A guerra acabou, finalmente - e, por guerra, entenda-se o processo de divórcio. Agora, são só eles os três: ele, o pai e o irmão mais velho, rumo a uma vida nova no Novo México, onde poderão finalmente ser livres e recomeçar. Mas recomeçar como, se os fantasmas que os levaram até ali continuam vivos? E como, se o que começa por ser um recomeço promissor não tarda a resvalar para velhos vícios e não tão velhas violências? Não tarda, o que parecia apenas estranho transforma-se numa espiral de autodestruição. E, sozinhos num laço cada vez mais disfuncional, os dois irmãos precisam de se escolher a si mesmos e não à necessidade de ser apenas "um dos nossos."
Não é propriamente fácil falar sobre este livro, pois um dos primeiros aspectos a destacar-se é o facto de marcarem mais as impressões emocionais do que a narração em si. A história é contada pelo mais novo dos dois irmãos e, posto perante uma situação de mudança e de escolha num tempo em que vive ainda toda a inocência (e lealdade por vezes distorcida) da infância, é como se cada momento fosse uma espécie de revolução. E é fascinante como esta impressão - a de uma criança confusa que só quer pertencer - facilmente passa para o leitor. Sem elaborações desnecessárias, sem grandes descrições ou introspecções, o autor dá ao seu protagonista a voz de que precisa para expressar a sua vulnerabilidade.
E é de vulnerabilidade que se trata, de uma fragilidade que se revela a cada novo acesso das trevas que, aos poucos, começam a rodear a vida do protagonista. O que parecia ser uma relação difícil (e bastam os primeiros momentos para perceber que há, de facto, uma guerra a acontecer) não tarda a revelar-se como algo ainda mais negro. E ver esse crescendo de escuridão pelos olhos do mais inocente dos intervenientes... bem, é angustiante. E mais o é ainda pela precisão com que o autor constrói a história - realçando em actos todos os erros, toda a manipulação, toda a violência... todo o abandono. No fim, é impossível não ficar de coração apertado por estes dois irmãos que, num mundo onde ninguém é perfeito, parecem ter de carregar todo o peso da imperfeição aos ombros.
Há ainda um outro aspecto curioso a sobressair desta viagem: é que, em pouco mais de cento e cinquenta páginas, fica-se com a sensação de ter percorrido uma vida inteira! O que não pode senão fazer todo o sentido, até porque, na infância, cada dia pode parecer uma eternidade, e ainda mais nas condições destas personagens. Além disso, esta relativa brevidade tem ainda o efeito de maximizar o impacto de cada momento, fazendo da história uma constante sucessão de revelações perturbadoras que, por mais angustiantes que sejam, não é possível abandonar antes de saber o que acontece depois. E, bem... o que acontece depois - o que é contado e o que não é - é também algo que faz um estranho sentido, deixando em aberto todas as possibilidades.
Intenso, angustiante, perturbador, eis, pois, um livro capaz de despertar um amplo espectro de emoções, e que, na sua relativa simplicidade, consegue conter a complexidade de uma vida inteira, em toda a sua glória e destruição. Memorável em todos os aspectos - e principalmente na voz que conta toda esta história - um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: Um dos Nossos
Autor: Daniel Magariel
Origem: Recebido para crítica
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