quarta-feira, 15 de maio de 2013

Senhor Comandante (Romain Slocombe)

Paul-Jean Husson, escritor, combatente da Primeira Grande Guerra e simpatizante nazi, tem na sua Villa Némesis, o santuário onde constrói os seus livros e onde dedica, através da sua obra, todos os seus esforços à defesa de um nacionalismo ferozmente antissemita. Mas as suas convicções são abaladas, ainda que não da forma expectável, pela entrada de Ilse, esposa do seu filho, na sua vida. Ainda que os seus traços não o revelem, cedo Paul-Jean descobre que a nora tem ascendência judia, facto que o perturba. Ele ama-a, porém, e esse desejo proibido leva-o ao inevitável dilema. Continua a acreditar nas ideias que defende, mas pretende proteger Ilse das consequências. A contradição torna-se inevitável. E só a carta, a carta que é, no fundo, a quase totalidade deste livro, pode revelar as suas convicções e intenções...
Não é difícil adivinhar, conhecendo a ideia que lhe serve de base, que esta nunca será uma leitura fácil. E não propriamente devido à escrita. Na voz que constrói para o narrador, o autor introduz uma certa poesia, bastante descrição e um estilo algo elaborado de narrar as coisas, mas nada há na sua forma de expressão que dificulte a fluidez do texto (que é, aliás, de uma harmonia muito cativante). A dificuldade está, antes, na assimilação das ideias do narrador/protagonista. A perspectiva de Husson sobre os judeus, e as declarações lapidares com que a apresenta, é perturbadora, chocante nos seus momentos mais dramáticos, e dificulta, desde logo, qualquer impressão de empatia. As suas posições estarão, também, na base de vários momentos de tensão, mas particularmente de actos que, impressionantes por todas as razões erradas, contribuem para um final devastador. Tudo isto abala, perturba, e a forma como estas ideias são desenvolvidas, numa carta escrita pelo protagonista, torna-as próximas de uma forma arrepiante.
Há, ainda assim, uma contrapartida em tudo isto. É que as ideias defendidas pelo protagonista reflectem-se em acções atribuídas a outros, o que leva a questões importantes sobre como poderiam tais ideais prosperar de forma tão generalizada, e com consequências tão graves. Além disso, esta perspectiva permite um retrato da época vista pelo "outro lado", o daqueles que acreditavam realmente em tais ideias. 
Para acrescentar ainda um pouco mais de complexidade, surge a história de Ilse e a forma como serve de base a uma crescente duplicidade nos pontos de vista do protagonista. Não é de esperar uma redenção, ou uma mudança total de mentalidade, mas a forma como, de forma algo disfuncional, mas, ainda assim, com toda a intensidade de uma paixão, a presença de Ilse leva a certas acções que conduzem Paul-Jean ao seu cruel (ainda que apenas parcial) despertar, é parte do que torna o final tão poderoso, tão marcante. Tão trágico.
Impressionante retrato de um homem que se ilude a si mesmo, e também história de uma época de ideais e pontos de vista difíceis de assimilar, este é, acima de tudo, um livro que perturba e que apela à reflexão. E acaba por ser daí, dessa perspectiva maior que surge das ilusões de um ideal distorcido, que surge o verdadeiro impacto deste livro.

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