Amália sempre se considerou uma mulher forte e essa convicção nunca deixou de se manifestar também na forma como aborda a sua profissão. Pelo seu tribunal, passam casos desesperados, situações que se descontrolaram, vidas inevitavelmente perdidas, de uma forma ou de outra. Mas, às certezas cada vez menores da sua vida profissional, juntam-se também as mudanças na vida pessoal. O homem que amava partiu sem grandes explicações. E Marta, a criança que decidiu acolher, pode necessitar da sua ajuda, mas aquilo por que mais anseia é voltar ao mundo que conhece e ao avô que, apesar de todos os problemas, é a sua âncora. Cada vez mais só nas complexidades da vida, Amália começa a questionar as suas certezas. Mas a verdade nunca é única nem absoluta. E cada resposta que julga encontrar traz apenas novas perguntas ao seu pensamento.
De ritmo relativamente pausado e com um enredo que se propaga em múltiplas direcções, este não é propriamente um livro de leitura compulsiva, já que tudo, desde as complexidades sentimentais ao entrelaçar dos factos mais difíceis, exige um certo tempo para absorver. Mas o mais interessante nesta leitura é que este registo mais lento, centrado em grande medida na introspecção, apesar de divagar para as vidas de diferentes personagens, nada retira ao impacto da história em si. Muito pelo contrário, aliás, pois a visão cada vez mais complexa que Amália tem da sua vida torna-se também cada vez mais verdadeira. A vida é complexa, afinal. Isso é inegável.
Também particularmente impressionante é que, embora grande parte da história seja vista do ponto de vista de Amália, há todo um cenário mais vasto a considerar. Dos casos que Amália julga no tribunal, bem como da história de Marta, de Madalena e da própria relação falhada de Amália, emergem questões muitíssimo pertinentes, como a importância da família biológica, a possível falibilidade do sistema jurídico ou a forma como o que se julga ser o melhor e o que realmente o é nem sempre são a mesma coisa. E esta complexidade surge não só da percepção de Amália, mas também dos comportamentos das personagens que a rodeiam. Marta, em particular, é um poço de complexidade: vulnerável, encantadora, mas obstinada nas suas vontades e capaz de atacar onde mais dói. Uma criança, mas com uma maturidade assustadora. Frágil, em certos aspectos, mas mais que capaz de se defender.
E, claro, o fluxo da escrita parece ajustar-se perfeitamente a esta jornada de percepção. Pausada, introspectiva, divagando entre as diferentes facetas da narrativa, mas sem perder de vista a perspectiva global, dá a voz certa a cada figura e a cada momento, realçando, em cada situação, o que realmente importa. No fim, é certo que não há resposta para tudo - como na vida também as não há. Mas faz sentido a forma como tudo termina, num ponto de viragem que é apenas insinuado, mas que abre portas a toda uma nova fase da vida.
Nenhuma verdade se escreve no singular. É bem verdade esta afirmação. E é também esta a imagem que fica deste livro: a de uma caminhada por duras veredas em que a única verdade universal parece ser a da infinita complexidade do ser humano. Marcante, pertinente e com muito material em que pensar, um livro memorável em todos os aspectos. E que recomendo, naturalmente.
Título: Nenhuma Verdade se Escreve no Singular
Autora: Cláudia Cruz Santos
Origem: Recebido para crítica
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