Nas profundezas da Subcoisa, Auri só tem um objectivo: garantir que tudo está como deve estar. É por isso que divaga entre os lugares de que só ela sabe o nome, procurando e alterando, transformando e encontrando, para que tudo esteja no lugar certo. Sozinha com as coisas, Auri vive através dos mistérios dos lugares. E espera por aquele que virá ao sétimo dia, ciente de que, quando ele chegar, deverá ter um presente para lhe oferecer. E um presente que seja também adequado. Auri é uma pessoa diferente. E é da sua diferença que se faz esta história.
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que é, em todos os aspectos, diferente dos outros livros do autor. É, aliás, o próprio Patrick Rothfuss que o diz nas notas com que abre e fecha a história. É certo que Auri é uma personagem conhecida de quem leu O Nome do Vento e O Medo do Homem Sábio, mas tudo o resto é diferente, desde o registo ao ritmo e sem esquecer o foco dado aos acontecimentos.
É que a história deste livro não é propriamente uma história repleta de acontecimentos, mas antes uma entrada para o estranho mundo de Auri. Ao longo de seis dias da sua vida, acompanhamos Auri nas suas deambulações, nas descobertas, nas acções... mas, acima de tudo, nos pensamentos. E o resultado deste percurso é uma narrativa em que dominam a descrição e a introspecção, não havendo propriamente um avanço na narrativa, mas antes uma contemplação daquele estranho mundo.
Sobressai, portanto, a diferença. Mas também o facto de, apesar de muito diferente de tudo o que mais se conhece deste mundo, também esta história ter bastante de cativante. E por duas razões. A primeira é que Auri, em toda a sua estranheza, ter para com os objectos e o cenário em que se move uma relação mais próxima que a que existe entre muitos seres vivos. A devoção de Auri às coisas, o que vê nos objectos, a inexorável dedicação a fazer com que tudo esteja como deve estar, revelam uma mente tão dedicada e um afecto tão estranhamente terno que, apesar da distância das longas descrições, é impossível não sentir uma certa empatia. E depois há a escrita que, mesmo no ritmo pausado de uma história essencialmente descritiva, consegue despertar emoções, transmitir harmonia e criar uma muito agradável envolvência para um cenário que tem, também, algo de desolação.
Não é, portanto, um livro de que se possam esperar grandes acontecimentos ou revelações. Mas, na sua estranha ternura e na fluidez com que dá vida às coisas, A Música do Silêncio consegue tornar próxima a estranheza dos que, como Auri, serão, talvez, um pouco diferentes. E isso é mais que o suficiente para fazer desta história uma boa leitura.
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