François leva uma vida solitária, dividida entre o ensino universitário, que há muito deixou de exercer o estímulo intelectual de antigamente, e uma ausência de relações que o leva a questionar a sua própria normalidade. Não é um homem de grandes acções nem de grandes dramatismos, e a política desperta-lhe muito pouco interesse. Mas é chegado o momento em que deixa de ser possível ignorar. Com a iminente chegada ao poder da Fraternidade Muçulmana, avizinham-se grandes mudanças no país e François dá por si a questionar o seu lugar no novo mundo que se abre em seu redor. Talvez a única hipótese seja aceitar a mudança... Mas será ele o tipo de homem disposto a submeter-se?
Situado algures entre as ponderações intelectuais e introspectivas e o desenvolvimento de um cenário de quase distopia, este é um livro que desperta sentimentos ambíguos, já que, por um lado, projecta um olhar bastante aprofundado sobre um conjunto de questões relevantes e a própria sociedade em geral, enquanto que, por outro, as ideias mais vincadas contrastam com as possibilidades que são deixadas por explorar. Mas vamos por partes.
Poder-se-ia definir esta história como o cruzamento de duas partes complementares: a história individual de François, com a sua descoberta de si mesmo perante tempos de mudança, e a das alterações a ocorrer no sistema político (e não só) europeu. É, aliás, desta conjunção de elementos que surge o lado mais interessante deste livro, já que, ao centrar a história em François, partindo do seu ponto de vista para retratar as circunstâncias do mundo, o autor transmite uma perspectiva mais próxima dos acontecimentos. Além disso, ao pôr as mudanças no centro da vida de François, também as questões se tornam mais vincadas, já que, de todas elas, surge uma outra: de que forma se irão repercutir essas mudanças na vida do protagonista.
Por outro lado, há um outro equilíbrio a destacar, este bastante mais delicado, que é o do limite entre o politicamente correcto e o exagerado ou obviamente ofensivo. No desenvolvimento político, ao opor a Fraternidade Muçulmana à Frente Nacional, o autor parte de dois opostos para lhes realçar as características mais vincadas, daí surgindo todo um conjunto de questões relevantes. Questões estas que, mais uma vez, ao serem abordadas do ponto de vista do protagonista, se tornem mais próximas, ainda que, por vezes, seja difícil distinguir os pontos de vista da personagem e os do autor.
E é aqui que surgem os aspectos mais problemáticos. Por um lado, François, com a sua propensão para a fuga, está longe de ser uma personagem que desperte empatia, o que, por um lado, serve os interesses da narração do seu percurso, mas, por outro, afasta um pouco o leitor das suas preocupações. E, por outro, há elementos do sistema que, ainda que expostos tão objectivamente quanto possível, deixam em aberto todo um outro conjunto de questões que ficam por explorar. Até que ponto são impostas as novas regras da Fraternidade Muçulmana ou quanto do que está a acontecer para lá do olhar do protagonista pode vir a influenciar o contexto global são apenas algumas das perguntas que, apesar de afloradas, em certa medida, ficam, ainda assim, sem uma resposta completa.
Trata-se, portanto, de um livro que desperta algumas questões difíceis. Mas que, apesar do que fica por dizer e da ambiguidade do carácter do próprio protagonista, consegue, com a relevância do tema, a fluidez de uma escrita cativante e uns quantos momentos deveras surpreendentes, tornar-se, ainda assim, estranhamente memorável. E isso é mais do que suficiente para fazer deste Submissão uma boa leitura.
Este é um livro que estou bastante curioso e expectante para o ler. Inclusive já o comprei e será mesmo o próximo.
ResponderEliminarRui Quinta (Na Brevidade)