sábado, 10 de setembro de 2022

Senciente (Jeff Lemire e Gabriel Walta)

A vida na Terra parece estar próxima do fim, e é por isso que a esperança da humanidade está no envio do maior número possível de naves para a colónia, a fim de reconstruir a vida noutro local. Mas há um grupo de separatistas que acredita que a liberdade só pode ser conseguida cortando todas as ligações com a Terra. E é assim que se justifica o ataque que mata todos os adultos da U.S.S. Montgomery, mas que está longe de ser um sucesso total. É que, antes de morrer, uma das tripulantes conseguiu alterar os protocolos da inteligência artificial da nave, Valarie, e assim salvar as crianças. Agora, cabe a estas completar a missão e encontrar o caminho para a colónia... apesar dos perigos que continuam à espreita.
Parte do que torna esta história tão cativante é que, apesar do seu cenário futurista, dos elementos completamente distintos e da inevitável brutalidade de certos aspetos, a alma e a essência deste percurso está em algo de muito próximo e conhecido: os laços de afeto e as relações familiares - de sangue e não só. A ligação entre as crianças e Valarie é particularmente enternecedora, mas há todo um espectro emocional nesta aventura que gera emoções fortes. A capacidade de emocionar é, aliás, a maior força deste livro, ainda que haja vários outros aspetos cativantes nesta história.
Outro aspeto particularmente poderoso prende-se, aliás, com este contraste entre ternura e brutalidade, que é particularmente visível no aspeto visual. Algumas das mortes são bastante gráficas e o facto de os sobreviventes serem crianças gera necessariamente uma sensação de inocência perdida que transparece das expressões. Ainda assim, não é só o choque que transparece. Há uma expressividade bastante tangível nas personagens, sobretudo em Lil e em Isaac, que faz com que as emoções estejam sempre à flor da pele, mesmo nos momentos em que é a ação a dominar o enredo.
E, por falar em ação, importa salientar que, embora as emoções pareçam dominar, ação é coisa que não falta neste livro. Há momentos de grande intensidade desde as primeiras às últimas páginas e várias surpresas ao longo do caminho a manter sempre viva a curiosidade em saber o que se seguirá. Além disso, dado o rumo da história, é inevitável que não possa haver conclusões perfeitas. Mas, no seu equilíbrio de perda e sobrevivência, de perplexidade e superação, tudo converge para um final perfeitamente adequado ao caminho percorrido por estas personagens.
Intensidade, ação, expressividade e muita, muita emoção: são estes os elementos que tornam esta aventura tão memorável. Uma viagem a um futuro diferente, igualmente suscetível à crueldade e ao erro, mas onde o amor e a ternura permanecem imutáveis. Muito bom.

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