Procura o ideal e o absoluto - para encontrar apenas silêncio e escuridão. Fala com um deus que não sabe bem se existe. Contempla as trevas e a luz por entre o peso da vida. E sonha, ainda e sempre, com um amor que se afasta. Tudo isto e mais se poderia dizer sobre o sujeito destes sonetos - alguém que, embora fale como um eu, é uma voz mais ampla que a do indivíduo. E talvez seja precisamente isso que tanto fascínio exerce nestas páginas. O eu que poderia ser qualquer um de nós.
Em jeito de declaração de contexto, é preciso dizer, antes de mais, isto: Antero de Quental foi um dos autores que me cativou para a poesia, no tempo em que poesia eram os versos dos manuais escolares e análise era a contagem das sílabas métricas e a classificação da rima. Talvez por isso, voltar a este autor, ler os sonetos como um todo, deixar falar as impressões mais do que a forma, tem um efeito particularmente marcante. Aquilo que já antes criava empatia desperta agora sentimentos mais intensos. E a sombra dos poemas compreende-se agora melhor, porque mais viva, porque mais fácil de entender.
Porque é de sombras que falamos e, quiçá por defeito pessoal, são os poemas mais sombrios os que se me tornam mais memoráveis. Há algo de facilmente reconhecido no vulto que questiona, que duvida, que não sabe muito bem o que faz. Mas há mais, também. É que, ao ler de uma penada este conjunto, fica-se com a imagem de um percurso: das ilusões do amor ao mergulho inefável no abismo e depois à contemplação do que para lá dele se estende. É como se fosse uma jornada pela vida - e uma jornada tão diferente, nas imagens evocadas, mas contudo tão familiar.
É como percorrer pessoalmente os caminhos do tal Palácio da Ventura de um destes sonetos - o tal que, depois de toda a glória, contém em si "silêncio e escuridão - e nada mais!" Porque há em tudo isto uma estranha harmonia, uma beleza que se projecta das palavras e que, contudo, canta trevas e sombra como se do mundo se tratasse. No fim, é isto mesmo que mais marca: a forma como, até do "mais pálido, mais triste e mais cansado" consegue brotar uma beleza avassaladora e impressionante.
E o que dizer, então, sobre este livro? Para mim, foi um regresso pessoal a um lugar muito amado, ao mundo onde a poesia é muito mais que sílabas contadas - é um coração que fala por tantos mais. Recomendo este livro? Oh, com certeza. E vale tanto a pena conhecê-lo...
Título: Os Sonetos Completos
Autor: Antero de Quental
Origem: Aquisição Pessoal
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