Edgar Allan Poe. Senhor de histórias de horror e de poemas igualmente sombrios. Se me conhecem, não será propriamente uma surpresa se eu disser que é um dos meus autores de eleição - ou não tivesse esta minha casa o nome que tem. E esta edição dos melhores contos de Poe é algo de muito especial. Para começar, vejam o livro ao vivo e vão reparar que tem um aspecto fantástico. Aspecto esse que se estende também ao interior, onde as ilustrações dos vários artistas parecem funcionar como o complemento perfeito para as palavras do mestre. O livro é lindo, portanto, e isto basta para o descrever. Mas, como em todos os outros livros, o mais importante é o conteúdo. E, sendo um livro de tão vasto conteúdo, importa considerá-lo conto a conto. Por isso, vamos por partes.
Metzengerstein, o conto que abre este volume, fala de duas famílias rivais e de um misterioso cavalo cuja singularidade desperta obsessões. Enigmático, com tanto de inexplicável como de fascinante e a aura de mau presságio que parece pautar muitos dos contos do autor, abre da melhor forma esta viagem aos meandros do mistério, com um enigma que, deixando tanto em aberto, atinge, ainda assim, o mais perfeito dos finais.
Segue-se Berenice, história de uma obsessão tornada horror. Centrado em grande medida nos pensamentos do protagonista, o mais marcante neste conto é a forma como o ritmo pausado da narrativa, como que ao fluir do pensamento do narrador, dá lugar a uma revelação intensa e inesperada.
Em O Rei Peste, dois marinheiros embriagados fazem uma visita acidental ao Palácio da Peste. Sombrio em todos os seus muitos detalhes e particularidades, e especialmente fascinante no ambiente sinistro - e um tanto ou quanto caricato - que evoca, cativa, acima de tudo, pela forma como faz surgir, a partir de um ambiente tão ominoso, um episódio quase que divertido.
Sombra, um dos contos mais breves, narra um estranho velório e uma ainda mais estranha aparição, no mesmo registo sombrio, descritivo e estranhamente fascinante que é característico do autor. História de uma manifestação sobrenatural, um conto sem explicações, mas cativante pelo acontecimento em si.
Segue-se Silêncio, também um conto breve, onde duas maldições se confrontam: a desolação e o silêncio. Ambíguo na forma como no conteúdo, parece reflectir muito mais do que uma história contada pelo diabo, surgindo antes como uma estranha e elaborada metáfora para os terrores silenciosos... do silêncio.
O Diabo no Campanário fala de um burgo ordeiro e onde os elementos reinantes são relógios e couves. Extensamente descritivo e com um início um pouco confuso, cativa, em primeiro lugar, pela bizarria do cenário, e depois pela rápida passagem da ordem ao caos.
O conto que se segue, A Queda da Casa de Usher, é possivelmente um dos mais conhecidos do autor, e fala de uma casa antiga e dos últimos elementos da família que lhe dá nome. Sombrio, enigmático, com uma aura tão sinistra como os acontecimentos que narra, este é um conto que, pese embora o ritmo pausado e as elaboradíssimas descrições, prende desde a primeira até à última palavra.
William Wilson, história de dois seres iguais, e porém opostos, parece traçar um rumo diferente para a ideia do gémeo maligno. Intrigante e misterioso, como é, aliás, apanágio do autor, parece deixar muito sem resposta... e é, contudo, precisamente esse enigma que torna o conto tão memorável.
O Homem da Multidão traça como que uma estranha taxonomia da sociedade, para depois apresentar ao observador um mistério insolúvel. Retorcido, intrincado, imprevisível, também este é um conto amplamente descritivo, mas em que o mistério que pende sobre a cabeça do protagonista mantém acesa a intensidade da busca de respostas.
Segue-se Os Crimes na Rue Morgue, também sobejamente conhecido. A história é a de dois crimes misteriosos que deixaram a polícia perplexa, mas não Auguste Dupin, com a sua apuradíssima capacidade analítica. Fascinante pelas peculiaridades do crime, mas, acima de tudo, pelas de Dupin, também este é um conto de ritmo pausado, mas irresistível na complexidade do seu mistério.
Uma Descida no Maelström pondera um tipo diferente do horror - o dos grandes fenómenos da natureza. Provavelmente um dos contos mais descritivos deste livro - e porém também um dos mais intensos - fica na memória pela sensação de desespero crescente que tão bem retrata.
Eleonora fala de amor inocente e trágico e de juramentos que não podem durar. Breve, mas elaboradíssimo, é talvez um conto mais contemplativo do que propriamente misterioso. Ainda assim, a sua visão de vida e morte não deixa de ser estranhamente fascinante.
Segue-se O Retrato Oval, história de um retrato demasiado vívido - e do porquê de ser assim. Relativamente breve, mas bastante impressionante na nitidez dos detalhes, consegue, em poucas páginas, tornar palpável o mistério, para depois o desvendar como um enigma ainda maior.
Outro dos contos mais conhecidos do autor (e um dos meus preferidos) é A Máscara da Morte Rubra, história de um grupo que se isola num mosteiro para fugir a uma doença misteriosa, mas que, num estranho e fascinante baile de máscaras, se vê visitado pelo mais terrível dos estranhos. Impressionante pelo cenário, mas principalmente pela aura de mistério e temor que parece pautar o desenrolar de todo o enredo, este é um conto que fascina em todos os aspectos - e que surpreende do início ao fim.
Como já devem ter reparado, esta opinião já vai longa - e ainda faltam muitos contos de que falar. Por isso, volto em breve, para vos contar o que mais se esconde nos labirintos deste maravilhoso livro.
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