conhecidos, passa maioritariamente despercebida aos olhos do mundo devido às circunstâncias dramáticas do seu... desembarque. Ainda assim, um encontro inesperado com uma criança com um coração demasiado grande e uma vida demasiado difícil, proteja-o para a fama. É um animal singular, cuja característica mais vincada parece ser a sua enorme cauda. Mas, para François, é mais do que isso. É um companheiro, um amigo, um foco de luz numa vida demasiado ensombrada pelo passado. E, ainda assim, é de um animal selvagem que se trata. E a felicidade não pode durar...
Há algo de absurdamente fascinante na forma como este livro conjuga elementos tão diferentes e aparentemente incompatíveis num equilíbrio que quase roça a perfeição. Por um lado, o início quase parece evocar uma história de terror, com a chegada de um barco carregado de morte e uma fuga igualmente dramática. Por outro, a situação de François e da mãe é puro drama, com as consequências da história a assumirem um papel fulcral e a servirem de base a momentos de pura crueldade. E há, claro, a ternura transbordante da inocência de François, a sua devoção comovente às criaturas mais frágeis e a angustiante impotência de quando até os pequenos rasgos de luz se desfazem. Há todo um espetro emocional nesta história, que vai muito além da descoberta de uma criatura estranha. E é este vasto equilíbrio que torna tudo tão marcante.
Outro ponto particularmente notável é a forma como este equilíbrio de emoções é transposto para a própria arte, não só no equilíbrio entre imagem e diálogo - e diga-se que a expressão de François chega mesmo a dizer muito mais do que as suas palavras - mas também na forma como a cor parece refletir essa mesma emoção. A parte inicial, sombria, ominosa, evoca na perfeição o mistério e o horror. A luz pálida dos momentos mais claros insinua as sombras subjacentes ao quotidiano. E há até pequenos rasgos de humor em que a expressão das personagens parece aumentar a intensidade dos momentos mais caricatos.
Importa ainda salientar um último ponto: que quem cresceu com os desenhos animados do Marsupilami encontrará aqui uma figura bem diferente. Ainda assim, há como que uma sensação de proximidade, pois se esta criatura é bem mais selvagem - e realista - não deixa, ainda assim, de haver uma dose impressionante de inocência. Mais vulnerável - e também por isso mais real - e protagonizada por uma figura diferente. Mas inocência, ainda assim, capaz de nos lembrar a que conhecemos outrora e de abrir portas a um regresso ao passado - ainda que por caminhos diferentes.
Emocionalmente devastador com a sua fusão particularmente intensa de ternura e de crueldade, trata-se, em suma, de um livro que desperta memórias para depois as conduzir por caminhos nunca antes explorados. E que nos conduz ao coração das personagens, surpreendendo e abalando a cada passo do caminho.