Jazz Bashara pode não ter a mais moralmente correcta das vidas, mas, para continuar a viver na cidade lunar de Artemis, está disposta a fazer qualquer coisa. Graças a uns quantos trabalhos mal pagos e ao seu negócio de contrabando, tem conseguido manter-se à tona, mas, quando falha um exame, a sua melhor hipótese desvanece-se subitamente. Agora, precisa de encontrar outra forma de saldar uma dívida antiga e, quando menos espera, um dos seus melhores clientes propõe-lhe um trabalho acima de todas as expectativas: bem pago, à altura das suas capacidades... e altamente ilegal. Jazz não consegue resistir. Só que há muito que não sabe acerca desse trabalho e, quando as coisas começam a descontrolar-se, pode estar em risco o futuro de Artemis. Para não falar da vida da própria Jazz.
Um pouco à semelhança do que acontece em O Marciano, um dos aspectos mais cativantes deste livro é a forma como o autor consegue conjugar uma boa dose de ciência (com explicações bastante detalhadas) e um cenário completamente novo, o que implica umas quantas descrições extensas, com um enredo cheio de acção e de surpresas e um núcleo de personagens muito interessantes. Não é difícil de prever que a soma de todas estas partes será uma leitura viciante. O que talvez já surpreenda é a forma como tudo parece encaixar na perfeição, com os momentos de tensão e de perigo a contrastar com o delicioso sentido de humor da protagonista e com os rasgos de emoção que surgem precisamente nos momentos certos.
Dificilmente se poderia pedir algo mais diferente que uma cidade na Lua. E, contudo, tudo flui com naturalidade. O sistema que rege Artemis fascina desde as primeiras revelações e vai-se tornando cada vez mais intrigante à medida que mais dos seus estranhos meandros se vão tornando visíveis. Além disso, há várias questões pertinentes a transpor para a realidade terrestre, desde as movimentações de Jazz na economia paralela aos planos económicos da administradora - passando, é claro, pela estranhamente eficaz forma de justiça de Rudy.
E, claro, há as personagens propriamente ditas. Algo que cedo se torna evidente é que não há personagens perfeitas nesta história (ainda que Rudy, com a sua estranha dedicação à justiça, possa aproximar-se um bocadinho disso). Basta a profissão de Jazz para estabelecer a sua ambiguidade moral, mas as circunstâncias levam a que outras personagens sejam também testadas nesse aspecto. E não é só a moral complexa que as torna notáveis: as relações delicadas, a forma como uma situação de perigo faz com que certos elementos do passado venham à tona, as amizades, os conflitos e as reconciliações possíveis, tudo isto faz parte do que confere intensidade à história. E não é só Jazz a fascinar com as suas peculiaridades. Há rasgos de brilhantismo nos diálogos de algumas personagens, principalmente no muito peculiar Svoboda, com a sua natureza paradoxalmente inocente.
Intrigante desde as primeiras páginas, cresce em intensidade e complexidade sem nunca perder a leveza viciante, nem mesmo no impressionante final. E é isso que torna este livro tão notável: o equilíbrio entre muitas (e deliciosas facetas) que, juntas, formam um todo maior. E muito, muito bom.
Título: Artemis
Autor: Andy Weir
Origem: Recebido para crítica
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