sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Imagina Que Não Estou Aqui (Adam Haslett)

No dia em que viu o noivo pela primeira vez, Margaret estava longe de imaginar tudo o que viria depois. Durante o noivado, John foi internado devido a uma depressão e, posta perante a possibilidade de desistir de tudo ou de continuar, aceitando os problemas que daí poderiam advir, Margaret decidiu escolher o amor e seguir em frente com os seus planos. Agora, com três filhos e uma vida nem sempre fácil de gerir, novos fantasmas começam a vir à superfície. O marido, longe do sucesso financeiro que almejava, nem sempre consegue lidar com as suas sombras interiores. E Michael, o filho mais velho, parece já partilhar da companhia do mesmo monstro. São uma família, os cinco - mas que tipo de relação pode perdurar quando se carrega aos ombros um fardo tão pesado? E que fim poderá haver quando as sombras de cada um são os fantasmas de todos?
Narrado na primeira pessoa pelos vários elementos da família e centrado, acima de tudo, nos demónios e provações pessoais que lhes definem os caminhos, este não poderá nunca deixar de ser uma leitura difícil. E não se entenda por difícil que seja maçadora ou cansativa - muito pelo contrário. Embora a complexidade das relações se revele aos poucos e a das personagens exija algum tempo para as conhecer realmente, a dificuldade na leitura tem a ver precisamente com a intensidade: a intensidade de um labirinto emocional que molda vidas inteiras, de um percurso onde todas as vulnerabilidades doem e em que as penas das personagens facilmente se tornam perceptíveis ao leitor. É duro o caminho e nenhum dos passos é fácil. E isso transparece até no mais simples dos momentos.
Mas é precisamente esta dureza que torna a leitura tão marcante. Não há - nunca - a tentação de reduzir aos traços mais simples ao que é, no fundo, um percurso de uma complexidade avassaladora. Seja a doença de Michael, com todos os momentos de estranheza e de agonia em que ela se manifesta, a vulnerabilidade de Margaret, decidida a tudo fazer pelo filho, custe isso o que custar, ou a dificuldade de Alec e Celia em lidar com a situação do irmão ao mesmo tempo que tentam construir para si mesmos uma vida diferente, em todos estes aspectos há um labirinto profundo: de mágoas, de vulnerabilidade, de esperanças feitas desespero, de possibilidades vividas ou deixadas por concretizar. E tudo é complexo. Tudo é profundo. Desde o início pausado onde as peculiaridades começam a revelar-se ao final de pura angústia que, ao mesmo tempo, se assume como tremendo e inevitável.
E há ainda um outro aspecto que torna a leitura mais pausada - mas também muito mais fascinante. Além da complexidade inerente ao tema da doença mental, há ainda outros elementos relevantes a pautar o curso da vida das personagens, começando desde logo pelos interesses de Michael, mas estendendo-se também às relações dos irmãos e à forma como estas lhes condicionam a vida. Em todos estes aspectos há muitos detalhes a assimilar e, no caso da relação de Michael com a música, um mundo de referências mais ou menos fáceis de reconhecer. Ainda assim, e embora o enredo avance por isso a um ritmo mais lento, há ainda um outro efeito interessante em tudo isto: a visão de uma mente (no caso de Michael em particular) capaz de abranger tanto com tanto pormenor torna o seu percurso ainda mais impressionante. E a forma como tudo termina ainda mais memorável. 
Não, não é uma leitura fácil. Mas não haja dúvidas de que justifica todo o tempo e concentração exigidos para acompanhar esta longa jornada. Pois, na intensidade das mais difíceis emoções e na complexidade com que a todos torna vulneráveis, percorrer as páginas deste livro é olhar de frente uma das mais duras - e inevitáveis - facetas da vida: a tortuosidade do caminho e a inevitabilidade do fim. E essa é uma verdade dura, mas que facilmente se grava na memória. 

Autor: Adam Haslett
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Imagina que Não Estou Aqui, clique aqui.

1 comentário:

  1. Estou a ler este livro e efectivamente não é uma leitura fácil. sinto que ainda conheço mal as personagens.

    ResponderEliminar