sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

8 Mulheres e 1/2 (Hugo Vieira Costa)

Histórias da grande cidade, dos homens e mulheres que a habitam. De estranhos demónios interiores, comportamentos bizarros, perdas e nostalgias que se prolongam no tempo e deixam sempre as suas marcas. Assim são os contos que dão forma a este livro, em que cada história é um todo independente, mas em que há uma imagem vaga, mas marcante, a emergir do todo. Histórias de gente peculiar, mas que podia viver mesmo aqui ao lado, contadas num registo surpreendente e íntimo, que parece abrir os corações das suas personagens.
Beta abre este livro com a história do que parece ser um reencontro movido a perda e nostalgia, mas que cedo se transforma em algo bastante mais surreal. Intrigante e surpreendente, principalmente a partir do momento em que as coisas começam a tornar-se estranhas, cativa principalmente pela constância do desespero do protagonista, surpreendendo também por uma fase final particularmente intensa, embora não dando todas as respostas. 
Céu Azul, Mar Verde parte de uma memória antiga que se gravou como trauma na mente de um homem e abrange vinte anos da sua vida para mostrar a clausura das suas memórias mesmo ante as mulheres que cruzaram o seu caminho. Abrindo com uma surpresa estrondosa e acabando de forma igualmente intensa, consegue, com a sua mistura de melancolia e mistério, cativar, surpreender e emocionar desde as primeiras linhas até ao derradeiro momento.
Segue-se J.B., história da vida de uma grande cidade de esquemas e brutalidade, onde quem não pertence, ou é turista ou anda a tramar alguma. E, por isso, tudo é permitido. Cruel, duríssimo, e com uma aura de resignação que torna tudo mais negro, surpreende acima de tudo pelo contraste entre a aparente leveza com que tudo é contado e a tão sombria natureza de todos os acontecimentos.
Sinais reconstrói o célebre episódio do bêbedo e do candeeiro, para dar voz a uma história de amizade que enfatiza a importância dos sinais. Peculiar, mas cativante e com um final particularmente enternecedor, um conto que, apesar de toda a sua estranheza, consegue, ainda assim, parecer mais natural que sobrenatural.
A Última Lição fala da última aula de um professor catedrático e de um sentimento que, no meio das normas severas, acabou por nunca viver realmente. Surpreendentemente emotivo, principalmente tendo em conta a personalidade do protagonista, marca pela nostalgia profunda que transmite na perfeição a sensação de alguém que vira costas a uma vida inteira. Uma vida que trouxe consigo um preço demasiado elevado.
Segue-se Geometria Descritiva, história de uma mulher em busca de si mesma e de um mundo em que a fama passa demasiado depressa. Um pouco confuso, por vezes, mas com uma melancolia estranhamente sentida, realça a passagem do tempo e o peso da diferença com uma clareza marcante e surpreendente.
Flying Home apresenta-nos um casal no aeroporto. Ele sonha com uma vida de sucesso. Ela... sonha talvez com a liberdade. Possivelmente um dos contos menos emotivos do livro, em grande parte devido à capacidade de Aldo de facilmente despertar aversão, é, ainda assim, uma história surpreendente, cujo verdadeiro sentido só se revela no final.
A Troca fala de um capricho da chefia que se repercute de forma desastrosa na vida pessoal e profissional de uma estagiária. Cheio de surpresas e com uma visão bastante interessante - embora não necessariamente positiva - do mundo empresarial, cativa, acima de tudo, pela mensagem final de solidariedade e pela visão sucinta, mas perspicaz, de algumas excentricidades do mundo laboral.
O último conto é Sexta-Feira Louca, e deambula pelos meandros mais secretos da cidade, visitando homens de sucesso e também de hábitos perversos, mulheres esperançosas e de esperança perdida e crianças inocentes ante um mundo tenebroso. Sem nunca se centrar verdadeiramente numa única personagem, embora comece por acompanhar Sam, faz da cidade - e do seu lado negro - a verdadeira protagonista. E, como o mundo não pára, também a história não tem um verdadeiro fim. Apenas aquela noite.  
Terminada a leitura, fica a melhor das impressões: a de um livro intrigante, enigmático e cheio de surpresas, com histórias tão invulgares quanto inesperadas e em que cada personagem - das que despertam maior empatia às que mais aversão fazem sentir - deixa uma marca pessoal e intransmissível no impacto da sua história. Um conjunto notável, em suma, e um livro que não posso deixar de recomendar.

Autor: Hugo Vieira Costa
Origem: Recebido para crítica

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