Ah, o Sul. Esse lugar de gente estranha, de influências em movimento e de um tipo de poder tão feroz que, nos seus momentos de máxima violência, deixa marcas tão profundas que quem parte fá-lo para nunca mais voltar. Ou, pelo menos, é essa a intenção. Earl Tubb deixou o Sul há quarenta anos e o regresso pretende ser apenas passageiro: esvaziar a casa do tio que se mudou para um lar e depois voltar para a sua vidinha bem longe dali. Só que... o Sul tem as suas manhas e, quando o caminho de Earl se cruza com o de um velho conhecido em sarilhos, ele não consegue resistir a tentar ajudar. O que, num cenário onde o poder se impõe pela força, talvez não seja a mais saudável das ideias...
Basta um olhar à capa, com os seus tons de vermelho e a sua imagem de violência anunciada, e uma breve leitura da sinopse para antever uma boa dose de sangue e de porrada. E, sim, também nesse sentido o livro corresponde às expectativas. Mas há algo mais e as surpresas começam desde muito cedo. O retrato do Sul cruel e impiedoso começa logo no prefácio, estranha declaração de amor-ódio ao Sul, e esse sentimento ambíguo prolonga-se para a própria história. Ou não fosse o protagonista um sulista que jurou nunca mais voltar... mas que, bem, está mesmo de volta.
O Sul desta série não é nitidamente um lugar muito civilizado e a forma como os autores retratam isto é bastante precisa. Afinal, há uma certa desolação que permeia tudo, desde os cenários propositadamente esbatidos às sombras da noite, onde tudo acontece, passando por um passado feito também de memórias vermelhas. Desolação e violência: talvez sejam estes os ingredientes centrais desta história. Mas o impacto... ah, bom. O impacto vem da complexidade que se esconde a cada canto.
E a maior complexidade está mesmo em Earl Tubb, embora o estranho regime instalado na sua terra natal tenha também as suas estranhas e tenebrosas complexidades. Mas Earl, o homem que partiu para nunca mais regressar, movido por uma aversão tão profunda que o levou a celebrar a morte do próprio pai... mas que se transformou num reflexo do seu próprio passado. Earl Tubb, que não veio para fazer frente ao poder instituído, mas que... não consegue evitar. Que quer recuar mas não pode, pois é, também, em certa medida, o herdeiro de um legado moral que nunca quis... Earl Tubb é a verdadeira alma do início desta estranha e implacável história. E é talvez também isto que faz com que a forma como este primeiro volume termina seja algo de tão devastador. Porque há uma leve esperança que se manifesta - o tipo de esperança que não pode ser permitido naquele tipo de local.
Escusado será dizer que tudo fica em aberto, mas não é de curiosidade insatisfeita a sensação que fica ao chegar ao fim. Não. Tudo o que tinha de acontecer aqui, aconteceu de facto. O que vier a seguir será uma nova fase. E por isso, não é curiosidade insatisfeita, é vontade de continuar. E de continuar o mais cedo possível.
Intenso, complexo e implacável, trata-se, pois, de um início notável para uma série que promete ainda muito mais. Cheio de crueldade, mas permeado de meticulosos rasgos de emoção, um livro que se entranha na memória com a mesma tenacidade do seu protagonista. Muito bom.
Autores: Jason Aaron e Jason Latour
Origem: Recebido para crítica
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