Pierre, chefe de um grupo de conspiradores contra o regime prestes a entrar em acção, vê a sua obra interrompida por uma inesperada traição. No mesmo dia, Ève, uma senhora da sociedade, é envenenada pelo marido ambicioso. E, do outro lado da morte, descobrem não só estas revelações difíceis, mas também uma inesperada esperança. Foram, na verdade, feitos um para o outro e estipulam as regras que, não se tendo encontrado em vida, deverão ter uma nova oportunidade - vinte e quatro horas - para se amarem, se quiserem retomar a sua vida humana. Só que os dados estão lançados e o que parecia uma paixão fácil na morte revela-se bastante mais complexa em vida. Principalmente porque ambos têm assuntos inacabados a resolver.
Quando ouvimos falar em Jean-Paul Sartre, nome maior do existencialismo, imaginamos a contemplação das grandes questões da vida e da morte, do sentido ou da falta dele. E talvez por isso imaginemos também uma obra mais densa, mais elaborada. Era esse, pelo menos, o meu caso. Surpreende, por isso, logo às primeiras páginas a envolvência e a fluidez deste pequeno livro onde todos os acontecimentos se cingem ao essencial e os sentidos - simbólicos, emocionais, pessoais ou universais - surgem da acção, mais do que propriamente da introspecção. Surpreendentemente viciante seria, pois, uma boa forma de começar a descrever esta história.
Surpreende também o contraste vincado entre a leveza e a intensidade de um enredo onde há sempre algo de notável a acontecer com a presença evidente dos grandes temas que estão, de facto, lá. Basta a premissa, aliás: a morte, do outro lado da vida, enquanto lugar de observação impotente, de conformismo e indiferença, de vago divertimento com as tribulações dos vivos. O amor, intenso quando tudo o que existe é o par, mas muito mais complicado quando outros valores se levantam. A luta por uma causa, o espírito de sacrifício - e, por outro lado, o egoísmo, a ambição, a traição. Tudo numa história relativamente breve, e tudo mais em actos do que em reflexões. E, por isso mesmo, tudo tão marcante.
E, claro, isto leva ao lado emocional, também ele surpreendentemente forte. Bastam as circunstâncias de Eve para despertar empatia e as de Pierre para gerar uma certa admiração. E, à medida que a história evolui, primeiro para a descoberta da morte, depois para as possibilidades do amor e da correcção dos males, também as emoções se tornam mais intensas. É absurdamente fácil sentir com os protagonistas: a confusão, o afecto, a ternura, a ira... a resignação. Pois basta o título para nos dizer que haverá nesta história inevitáveis - mas nem essa certeza faz com que deixemos de torcer para que as coisas possam ser diferentes.
Nem sempre é precisa uma grande complexidade para dar forma a um grande livro - até porque a complexidade emerge, às vezes, das coisas mais simples. É esse o caso deste Os Dados Estão Lançados: história intensa, envolvente, viciante e cheia de grandes questões nas pequenas coisas. Um livro notável, em suma.
Título: Os Dados Estão Lançados
Autor: Jean-Paul Sartre
Origem: Recebido para crítica
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