Há muito que a relação de Teresa e dos irmãos com a mãe deixara de ser funcional, mas a sua morte súbita não deixa de ser um choque, principalmente porque, antes de se atirar ao mar, Alice deixou para trás um vasto conjunto de cartas de amor. Inicialmente, Teresa presume que o destinatário é o pai, mas há algo de estranho no contraste entre aquelas cartas fervorosas e o desamor que acabou por culminar num divórcio já demasiado tardio. A única coisa clara é que o amor de Alice fora tão intenso quanto destrutivo. E, à medida que vai lendo e novos segredos vêm à tona, Teresa começa a descobrir que, por detrás das palavras, está escondida uma verdade ainda mais dolorosa. Uma verdade que abalará a vida que julga conhecer.
Tendo como fio condutor as cartas de Alice, mas oscilando entre diferentes pontos de vista, é no mistério em torno das cartas e do seu destinatário que se encontra o grande ponto forte deste livro. Cedo se torna óbvio que o que Teresa julga saber sobre toda a situação não é verdade, mas as explicações, essas, não são assim tão fáceis de encontrar. E assim, o caminho vai-se traçando entre grandes mágoas e pequenas obsessões, que dão a conhecer diferentes facetas das várias personagens e culminam numa revelação que, não sendo completamente inesperada, confere, ainda assim, uma nova perspectiva a tudo o resto.
Não é propriamente uma leitura compulsiva, já que, quer nas cartas de Alice, quer no percurso de todas as outras personagens, há uma grande componente introspectiva. Além disso, as relações entre todos estão muito longe de ser fáceis. Ninguém na família é uma personagem simples e, em muitos aspectos, não são sequer do tipo que desperta empatia. Ainda assim, a intensidade das emoções envolvidas e a necessidade de descobrir a verdade por trás de um enigma que tanto destruiu alimentam a necessidade de continuar a ler - mesmo quando é o lado mais desagradável das personagens aquele que mais sobressai.
Ainda um outro aspecto curioso surge do contraste entre os aparentes excessos de dramatismo das cartas de Alice e a estranha naturalidade com que toda a disfuncionalidade é encarada. Há mágoas profundas entre as personagens e marcas de um passado que não está assim tão distante. Ainda assim, os confrontos não são muitos e a forma como os ressentimentos se vão manifestando - mais em pensamento que em acção - acaba por parecer estranhamente realista.
E assim, a impressão que fica é a de uma leitura pausada, contemplativa, tão ambígua como as personagens que a povoam. Mas também estranhamente cativante na sua fusão de drama pessoal e de um mistério que se prolonga por demasiados anos. Envolvente, introspectiva e com alguns momentos verdadeiramente surpreendentes, uma boa leitura.
Título: As Últimas Linhas Destas Mãos
Autora: Susana Amaro Velho
Origem: Recebido para crítica
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