sábado, 28 de março de 2015

Escrevam a Dizer Quem Foi ao Meu Funeral (Celso Filipe)

Ingrid Bauman, de nacionalidade alemã, mas habitante de longa data da aldeia de Silha da Palha, é encontrada morta na Lagoa Salgada. Ninguém sabe muito bem o que aconteceu, mas uma coisa é certa: Ingrid foi assassinada. E, enquanto alguns divagam entre as poucas pistas que têm e um problema de definição de autoridade, um outro homem decide, por via de uma sessão espírita, contactar com o além e chamar à terra os melhores detectives da literatura. Eis, pois, que, numa aldeia alentejana, se juntam Poirot, Maigret, Nero Wolfe e Perry Mason. Mas, vindos de outro tempo e de outros métodos, serão eles capazes de resolver o caso?
Relativamente breve e mais centrado no ambiente do que no crime propriamente dito, este é um livro que tem como principal ponto forte a peculiaridade. Desde logo, a peculiaridade das circunstâncias que juntam numa aldeia alentejana quatro grandes personalidades ficcionais, mas também as estranhezas do próprio caso e as bizarrias que definem a vida quotidiana de Silha da Palha. Ah, e claro, a peculiaridade de algumas intervenções do próprio narrador. Mas o mais interessante em toda esta vastidão de aspectos invulgares é que o autor os apresenta com naturalidade, num interessante equilíbrio entre o bizarro - que se torna intrigante - e a quase normalidade com que tudo é aceite pelas personagens. Há, em suma, uma certa pacatez de hábitos que contrasta com o impacto do crime. E é, acima de tudo, este equilíbrio de contrastes que torna a leitura envolvente.
Também interessante é a forma como o crime propriamente dito serve de base a uma história em que o suposto acontecimento central não é, necessariamente, assim tão evidente. É que, para além da investigação à morte de Ingrid, há todo um conjunto de elementos, mais ou menos expectáveis, que definem o rumo da história, desde os hábitos peculiares dos quatro detectives, aos segredos e relações das gentes da aldeia, e, mais uma vez, sem esquecer o papel do narrador enquanto criador de histórias. Ficam, neste aspecto, sentimentos ambíguos: por um lado, teria sido interessante saber mais sobre o crime e a forma como os intervenientes chegaram à sua resolução; por outro, as intrigas e tribulações da aldeia conseguem ser igualmente interessantes.
Por último, importa destacar ainda uma outra peculiaridade, desta vez em termos de escrita, já que, devido, em grande medida, à tal intervenção do narrador nos rumos da história, há algumas divergências ao longo do enredo. Surgem, por isso, capítulos em que tudo é resumido ao muito essencial, e capítulos em que é a descrição o elemento que domina. E se estes últimos conferem à narrativa um ritmo mais pausado, estas mudanças e as razões que a justificam não deixam de introduzir ainda um novo e intrigante toque de - sim - peculiaridade.
Trata-se, portanto, de uma leitura breve, mas muito interessante, em que, apesar de algumas questões deixadas sem resposta, há uma história cativante, com vários momentos memoráveis e um conjunto de personagens que, de forma mais ou menos bizarra, têm, todas elas, algo de bom a acrescentar à narrativa. Gostei.

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