quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Barba Ensopada de Sangue (Daniel Galera)

Depois do anunciado suicídio do pai, um homem decide afastar-se da família e da vida que levou até então e mudar-se para um lugar diferente. Quase por impulso, parte para Garopaba, lugar onde o avô terá morrido misteriosamente, e tenta levar aí a sua vida. Leva consigo a cadela do pai e algo que, de certa forma, torna cada novo encontro em algo de novo, pois é incapaz de memorizar rostos. Mas a nova vida, com os amigos que vai fazendo e as relações ocasionais, não chegam para afastar a obsessão que se instalou. Precisa de saber o que aconteceu ao avô e porque é que, naquele lugar, todos evitam as suas perguntas. Mas as respostas, essas, podem trazer mais problemas que soluções.
Feito tanto da busca essencial do protagonista por respostas como dos pequenos episódios da sua vida ao longo desse caminho, este é um livro de ritmo relativamente pausado, não só por se dispersar entre diferentes circunstâncias, mas principalmente pelos vários momentos mais descritivos que vão surgindo ao longo do enredo. Isto vem, em parte, da natureza introspectiva do protagonista, pelo que acaba por se adequar ao caminho da personagem. Ainda assim, acaba por exigir mais tempo e mais concentração para assimilar todos os passos e divagações.
Também o percurso do protagonista, com a sua forma algo distante de estar na vida, acaba por ser, a princípio, difícil de compreender. Na fase inicial, são muitas as perguntas sem resposta e grande parte das razões do protagonista permanecem também envoltas em mistério. Mas tudo muda com o evoluir dos acontecimentos e as sombras do passado, quer do do protagonista, quer, e principalmente, do mistério em torno da morte de Gaudério, contribuem também para conferir à narrativa uma aura de intriga que torna a leitura progressivamente mais interessante, ao ritmo do desenvolvimento do enredo.
Mas o que mais impressiona neste livro não está tanto no percurso pessoal do protagonista, mas no que certos episódios da sua história - e das suas reflexões - representam, numa perspectiva global, com ênfase na banalização da indiferença, quando não mesmo da violência, num meio que, durante uma parte considerável do ano, quase morre. E, no meio disto, ou apesar disto, a tentativa de viver ou de sobreviver, com o passado ou apesar dele, e sem buscas por qualquer espécie de perdão.
O que fica então, deste livro, é a impressão de uma leitura cativante, ainda que longe de compulsiva, com um protagonista com uma vida complicada (mas com laivos de simplicidade) e um enredo que é tanto história pessoal de uma personagem como retrato de um cenário maior. Interessante e com alguns pontos especialmente marcantes, uma boa leitura.

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