Continuando na senda das leituras de Poe, e deste livro tão fascinante no aspecto como no conteúdo, volto aos ambientes sombrios deste livro para lhe percorrer os labirintos de mistério e imaginação.
E com sombras começo, pois O Poço e o Pêndulo é precisamente o relato da mais terrível e tenebrosa das sentenças de morte. Descrito com um detalhe avassalador e, precisamente por isso, aterrador na sua exactidão, este é um conto de emoções intensas - e onde o sinistro toma formas inimagináveis.
Segue-se O Mistério de Marie Rogêt, e o regresso do fascinante Auguste Dupin. História da resolução de um crime por via estritamente racional, este é um conto que, bastante extenso e elaboradíssimo na sua análise dos pormenores, consegue ser um pouco cansativo. Mas há na forma como tudo, incluindo o mais pequeno detalhe, encaixa na resolução do mistério um estranho fascínio - e esse contempla amplamente o muito pausado ritmo da narrativa.
Passando do racional ao sinistro, segue-se O Coração Delator, mais breve e consideravelmente mais intenso, mas com a mesma aura de mistério que tanto cativa neste autor. A história é a de um crime longamente planeado e a da mais imprevista forma de revelação. E é essa surpresa final - não de quem é o culpado, mas de como este se revela - que torna o conto tão sombrio e fascinante.
O Escaravelho de Ouro conta como a descoberta de um simples, embora invulgar, insecto dá origem a uma descoberta muito, muito mais preciosa. Intrigante pela aura de mistério e perplexidade da fase inicial, este conto surpreende, acima de tudo, por partir de um grande desconhecido, para depois aplicar à descoberta um processo dedutivo digno de um - aqui ausente, mas inevitavelmente trazido à memória - Auguste Dupin.
Segue-se O Gato Preto, história de um temperamento que se torna perverso e de uma também perversa espécie de justiça poética. Sombrio, cruel, sinistro a espaços, mas estranhamente fascinante na sua caminhada progressiva ao que desde muito cedo se sente que será um final revelador, este é um conto que, apesar de não ser particularmente extenso, consegue, ainda assim, transmitir toda a força do cenário - físico e mental - em que decorre.
Montanhas Escabrosas une duas vidas através de uma visão, numa história enigmática e um tanto ambígua, onde parecem ficar algumas explicações por dar, mas em que as perguntas deixadas sem resposta nada tiram ao fascínio do mistério.
O Anjo do Bizarro, por sua vez, explora as relativas probabilidades dos acontecimentos bizarros, na forma de uma sucessão de peculiaridades... premeditadamente induzidas. Caricato na sucessão de acontecimentos, mas principalmente na figura que os faz surgir, um conto inesperadamente leve e cativante - e uma boa surpresa por entre tantas sombras.
Segue-se A Carta Furtada, mais um dos intrigantes casos de Auguste Dupin. Neste caso, a resposta parece fugir até aos métodos de investigação mais sofisticados, mas as capacidades de Dupin nunca desiludem. Intrigante, misterioso e - desta vez - também com um leve toque de vingança pessoal, mais um conto cheio de surpresas.
Depois vem Pequena Discussão com uma Múmia, que traz um antigo egípcio do seu sarcófago para um aceso debate entre os méritos das diferentes épocas históricas a que pertencem múmia e seus interlocutores. Peculiar, mas muitíssimo cativante, surpreende também pela forma como põe em contraste os sucessos alegadamente inovadores e os seus semelhantes do passado.
O Demónio da Perversidade abre como que num registo de introspecção, ponderando nas razões que levam a fazer o que não se devia - para depois exemplificar com um caso prático em que fazer o devido significa guardar segredos mais negros. Breve e inicialmente pausado, este é um conto que surpreende pela súbita mudança de registo, marcando também pela forma como, tanto na introspecção como na acção, se sente precisamente o mesmo fascínio.
O Sistema do Doutor Alcatrão e do Professor Pena, conto de longo título, narra uma estranha visita a um asilo de loucos, cujo famoso método parece ter sido substituído por algo de consideravelmente mais estranho. Não sendo propriamente imprevisível, este é um conto que se destaca pela bizarria do ambiente, bem como pela relativa inocência com que o narrador parece encarar as circunstâncias em que se meteu.
Segue-se A Verdade sobre o Caso do Senhor Valdemar, história de uma experiência realizada na iminência da morte e dos seus surpreendentes e tenebrosos resultados. Intrigante e sinistro, também neste conto não é difícil antecipar de que forma as coisas poderão terminar. Ainda assim, esta relativa previsibilidade nada retira à intensidade de um relato onde tudo no seu aspecto sombrio desperta como que uma estranha intensidade.
Também um dos contos mais conhecidos do autor (e também um dos meus favoritos), A Pipa de Amontillado conta a história de uma vingança meticulosa, num registo tão mais sinistro pela aparente leveza que parece mover os gestos do protagonista. Intenso e memorável, um conto que, apesar do ambiente também sombrio, perturba muito mais pelas acções que pelos cenários.
E o último conto é Hop-Frog, também ele uma história de vingança, e esta ainda mais elaborada que a do conto anterior. Além do cenário impressionante e da habitual intriga sombria e fantasticamente construída, sobressai ainda um outro aspecto neste conto: a forma como a vingança de Hop-Frog contém também em si como que um laivo de justiça poética.
Que faltará dizer sobre este livro? Não muito, até porque a melhor forma de lhe conhecer as qualidades (e são tantas...) é mesmo lendo-o. Mas importa realçar ainda uma vez mais que, ao dar a tão vasto e impressionante conteúdo um aspecto também ele impressionante, este extenso e belíssimo volume torna a viagem ainda mais memorável. E, num cenário tão vasto e sombrio como o dos contos de Poe, até o mais pequeno dos detalhes impressiona. A imagem que fica é, portanto, muito simples: a de uma belíssima forma de conhecer estes contos para quem nunca leu nada de Poe - e a de um livro imperdível para os apreciadores do autor. Magnífico.
Autor: Edgar Allan Poe
Origem: Recebido para crítica
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